Ventos de restauração, presente de Natal
17 de dezembro de 2016
Péricles Capanema
Em artigo recente, intitulado “Cristandade”, festejei,
embora admitindo eventuais senões, a consagração do Peru ao Sagrado Coração de
Jesus e ao Imaculado Coração de Maria. Na ocasião, notei: “Cristandade,
realidade esquecida, enterrada, até vilipendiada. O progressismo católico a
abomina, tantos católicos, mesmo de boa orientação, substituem o termo por
outros, temerosos de empregar anacronismo não mais aceito, nem sequer tolerado
em certos círculos. Na Grécia antiga pela pena do ostracismo o cidadão era
expulso do convívio de seus pares. Cristandade parece tê-la sofrido. Fale dela
em seus círculos, qualquer deles, vão torcer o nariz. Deveria ser o contrário.”
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O presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski tem antepassados
na Polônia. E é de consagração e Cristandade na Polônia que vou tratar agora. É
preciso repetir o que afirmei no outro artigo, tudo o que lembra Cristandade
merece registro. E na Polônia teve outra importância que no Peru.
Cracóvia. Em 19 de novembro, ecoando prática tradicional na
Igreja, infelizmente de há pelo menos algumas décadas virtualmente abandonada,
os bispos da Polônia, o presidente da República [na foto, à direita de sua mãe
e alguns de seus ministros], o primeiro-ministro, os presidentes da Dieta
(espécie da Câmara dos Deputados), do Senado, ministros, deputados, diante de
aproximadamente 100 mil fiéis consagraram a Polônia a Cristo Rei.
De passagem, estou certo e constato com tristeza: mesmo
longinquamente, nada do que aconteceu na Polônia será promovido entre nós pela
CNBB e por titulares do Poder Público. A última da CNBB: condenar a PEC 241, a
do teto nos gastos públicos, como de hábito somando sua voz à gritaria
estridente do PT, PC do B, MST e agitadores congêneres. Ao mesmo tempo, manter
silêncio, pelo menos até agora, também com muito de habitual, a respeito da
ampliação dos casos de aborto, autorizada pela 1ª turma do STF (até o terceiro
mês da gestação já não é mais crime).
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Volto à Polônia. O ato solene, precedido de novena de
preparação, realizada no sábado em Cracóvia, foi repetido no domingo em todas
as igrejas do País. Abaixo, trechos da consagração, que começa assim:
“Ó Rei imortal de todas as épocas, Senhor Jesus Cristo,
nosso Deus e Salvador. Neste ano jubileu do 1050º aniversário do batismo da
Polônia, neste jubileu extraordinário da misericórdia, nós, os poloneses,
colocamo-nos diante de Vós, com nossas autoridades, o Clero e o laicato, para
reconhecer vosso reino, submeter-nos à vossa lei, consagrar-vos nossa Pátria e
todo o nosso povo. Diante do Céu e da Terra confessamos que temos necessidade
de vossa lei. Reconhecemos que só Vós tendes uma lei santa e perene para nós.
Por isso, inclinando humildemente a cabeça diante de Vós, Rei do Universo, nós
reconhecemos a vossa soberania sobre a Polônia e todo nosso povo vivendo na
Pátria e disperso pelo mundo.”
O texto especifica em que condições ele pede a Nosso Senhor
Jesus Cristo que reine. Destaco:
“Em nossos corações; em nossas famílias; em nossas
paróquias; em nossas escolas e universidades; em nossos escritórios, lugares de
trabalho, serviço, repouso; em nossas cidades e vilas; em toda a nação e no
Estado polonês”.
Faz também agradecimentos por graças recebidas:
“Pela graça do batismo e aliança com nosso povo ao longo dos
séculos; pela presença maternal e real de Maria em nossa história; pela vossa
fidelidade, apesar de nossas traições e fraquezas”.
Ecoando o ensinamento tradicional de que a consagração é uma
renovação das promessas do batismo, afiança: “Renunciamos ao demônio e a
todas suas obras”.
A seguir enuncia compromissos (“nós nos comprometemos”), de
onde retiro:
“a ordenar toda nossa vida pessoal, familiar e nacional
segundo vossa lei; a cuidar da santidade de nossas famílias e da educação
cristã de nossos filhos; a construir vosso reino e a defendê-lo em nossa
nação”.
E termina assim:
“Aqui, a Polônia, por ocasião do 1050º de seu batismo,
aceitou oficialmente a realeza de Jesus Cristo. Glória ao Padre, ao Filho, ao
Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e para sempre. Amém”.
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O valor de uma consagração depende da pureza de intenção, da
seriedade em conformar a vida privada e pública ao que as palavras significam.
No caso polonês, só o futuro nos informará. Rezemos para que a nação
corresponda a este favor celeste.
A cerimônia, a solenidade, a representatividade, o texto, a
união do poder temporal e da Hierarquia num só movimento de religião mostram
que lá permanecem vivas não apenas a convicção de que atitudes dessa magnitude
dão especial glória a Deus, mas ainda a noção da enorme importância da ordem
temporal cristã na salvação das almas. Ademais, evidencia adesão a seu passado
cristão.
Sucedeu na Polônia uma santa insistência dos fiéis, a qual
merece ser posta em relevo. Em 2008, o Episcopado desestimulou como inadequada
e desnecessária consagrar o País a Cristo-Rei, resistindo a justificados e
reiterados pedidos. Tendo como pano de fundo os ensinamentos tradicionais dos
Papas, expostos em especial na Quas Primas de Pio XI, setores do
Clero, do laicato e deputados católicos continuaram a campanha. Acabaram
dobrando o Episcopado, que aderiu.
Em suma, os fatos autorizam esperanças de que no interior do
catolicismo polonês sopram ventos de restauração cristã, prenúncio de chuva
criadeira. Rorate coeli desúper et nubes pluant Justum (derramai, ó
céus, o vosso orvalho e as nuvens chovam o Justo). Nesse século carente de bons
exemplos, temos aqui um luminoso bom exemplo, belo presente de Natal.
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