Jejum faz suas células se comerem; e isso te renova, diz
Nobel de medicina
Fernando Cymbaluk
Do UOL, em São Paulo
28/11/2016
Não é dieta ou regime. Os cientistas estão pesquisando como
o jejum ou o corte radical de calorias pode promover o aumento da expectativa
de vida. A alimentação equilibrada e rica em nutrientes é fundamental para uma
boa saúde. Porém, já é sabido que a privação de alimentos de forma controlada
pode ativar mecanismos de autodefesa das células que garantem a elas maior
longevidade. É isso que se traduz em benefícios para todo nosso organismo.
Tudo por causa da autofagia. Ela é um mecanismo importante
de autolimpeza que existe em todas as células de nosso corpo. Os genes que
regulam essa reciclagem de organelas velhas ou malformadas foram identificados
por Yoshinori Ohsumi, ganhador do Nobel de medicina deste ano.
Akiko Matsushita/Kyodo News via AP
Yoshinori Ohsumi ganhou o Nobel graças a suas descobertas
sobre a autofagia, um processo de reciclagem celular
A redução da autofagia leva ao acúmulo de componentes
danificados, o que está associado à morte das células e ao desenvolvimento de
doenças. Assim, manter o mecanismo ativo seria uma forma de prevenir problemas
futuros.
A autofagia é ativada quando a célula está em situações de
estresse. Por exemplo, quando o indivíduo fuma um cigarro ou deixa de se
alimentar. Para sobreviver, a célula passa a "comer" partes internas,
degradando tudo o que tem de ruim. Quanto mais o mecanismo funciona maior
a faxina interna.
"A autofagia não fica ativa o tempo todo. Mas a restrição de
nutrientes é uma forma de burlar isso"
Luciana Gomes, pesquisadora do Laboratório de Reparo de DNA
da USP
"O jejum induz a autofagia, isso é sabido. Também
sabemos que a autofagia induz a longevidade. A busca agora é entender a conexão
entre a autofagia ativada pelo jejum e a longevidade das células", explica
Soraya Smaili, professora livre-docente da Escola Paulista de Medicina. Segundo
ela, a maioria dos estudos feitos até hoje foi com animais.
Comer menos calorias também pode aumentar longevidade.
Outra forma de ativar a autofagia e propiciar benefícios
para o organismo é com a restrição do consumo de alimentos. Para funcionar, a
redução de calorias ingeridas dever variar entre 20% e 60%, de acordo com as
pesquisas. "Não é o jejum, é a diminuição prolongada de consumo de
nutrientes. A autofagia é aumentada", explica Luciana Gomes. A redução
ocorreria principalmente no consumo de carboidratos e proteínas.
QMUL
Contudo, se a privação de nutrientes for muito longa, os
efeitos passam a ser negativos. Nesse caso, a célula poderia começar a degradar
componentes bons, que funcionam. O ideal seria conseguir estimular a faxina
interna em tempo certo, sem excessos. Para isso, os cientistas pesquisam
qual seria o tempo de jejum e o nível de redução calórica que garantiriam os
efeitos benéficos sem causar prejuízos.
Smaili diz que há estudos feitos em humanos que mostram que
o jejum, se bem conduzido e monitorado, traz benefícios a longo prazo.
"Não é um jejum prolongado. É de 12 e no máximo 24 horas. E pode ser
específico, de alguns nutrientes, como carboidratos e proteínas", afirma.
Durante o jejum, seria importante manter o consumo de água e
de sais, para não provocar aumento da pressão arterial ou desidratação. Um soro
pode cumprir essa função. E o jejum só poderia ser feito por pessoas saudáveis.
Adnan Abidi/Reuters
Em algumas culturas, o jejum periódico é tradicional, como o
Ramadã para os muçulmanos
Fazer jejum ou reduzir alimentação, o que você prefere?
Para garantir o aumento da expectativa de vida a longo
prazo, o jejum precisaria ser feito de forma periódica. "Não adianta fazer
um hoje e outro no ano que vem", diz a farmacóloga da Unifesp.
Já a redução calórica precisaria ser permanente para
produzir efeitos. "Como é difícil ter essa disciplina, surgiu a busca para
confirmar se jejum intermitente conseguiria levar aos mesmos efeitos",
complementa a biomédica da USP.
As pesquisas existentes ainda não possuem resultados que
permitam traçar uma indicação de frequência do jejum. Quanto à restrição
calórica, Gomes explica que em testes com animais os melhores resultados
ocorreram entre os que foram mantidos em restrição calórica desde o nascimento.
O aumento da expectativa de vida chegaria, nesses casos, a 30%.
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