15 de janeiro de 2017
Por Sergio Renato de Mello, publicado pelo Instituto Liberal
A Constituição Federal traz a previsão de um processo
legislativo de elaboração de leis mais acelerado em razão de certas
necessidades mais urgentes para a população, quando o tempo necessário entre o
seu início e fim são bastante abreviados.
Imagine-se que o indivíduo esteja dentro de um regime de
urgência por estar vivendo numa sociedade globalizada, cheia de mimos de todos
os tipos e direitos para todos os tipos de gostos, e ele se vê na necessidade
mais do que urgente de ser considerado em sua unicidade e individualidade.
Imagino que o indivíduo esteja em regime de urgência por estar afetado a
aceitar, consciente ou não, imposições ou sugestões de toda ordem, vindas,
principalmente, de cima para baixo. Analisando o indivíduo e pensando na sua
possível extinção, vai-se perdendo o caráter individualista de ser, a
personalidade marcante, entrando num mundo da coletividade que é, hoje, a pauta
considerada mais urgente entre tantos desejos e insatisfações humanas ainda não
realizadas. O grau de elevação desses desejos em nível de exigibilidade, quem
os eleva ou os faz parecer dignos e o seu nível de aceitação social, ao menos
nesse texto, não está em análise.
Então, que tal deixarmos um pouco de lado a pauta coletiva e
falarmos do indivíduo? É que o indivíduo precisa de reforma, urgente.
Os marcos da história demarcam a tentativa do homem de
desmascarar Deus ou a sua existência como um ser supremo para além de todo
significado racional e humanitário. O homem tinha adquirido a liberdade suprema
e a deixou escoar por entre seus dedos quando abriu a mão para o mistério e
desconhecimento, antes revelado também, como fonte original disso, o seu
interesse pelo fruto proibido, apesar de advertido das suas consequências. O
homem (ainda não estamos falando de indivíduo) tinha tudo para ser a mais
perfeita criatura de Deus, um ser quase livre em extremo e absoluto campo de
liberdade possível até ter surgido o momento de cair em queda.
Hoje, já considerado o homem como indivíduo, vivendo em
sociedade e tendo direitos e deveres a cumprir, ainda continua livre de acordo
com o que diz a lei, mas agora com consequências imediatas de seus atos. O
império da lei é que determina o seu agir. Mas os legisladores são bem outros,
ainda não muito bem identificados pelos sistemas democráticos de cada país.
As liberdades irrestritas dos dias de hoje, o globalismo
como ordem reinante acima das soberanias e uma das suas vertentes mais
nefastas, a relatividade moral, com o consequente esfriamento do sistema legal
de fazer cumprir regras, ditadores e legisladores não democráticos, porque ao
mesmo tempo não eleitos e nem um pouco suspeitos de seu agir, enfim, tudo isso
e muito mais representa um modo de ser e de agir antidemocrático e
anti-individualista que coloca o indivíduo em pé de desigualdade com os novos
direitos e interesses. Ao menos no modo de exercício de certos direitos, há
indicativos de que o indivíduo vai perdendo essa luta, não só pelos meios
desonestos, manipuladores e sutis em que ela é propagada, como também pela
quantidade de lutadores em pressão do outro lado do grupo coletivo.
Quanto aos legisladores desse atual estado de coisas por
assim dizer aceitas, eles não foram eleitos para estarem ali ditando as
regras como se fossem representantes. É a intelligentsia, provedora das necessidades
mais básicas das camadas sociais mais necessitadas (no seu entender). Ou seja,
são os longa manus de um poder de império maior do que a nossa
própria vontade manifestada no voto popular ou na democracia representativa.
O que deu errado?
Ciente ou não desse atual estado de coisas, dessas mazelas,
o homem é produto não pensante como uma máquina de reproduzir nos domínios do
senso comum. Algo que é inerente a um estado de ser irracional repetitivo que é
retroalimentado por doações que faz de si próprio.
O homem prefere não emitir juízo algum acerca de qualquer
coisa, lamentando e justificando sua conduta omissiva numa certa e suposta
compaixão. Ele não quer condenar para não se ver desprezado pelos demais. Ora,
essa apologia da compaixão politicamente correta deixa de ser certa quando se
sabe que juízos de valor são necessários para se evitar indiferença e, na
palavras de Dalrymple, um certo sadismo. Por outro lado, acredito que só num
certo viés o juízo de valor parece ser justo, exatamente quando do zelo pela
dignidade da pessoa humana. Mesmo o mais bravio dos doentios seres humanos
merece ser tratado como tal e não como lixo.
Ainda no politicamente correto, palavras como egoísmo e
preconceito perderam o seu caráter léxico por agregar valores morais indevidos.
Ayn Rand, em seu ensaio sobre a virtude do egoísmo, o objetizou e deixou isso
bem claro ao informar que seu significado é meramente preocupação com nossos
próprios interesses. Portanto, deve ficar de fora qualquer dado maldoso nessa
palavra. No entanto, a mera pronúncia dela na presença de alguém já induz um
certo sentido valorado negativamente.
O homem degradou seu modo de viver e sua cultura. Vivendo a
lá John Stuart Mill, conseguiu fazer renascer das cinzas o robótico, seco e sem
amor utilitarismo de Bentham para viver de uma fácil equação matemática: PRAZER
X DOR. O grande problema é que o estuprador sente prazer mas a criança vítima
vai carregar marcas corporais e mentais, e porque não dizer almáticas,
indeléveis para o resto de sua vida.
O homem é mimado e ressentido. Mimado porque, em vez de
procurar a sua caça, prefere quero, logo tenho direito, que significa o mesmo
que quero, logo existo, para exemplificar a era dos direitos de hoje em dia.
Por outro lado, o homem ainda ressente-se de que pode algum dia chover ou dar
sol quando quer que dê sol ou chova.
O homem ainda vive oprimido, muito embora viva num estado
democrático de direito. A difícil solução para a modernidade ou pós modernidade
será conciliar dos interesses que parecem antagônicos entre si: a concessão de
supostos direitos ou exercício deles com o exercício de outros direitos também
louváveis e achados na legislação. Por ser taxado de preconceituoso,
homofóbico, machista, sexista, racista, capitalista, quando, na verdade, uma
certa ideia preconcebida de coisas (Dalrymple) é um achado valiosíssimo de
liberdade de expressão e manifestação de pensamento e de crença com previsão
constitucional, alimenta essa expectativa opressora do outro que se diz
vitimado.
Certo ceticismo faz parte de cultura desse homem moderno, se
comportando com um verdadeiro cego num tiroteio. São tantas as versões de fatos
e de ideias que lhe são apresentadas que chega ao colapso mental ao tentar
discernir entre o bem e o mal. Estratégia de grupos autoritários e pertencentes
a uma classe de ver coisas utópicas, óbvio, com intenção de afrouxar a
percepção e, consequentemente, o senso moral.
Esse home era prudente, mas agora resolveu ser progressista,
achando que evoluir de qualquer forma é estar alinhado com o presente e com o
futuro da humanidade. Afinal de contas, segundo Chesterton, A sua mente tem as
mesmas liberdades duvidosas e as mesmas limitações selvagens.1
Hoje, ainda com medo das armas, muito embora já alforriado
há tempos, o indivíduo continua sendo escravo de uma entidade difusa (ele não
sabe exatamente de quem). Vive e prefere viver no campo, perdeu o caminho de
volta para a senzala e não sabe onde fica a casa grande. Como se disse, prefere
viver a lá Stuart Mill, desconhecendo a verdadeira face oculta ou ocultada de
Karl Marx, porque a escola só ensina o seu lado bonzinho, e o não mais saudoso
Antonio Gramsci. Este é quase um desconhecido, porque o pessoal que estuda
prefere olhar figuras de armas e cadáveres. São mais interessantes. Por outro
lado, se soubesse onde fica a casa grande, ainda assim estaria preferindo ficar
na senzala ou no campo, pois a sua miséria íntima já faz parte de seu círculo
vicioso de vida.
Essas são as características do indivíduo enquanto ser preso
a um estado de coisas miseráveis em “avanço” ao homem em seu estado natural,
próprias da modernidade.
Agora, quanto ao homem original, qualificado como O homem
eterno, aquele de antes e que se perdeu no tempo, G. K. Chesterton deixou o seu
legado literário com um expressivo dizer no sentido de que o homem é um ser
diferente dos demais seres, mas ao mesmo tempo estranho em seu próprio mundo,
algo raro. Ele alude ao homem da caverna de Platão. Chesterton defende o homem
enquanto ser natural para desmistificar especulações convencionais desse ser
divino, as que apregoam que tudo começa devagar e suave e vai se desenvolvendo
aos poucos. As sombras que eram reproduzidas na caverna partiram da decisão de
uma única pessoa: do homem. Assim, todo e qualquer tipo de história deve
começar do homem enquanto homem, algo absoluto e só.
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1G. K. Chesterton, O homem eterno. 1ª ed. Ecclesiae: São
Paulo, 2014, p. 40.
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