Ler é Poder
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A leitura é talvez o meio mais importante para chegarmos ao conhecimento. Por isso é necessário aprender a ler, mas interessa mais ler em profundidade do que em quantidade. Não é a pergunta: Por que ler? Mas como ler.
Dominique
Mainguenlau, linguista Francês, propõe que os textos possuem, entre outras
coisas, uma classificação pragmática (religiosos, políticos, literários,
científicos...) e uma genérica (sermão, publicidade impressa, outdoor, reportagem,
poema, ofício....), que ele chama respectivamente de “cena englobante” e “cena
genérica”. Para cada tipologia textual há um “quadro cênico” que sustenta, em
boa medida os processos de significação que dele derivam. Porque não lemos
ciência do mesmo modo que ficção, nem lemos uma bula como lemos poemas nem
publicidade, como ata e assim em diante.
Mas além do quadro cênico – cena englobante e genérica, os
textos constituem uma “cenografia” . Isto é são constituídos de elementos ( léxicos,
estruturais sintáticas típicas, temas, imagens associadas etc.). Dos quais
deriva sua cenografia. Os romances, exemplificando, podem ser contados de
diversas formas: na forma de um conjunto de cartas trocadas entre aristocratas
na França pré-revolução ( Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos), como um
jagunço relatando a um interlocutor suas andanças (Grandes Sertões: Veredas, de
Guimarães Rosa).
É bom lembrar que nem todos os gêneros de discurso,
elaboram cenografias específicas. Ao elaborar um texto a cenografia emerge,
portanto, um tom, já que o processo de leitura de um texto constrói uma voz que
se revela na enunciação, que a sustenta e a legitima, e não se restringe aos
enunciados orais. A noção de Ethos discursivo, de Dominique é um modo de darmos
conta dessa voz que subjaz a textos escritos. Há um laço indissociável entre o
que é dito e como é dito. É por isso que o conteúdo dos enunciados e o modo de
dizer são mutuamente dependentes e é a partir desta relação que um universo de
sentido se constrói em um discurso.
Por isso diz-se que o Ethos esta na ordem do mostrado e não
do dito. A leitura dá sentido às coisas, ao mundo, a vida. Porque ela mobiliza,
necessariamente, diversos tipos de saberes e um bom leitor – aquele que
sonhamos formar em nossas salas de aula – deve ser capaz de lidar com essas
múltiplas faces dos textos.
Aproveitando a efervescência do momento tomemos como exemplo
um português eleitoral. Vejamos a expressão “sociais-democratas” esta é forma
usual, mas há quem diga que o plural pode mudar conforme a expressão assuma o
papel de derivação imprópria ou conversão, isto é assumindo o papel de
substantivo (os sociais-democratas fazem oposição ao governo), sendo adjetivo,
somente o último elemento flexionará. Exemplo: São muitas as filosofias
socialdemocratas.
Qual seria o correto: eleições ou eleição? Usar o plural
eleições em referência a um processo de votação de cargo público contém,
implícita, a ideia de evento múltiplo e grandioso, envolvendo a definição de
cargos distintos, como muitas urnas e sessões, muitos eleitores, mesários e
representantes partidários, num processo que envolve dois turnos.
Outra dúvida: abstenção é abstinência? Só numa acepção a
palavra “abstenção” é sinônimo de abstinência: na ação de privar-se ou
renunciar a algo. O uso mais frequente de abstinência é como restrição de
comida, bebida ou sexo. Já abstenção é usada nesse sentido (de privação
voluntária), e em particular no de recusa de integrar uma ação, como decisões,
ausência de voto eleitoral.
Agenilda Palmeira, professora
Membro da Academia Grapiúna de Letras - AGRAL
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