Ramon
se mudou da terra
No meio da década de 1980 eu cheguei a Itabuna para estudar
e trabalhar. Era bancário e sindicalista, mas queria ser escritor. Por revés da
sorte, acabei advogado e político, uma lástima.
Naquele tempo,
transitava na senda da arte entre Buerarema e Ilhéus uma trupe felliniana:
Jackson, Betão, Alba, Eva, Gideon, Gal, Delmo, Zé Henrique e, naquela miríade
estrelar, ele, claro, RAMON VANE, o mais cênico de todos.
A figura de um pintor holandês do século XVII, a recitação
de um menestrel medieval e a presença carismática de um franciscano. Um astro
rasgando o céu da Mata Atlântica.
Nosso Rimbaud trovando no alto da proa de um barco bêbado,
singrando os mares e domando as ondas naquela temporada no inferno, atirando
poesias contra a estação da ditadura ainda presente.
Eu o encontrava quase todas as noites no curso noturno de Direito da FESPI.
Eu o encontrava quase todas as noites no curso noturno de Direito da FESPI.
Fomos colegas e contemporâneos, nos códigos e na
decodificação da Justiça, mas “as leis não bastam, os lírios não nascem da
lei”, como aprendemos com Drummond e escrevemos o nome tumulto na pedra.
Era tímido na faculdade, nunca o encontrei no DCE, mas
enxergava-o de soslaio num canto da biblioteca do Departamento de Letras, onde
ambos acorríamos à procura da consolação na palavra.
Porém, como ele sabe
agora, jamais encontramos um bálsamo, conforto ou doçura na provisoriedade
dessa condenação da existência. Talvez nessa travessia, na eternidade de
serafins e cítaras, ele possa declamar todo seu lirismo sem a azáfama e a
urgência dos dias terrenos.
Neste domingo acordei com uma mensagem de Gideon Rosa: “Ramon se mudou da terra hoje de madrugada”.
Neste domingo acordei com uma mensagem de Gideon Rosa: “Ramon se mudou da terra hoje de madrugada”.
Assustado, levantei mudo e pasmo, e essas reminiscências me
afloraram durante toda a manhã.
Daqui de Itororó, lamentavelmente, não pude ir ao
sepultamento, então, mando rápidas e atropeladas letras na ambição de
contribuir para desentortar as veredas no seu caminho ao paraíso.
Ramon Vane era um artista, eu me lembro!
Ramon Vane era um artista, eu me lembro!
Escritor, advogado e político
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Enviado do meu smartphone Samsung Galaxy.
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