Como uma
vela em Berlim
22 de dezembro de 2016
Por Theodore Dalrymple*
Um instante já foi definido como o tempo entre um sinal de
trânsito ficar verde na Cidade do México e a buzina do primeiro carro tocar,
mas agora poderá ser definido como o período entre um ataque terrorista numa
cidade do Ocidente e a primeira aparição pública de uma vela. Todo ataque
terrorista, incluindo o último em Berlim, é imediatamente sucedido por uma
exibição pública de velas acesas. É quase como se a população tivesse um
estoque delas pronto para esse propósito.
O que eles glorificam com essas velas? Nós estamos todos
acostumados às luzes de velas em igrejas católicas, mas Berlim não é uma cidade
católica e, como quase todas as capitais ocidentais, não é particularmente
devota de qualquer religião. Suas feiras natalinas pertencem mais a uma
tradição folclórica do que a uma fé real. É provável, na verdade, que as
pessoas cujo primeiro impulso é acender velas tenham orgulho da sua falta de fé
religiosa. Por outro lado, alguns deles dizem que não são religiosos, mas
espiritualizados.
A razão, eu suponho, que faz com que tantas pessoas se digam
espiritualizadas e não religiosas é que ser espiritualizado não impõe qualquer
disciplina a elas, ao menos nenhuma que elas não optem por assumir. Ser
religioso, por outro lado, implica na obrigação de observar regras e rituais
que podem interferir de maneira incômoda na rotina diária. Ser
espiritualizado-mas-não-religioso dá a você aquele conforto, aquele sentimento
interior, algo como tomar um uísque num dia frio, e reafirma a você que há algo
mais na vida – ao menos, algo mais para a sua vida – do que seus olhos podem
ver, mas sem ter que interromper de verdade o fluxo do seu dia-a-dia. É a
gratificação que vem com a religião sem os inconvenientes da religião.
Infelizmente, como toda bebida muito diluída, não tem gosto.
As velas são a manifestação do paganismo moderno, uma sede
de transcendência sem qualquer crença para acreditar. Elas são também uma
espécie de símbolo de auto-felicitação por nosso temperamento pacífico, já que
gente violenta não é muito conhecida por acender velas. Nós não conseguimos,
por exemplo, imaginar Gengis Khan acendendo velas pelas almas que partiram (e
não que a gente realmente acredite em alma). Mas qual o mal de se acender velas
imediatamente após um massacre? Não contribui para o aquecimento global então
Gaia não vai ser ferida. É uma maneira de nos expressarmos e auto-expressão é
um bem absoluto, assim como falhar na auto-expressão é um mal absoluto.
É algo difícil de provar, mas eu imagino que todas essas
velas servem de encorajamento exatamente para as pessoas que cometem os
massacres que criam essas manifestações. Nós cortamos as gargantas deles,
jogamos caminhões em cima deles e eles acendem velas. Eles não são moralmente
superiores como costumam pensar sobre eles mesmos. Pelo contrário, são fracos,
débeis, molengas, preguiçosos, vulneráveis, indefesos, covardes, chorões,
decadentes. Contra este tipo de gente, estamos destinados a vencer. E não vai demorar.
Os terroristas estão errados, mas eles não são espertos ou
grandes pensadores. Se você quer mais ataques terroristas, acenda uma vela.
* Publicado originalmente em City Journal, com tradução de
Alexandre Borges
BLOG /
RODRIGO CONSTANTINO
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário