Solenidade de Jesus
Cristo, Rei do universo - 20/11/2016
Anúncio do Evangelho (Lc 23,35-43)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós!
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Lucas.
— Glória a vós, Senhor!
Naquele tempo, os chefes zombavam de Jesus dizendo: “A
outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o
Escolhido!”
Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se,
ofereciam-lhe vinagre, e diziam: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti
mesmo!”
Acima dele havia um letreiro: “Este é o Rei dos Judeus”.
Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: “Tu
não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!”
Mas o outro o repreendeu, dizendo: “Nem sequer temes a Deus,
tu que sofres a mesma condenação?Para nós, é justo, porque estamos recebendo o
que merecemos; mas ele não fez nada de mal”. E acrescentou: “Jesus,
lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. Jesus lhe respondeu:
“Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Paulo
Ricardo:
Cruz: Mistério do “amor em excesso” de Deus
“Acima d’Ele havia um letreiro: ‘Este é o Rei dos
judeus’” (Lc 23,38)
Pode nos causar espanto o fato da liturgia escolher, para a
festa de Cristo Rei, a cena da morte de Jesus na Cruz. Para Lucas, o Reino de
Jesus é essencialmente o Reino da reconciliação do ser humano com Deus. Em
outras palavras, a reconciliação tem como centro a Cruz, ato supremo de amor e
expressão visível da Misericórdia de Deus. Podemos, então, afirmar que a “A
CRUZ é o lugar por excelência da revelação visível da Misericórdia de Deus”.
No mistério da Paixão do Filho se manifestou radicalmente a
Misericórdia do Pai. Na Paixão encontramos a Misericórdia de um Deus que desceu
e chegou até o extremo da fragilidade para manifestar a força reconstrutora de
seu Amor. Se Deus “sofre”, é por seu excesso de Amor, desde o princípio.
A Cruz de Jesus expressa de maneira penetrante o Amor
Misericordioso do Pai. Ela é revelação do Amor levado até às últimas
consequências. Ela nos fala daquilo que Deus sente por nós. “Deus é capaz
de sofrer porque é capaz de amar. Sua essência é a MISERICÓRDIA” (Moltmann). A
Misericórdia torna o próprio Deus vulnerável e passível de um sofrimento livre,
ativo, fecundo. Se Deus fosse impassível (incapaz de sofrer) seria também
incapaz de amar.
De fato, o mistério do “amor em excesso” de Deus, revelado
no silêncio junto ao sofrimento inocente, chama-se misericórdia compassiva. Só
o amor é capaz desse sofrimento compassivo. Porque é Amor puro, Deus usa de
paciência, de presença silenciosa, de misericórdia ativa e, assim, salva de
forma compassiva toda criatura em seu seio regenerador. Só Ele é capaz de
assumir para si o sofrimento e a fragilidade humana, abrindo um novo horizonte
de vida.
No N.T., o mistério da Misericórdia do Pai atravessa toda a
experiência de Jesus, de sua missão, mas também de sua própria paixão e de sua
Páscoa. No sofrimento e morte do Filho há a dor de dilaceração, fragilidade e
silêncio do Deus Pai/Mãe, como em dores de parto por uma criação que ainda
precisa da compaixão e da misericórdia maternal do Criador. Se o Criador sofre
em dores de parto por sua criação, nosso sofrimento está em suas mãos, em seu
seio. É a maternidade divina regeneradora de sofrimentos.
Sem a Cruz seria muito difícil convencer o ser humano do
amor misericordioso de Deus, e mais ainda de seu apaixonado interesse por nos
salvar. Mas, a partir dela, será sempre possível dizer ao ser humano que a Cruz
de Jesus tem um sentido, e que a última palavra é “salvação”.
No Jesus crucificado se encontram e se reconhecem todos os
sofredores inocentes e crucificados da história; n’Ele se condensam todos os
gritos da humanidade sofrida e excluída.A “kénosis” de Jesus nos ensina,
portanto, a encontrar Deus nos lugares onde a vida se acha bloqueada.
Deus “desceu” às zonas mais escuras da humanidade –
sofrimentos, fracassos, amarguras, pecados... – para sentir como Seu nosso
sofrimento e ali falar ao nosso coração. No silêncio, Deus não apenas se
solidariza, mas sofre “em sua pele”, identificado com os sofredores, aqueles
que sobram...
A primeira coisa que descobrimos ao contemplar o Crucificado
do Gólgota, torturado injustamente até à morte pelo poder político-religioso, é
a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o fanatismo da mentira.
Precisamente aí, nessa vítima inocente, nós seguidores de Jesus, vemos o Deus
identificado com todas as vítimas de todos os tempos. Está na Cruz do Calvário
e está em todas as cruzes onde sofrem e morrem os mais inocentes.
Jesus foi condenado como herege e subversivo, por elevar a
voz contra os abusos do templo e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores,
por ser amigo dos últimos, de todos os caídos. “Jesus morreu de vida”: de
bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de
liberdade arriscada, de proximidade curadora... “Morreu de vida”: isso foi a
Cruz, e isso é a Páscoa. E é por isso que tem sentido recordar Jesus, olhando
as chagas de seu corpo e as pegadas de sua vida.
O Crucificado nos revela que não existe, nem existirá nunca
um Deus frio, insensível e indiferente, mas um Deus que padece conosco, sofre
nossos sofrimentos e morre nossa morte. A partir da Cruz, Deus não responde o
mal com o mal; Ele não é o Deus justiceiro, ressentido e vingativo, pois
prefere ser vítima de suas criaturas antes que verdugo. Despojado de todo poder
dominador, de toda beleza estética, de todo êxito político e de toda auréola
religiosa, Deus se revela a nós, no mais puro e insondável de seu mistério,
como amor misericordioso.
Nós cristãos contemplamos o Crucificado para não esquecer
nunca o “amor louco” de Deus para com a humanidade e para manter sempre viva a
memória de todos os crucificados da história. Mais uma vez, no alto da Cruz, a
Misericórdia visível em Jesus revela-se expansiva, envolvente e salvífica.
Lucas, no evangelho de hoje, destaca diferentes reações das
diferentes pessoas que estavam junto à Cruz. Elas representam toda a humanidade
frente à Misericórdia solidária de Jesus. Por um lado, estão aquelas pessoas
que não viram no rosto de Jesus o olhar misericordioso do Pai; parece não terem
entendido a proposta de vida de Jesus. Por isso zombam, desprezam, pedem
sinais...
Mas, por outro lado, do meio das zombarias e escárnios,
alguém, tocado pelo silêncio e inocência de Jesus, deixa escapar uma surpreendente
súplica: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. Não se
trata de um discípulo nem um seguidor de Jesus, mas um dos ladrões crucificados
junto a Ele. Ele só pede que Jesus não se esqueça dele. E Jesus responde
prontamente: “Ainda hoje estarás comigo no paraíso”. Revela-se impactante que,
dos lábios de homem derrotado e moribundo, brote uma palavra de vida,
acompanhada de uma certeza que a torna eterna, em um presente sempre atual:
“hoje”.
Esta cena nos indica até onde pode chegar a Misericórdia: do
meio da morte ela se revela, mais uma vez, geradora de vida, e vida eterna.
Agora, na Cruz, estão os dois unidos no suplício e na impotência, mas Jesus,
com sua presença misericordiosa, o acolhe como companheiro inseparável.
Morrerão crucificados, mas entrarão juntos no mistério de Deus.
Estamos encerrando o “Jubileu extraordinário da
Misericórdia”; e a vivência da Misericórdia é a que impulsiona a Igreja para
fora de si mesma, para as margens, onde acontece o sofrimento humano. Uma Igreja
configurada pelo “Princípio Misericórdia” tem força e coragem para denunciar os
geradores de sofrimento e morte, para desmascarar a mentira daqueles que
oprimem, para animar e despertar a esperança daqueles que são as vítimas.
Quando isso ocorre, a Igreja é ameaçada, atacada e
perseguida; mas isso mostra que ela se deixou conduzir pelo “Princípio
Misericórdia”. A ausência de tais ameaças, ataques e perseguições significa,
por sua vez, que a Igreja não está sendo fiel a esta misericórdia reconstrutora
que se fez visível na Paixão e Cruz de Jesus Cristo. Se ela leva a sério a
misericórdia e deixa transparecer no seu modo de se fazer presente no mundo,
então ela se torna conflitiva.
Diante do supremo indicador do amor misericordioso de Jesus
e do amor do Pai, abre-se para a Igreja uma inesgotável inspiração e uma
referência única para ser, também ela, presença misericordiosa.
Texto bíblico: Lc 23,35-43
Na oração: recordar momentos significativos vividos neste
Jubileu de Misericórdia que ora se encerra.
Mas a Misericórdia não se restringe a um jubileu, não é um
evento; ela é habito de vida, pois é a marca distintiva de todo seguidor de
Jesus: “Sede misericordiosos como o Pai”.
- Como deixar transparecer a Misericórdia do Deus Pai/Mãe no
cotidiano de sua vida?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Itaici-SP
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