Sobre o poder da poesia
A natureza , as artes , o amor ao saber , o contato com as
outras pessoas deveriam ser os nossos ícones. E não os shoppings centers que
viraram os templos sagrados da nossa sociedade. Deveríamos gastar menos tempo e
dinheiro em barzinhos da moda e fazer mais encontros em casa.Deveríamos
dedicar mais tempo aos amigos de verdade do que aos contatos sociais.
Deveríamos dedicar mais tempo ao prazer , à alegria do que aos cursos online
para estimular uma produtividade, muitas vezes, mecanizada. Deveríamos criar
nossos filhos para serem pessoas inteiras e não robozinhos que servem aos
interesses do status quo.
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Em tempos de literatura de autoajuda e frases prontas
pregando um otimismo irreflexivo, falar sobre qualquer tipo de poesia parece
algo anacrônico, sem muito sentido.
Não, não, não! Não estou pregando o pessimismo. Questionar
um otimismo sem embasamento não significa ser pessimista. Entre os extremos ,
existem sempre muitas possibilidades. Normalmente as mais interessantes e
intrigantes.
Não creio que devamos ser reclamões e acomodados. Não creio
que devamos cruzar os braços porque a vida é difícil. Sim, a vida é bem
difícil. Não creio que devamos nos acostumar com tudo nem nos conformar com uma
vida apequenada, medíocre.
Por outro lado, não creio que com pensamento positivo tudo
se resolva. Não creio num manual estilo receita de bolo para ser feliz. Muito
pelo contrário. Acho que este tipo de literatura mais atrapalha do que ajuda.
Num primeiro momento parece ajudar pois infla o leitor de esperança. Mas
conforme o tempo vai passando e a pessoa vai percebendo que pensamento positivo
colabora , mas não é tudo, um sentimento de revolta pode surgir. Contra o
Universo. Contra si mesmo. Sim, muita gente quando não consegue concretizar as
promessas dos livros de autoajuda podem voltar-se contra si mesmas , achando
que não tiveram fé suficiente. Achando que não pensaram positivamente o
bastante.
Me parece que esta necessidade de encontrar uma causa e um
efeito para tudo é um bom começo para pirar qualquer pessoa. Falo por experiência
própria. Sim, algumas coisas não fazem muito sentido mesmo. Se a gente for
buscar o porquê de tudo, corre o sério risco de deixar de viver as coisas mais
simples e ao mesmo tempo sublimes da nossa existência. E é aí que entra a
poesia no meu atual post...
Quando uso o termo poesia , não me refiro apenas ao gênero
literário. Me refiro a todas as poesias da vida. Me refiro à poesia que existe
num jogo de luzes e sombras numa fotografia ou num quadro. Me refiro à poesia
de uma música que fala ao coração. À poesia que habita o cheiro do café
recém-coado, o cheiro do bolo assando, a textura da manteiga se derretendo no
pão quente , as gotas de chuva através do vidro da janela, o risinho de uma
criança , o balbuciar de um bebê , o abraço apertado entre amigos que não se
veem há muito tempo. E falo da poesia como gênero literário também.
Raramente paramos para ler um livro de poesias ou nos
deleitamos diante de um quadro. Raramente nos deixamos levar pelas luzes de uma
fotografia , pelas formas e cores de uma pintura , pelos silêncios de uma
música. Raramente nos deixamos levar pelo calor morno de uma manhã ensolarada
ou pelo frio nostálgico de uma tarde cinzenta. Normalmente comemos e bebemos
apressados , sem sentir as rimas e metáforas que existem numa simples xícara de
café , numa taça de vinho, no sorriso da pessoa amada. Normalmente andamos
apressados , querendo realizar e realizar cada vez mais , mergulhados em planos
infindáveis. Mas raramente nos deixamos envolver pelas coisas que já fazem
parte do nosso presente , que esperam pacientemente por apenas um olhar nosso.
Sim, deveríamos ler mais poesia e filosofia. Não para
arrotar conhecimento na cara das pessoas. Mas para transformar a nós mesmos.
Deveríamos carregar mais livros debaixo do braço, dentro da alma. Deveríamos
passear mais em livrarias , passar tardes em cinemas alternativos , fazer
piqueniques em parques. E entre uma mordida num sanduíche caseiro e um gole de
uma bebida qualquer , degustar pensamentos poéticos , compartilhá-los com
pessoas queridas.
A natureza , as artes , o amor ao saber , o contato com as
outras pessoas deveriam ser os nossos ícones. E não os shoppings centers que
viraram os templos sagrados da nossa sociedade. Deveríamos gastar menos tempo e
dinheiro em barzinhos da moda e fazer mais encontros em casa. Deveríamos
dedicar mais tempo aos amigos de verdade do que aos contatos sociais.
Deveríamos dedicar mais tempo ao prazer , à alegria do que aos cursos online
para estimular uma produtividade, muitas vezes, mecanizada. Deveríamos criar
nossos filhos para serem pessoas inteiras e não robozinhos que servem aos
interesses do status quo.
Deveríamos cultuar mais livros e filmes do que sapatos e
bolsas. As nossas estantes de livros deveriam ocupar mais espaço em nossas
casas e em nossas vidas do que nossas sapateiras. Muita gente ao ler esta frase
, vai pensar ou dizer: "Qual é o problema de preferir sapatos a livros?
Preferir sapatos é uma questão de gosto, ué?" Se alguém não consegue
entender que livros são mais importantes do que colecionar sapatos , eu
realmente não tenho nada a dizer. Preferir sapatos , ok. Sem problemas. O
triste é não conseguir entender a superficialidade da sua preferência. Sei que
minha frase soa de forma bem pedante e autoritária, mas chega uma hora em que
não dá mais para usar meias palavras. Sim, me parece muito triste viver em uma
sociedade que não consegue enxergar o quanto suas prioridades demonstram uma
devastadora superficialidade emocional e intelectual.
Por outro lado, também é inegável que existem muitos devoradores
de livros que são superficiais e que não conseguem traduzir para a própria vida
aquilo que eles leem. Usar o conhecimento como estratégia de dominação
provavelmente é muito pior do que ser meramente superficial.
Sim, deveríamos buscar a felicidade existencial e única e
não a felicidade pasteurizada que se reverte em mais um objeto de status.
Deveríamos falar e entender mais sobre as variadas poesias...deveríamos ser nós
mesmos mais poesia do que simplesmente pedras de um jogo de xadrez servindo à
regras que não compreendemos e nos deleitando com vitórias que não são nossas.
SÍLVIA MARQUES
Paulistana, escritora, idealista em
crise, bacharel em Cinema, cinéfila, professora universitária com alma de
aluna, doutora em Comunicação e Semiótica, autodidata na vida, filósofa de
botequim, com a alma tatuada de experiências trágicas, amante das artes , da
boa mesa, dos vinhos, de papos loucos e ideias inusitadas. Serei uma atleta no
dia em que levantamento de xícara de café se tornar modalidade esportiva. Sim,
eu acredito realmente que um filme possa mudar a sua vida! Autora do blog
Garota desbocada. Lancei recentemente em versão e-book pela Cia do ebook o
romance O corpo nu..
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