Os oitenta anos do Papa Francisco
18 de dezembro de 2016
Roberto de Mattei (*)
O Papa
Francisco transpõe o limiar do seu 80º aniversário: Ingravescentem aetatem (idade
avançada), conforme a define Paulo VI no motu proprio de 21 de
novembro de 1970, cuja chegada impõe a todos os cardeais abandonar seus cargos,
tirando-lhes até o direito de entrar no conclave. Paulo VI estabeleceu a regra
para criar uma nova cúria “montiniana”, mas introduziu assim uma profunda
contradição no âmago de uma prática mais do que milenar da Igreja. Porque se a
idade é obstáculo para a condução de uma diocese ou de um dicastério, e até
mesmo impede um cardeal de eleger um Papa, como se pode imaginar que,
completados oitenta anos, possa um cardeal que se tornou Papa suportar o peso
de guiar a Igreja universal?
Não são essas, contudo, as considerações que levaram o Papa
Francisco a declarar em 12 de dezembro: “Eu tenho a sensação de que meu
pontificado será breve, 4, 5 anos. […] Talvez não, mas tenho a sensação de que
o Senhor me colocou aqui por pouco tempo. Mas é um sentimento, por isso deixo
sempre a possibilidade aberta”. A verdadeira razão de uma possível
abdicação parece ser não um enfraquecimento das forças, mas a consciência do
Papa Bergoglio de ter-se embrenhado, menos de três anos após a sua eleição,
naquilo que foi definido por Antonio Socci no “Libero” como o inexorável “crepúsculo
de um pontificado” (20 de novembro de 2016).
O projeto do Papa Francisco de “reformar” a Igreja com a
ajuda do Sínodo dos Bispos e de colaboradores dóceis enguiçou, e o balanço do
Jubileu foi mais do que decepcionante. “O Papa Francisco fechou a porta
santa, mas sua mensagem é acompanhada pelo ruído de uma crise subterrânea. Uma
guerra civil está em curso na Igreja”, escreveu Marco Politi em “Il Fatto
quotidiano” (21 de novembro de 2016). O conflito foi aberto, premeditadamente
ou não, pelo próprio Papa Francisco, especialmente após a exortação Amoris
laetitia, e hoje a Igreja não avança, mas afunda numa terra sulcada pelas
fissuras de profundas divisões.
Alguém comparou o fracasso do pontificado do Papa Francisco
ao de Barack Hussein Obama. Em três anos consumou-se em Roma aquilo que em
Washington tardou oito anos: a passagem da euforia da primeira hora à depressão
final, pelo fracasso total dos objetivos almejados.
Mas seria errado ler o pontificado do Papa Francisco em
termos puramente políticos. Ele nunca poderia pronunciar o “yes, we can” de
Obama. Para um Papa, diferentemente de um político, nem tudo é possível. O Sumo
Pontífice tem poder supremo, pleno e imediato sobre toda a Igreja, mas não pode
alterar a lei divina que Jesus Cristo deu à Igreja, nem a lei natural que Deus inscreveu
no coração de cada homem. É o Vigário de Cristo, mas não o seu sucessor. O Papa
não pode mudar as Sagradas Escrituras, nem a Tradição, que são a regra remota
da fé da Igreja, mas deve submeter-se a elas.
É este o impasse diante do qual se encontra hoje o Papa
Bergoglio. Os “dubia” apresentados pelos quatro cardeais (Brandmüller,
Burke, Caffara e Meisner) [fotos acima] à Congregação para a Doutrina da Fé o
colocaram num beco sem saída. Face ao teor da Exortação Apostólica Amoris
laetitia, os cardeais pedem ao Papa para responder claramente com um sim ou
com um não às seguintes questões: os divorciados que voltaram a casar
no civil e não querem abandonar a situação objetiva do pecado em que se
encontram têm o direito a receber o Sacramento da Eucaristia? E, de modo mais
geral: a lei divina e natural ainda é absoluta, ou em alguns casos permite
exceções?
A resposta atinge os fundamentos da moral e da fé católica.
Se aquilo que era verdade ontem não o é hoje, aquilo que é verdade hoje poderia
não sê-lo amanhã. Mas caso se admita que a moralidade pode sofrer uma mutação
de acordo com os tempos e as circunstâncias, a Igreja está destinada a
afundar-se no relativismo da sociedade fluida de nossos dias. Caso contrário,
será então preciso remover o cardeal Vallini, Vigário de Roma, que na sua
exposição durante o encontro da Conferência Pastoral da diocese do Papa, em 19
de setembro, disse que o divorciados novamente casados podem ser admitidos à
comunhão, de acordo com um “discernimento que distinga adequadamente cada
caso”. Sua posição foi adotada em 2 de dezembro pelo jornal “Avvenire”,
órgão da Conferência Episcopal Italiana, segundo o qual as disposições de Amoris
laetitia eram “palavras muito claras sobre as quais o Papa colocou o
seu imprimatur”.
Mas pode o Papa atribuir ao “discernimento” dos pastores o
direito de quebrar a lei divina e a lei natural das quais a Igreja é a guardiã?
Se um Papa tentar mudar a fé da Igreja, ele renuncia explícita ou
implicitamente ao seu mandato como Vigário de Cristo e, mais cedo ou mais
tarde, será obrigado a renunciar ao pontificado. A hipótese de uma reviravolta
como esta não pode ser excluída no decurso de 2017. A abdicação voluntária
tornaria possível ao Papa Francisco abandonar o campo como um reformador
incompreendido, imputando à rigidez da Cúria a responsabilidade pelo seu
fracasso. Se isso vier a acontecer, é mais provável que ocorra após o próximo
Consistório, que permita ao Papa Bergoglio introduzir no Sacro Colégio um novo
grupo de cardeais próximos dele, para influenciar a escolha de seu sucessor. A
outra hipótese seria a de uma correção fraterna da parte dos cardeais, a qual,
uma vez tornada pública, equivaleria a uma constatação de erro ou heresia.
Nada de mais errado, em qualquer caso, do que as palavras do
cardeal Hummes: “São quatro cardeais. Nós somos duzentos”. Além do fato de
que a fidelidade ao Evangelho não se mede de acordo com critérios numéricos, os
duzentos cardeais aos quais se refere o cardeal Hummes nunca se distanciaram de
seus quatro confrades, mas com o seu silêncio de algum modo tomaram distância
do Papa Francisco. As primeiras declarações de apoio aos dubia, tanto
pelo cardeal Paul Josef Cordes, ex-presidente emérito do Pontifício Conselho
Cor Unum, quanto pelo Cardeal George Pell, Prefeito da Secretaria para a
Economia, são significativas. Alguns já começam a quebrar o silêncio. Não são
duzentos, mas são certamente mais de quatro.
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(*) Fonte: “Il Tempo”, Roma, 16-12-16. Matéria traduzida do
original italiano por Hélio Dias Viana.
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