Babilônia: entre Beiru e Engomadeira
fora mocambo de guerreiros ancestrais
Esse trecho de Apocalipse – 18.16:19 “Ai! Ai! da grande
cidade,… porque, em uma só hora, foi devastada!” – falando da destruição
da Babilônia, dá conta de muito que vou descrever aqui. Visto que num só dia
(19/07/2016) um jovem foi morto, uma criança de 2 anos e uma mulher foi baleada
por ações impetradas pelo estado sanguinolento da Bahia, cuja cor negra a vestir
a pele tem que ser também tingida com o sangue da morte, é a lógica macabra do
genocídio e foi isso que ocorreu na Babilônia, um local que se encontra entre
os bairros Engomadeira, Beiru/Tancredo Neves e Estrada das Barreiras, no miolo
cidade do Salvador, o Cabula.
O local está onde hoje é um vale preenchido de casas com
telhas de Eternit, lajes e blocos nus. No passado, segundo relato de um amigo
morador da comunidade: ele ouviu de um mais velho que a região era habitada por
uns homens e mulheres negras que não se misturavam e eram descendentes diretos
de Beiru, homem nigeriano que veio escravizado na primeira metade do século XIX
para Salvador e conseguiu a liberdade e terras. Eles viviam da agricultura,
além da caça, pesca e da colheita de frutas, visto a imensidade de árvores
frutíferas que existiam na região, além do rio que hoje é esgoto e divide o
bairro Beiru e Engomadeira.
Óbvio que reconstruímos isso tudo através dos fios tênues da
oralidade, os quais vão chegando no ouvido e vamos tentando transfigurar em
escrita, pois como nos diz Hampatê Bâ, pensamento e fala não se contradizem,
tem que ser um fato verdadeiro e documental. Assim vamos como bibliotecas
vivas transpassando saberes, tradições e histórias através das gerações.
A violência que atinge os moradores da região não fora
porque desafiaram algum deus construindo o zigurate de Babel para alcançarem o
céu, ela existe porque desde a escravização à favelização atual, ela fora a
pedra de toque, o escopo de uma (como fala Achille Mbembe) necropolítica secular.
E o movimento que se arvora paralelo na comunidade não se
reveste em ações para colocá-la como sujeita da construção de um novo porvir;
ver-se imbuída, ou é arquitetada pelas próprias frechas assassinas do estado a
nos criminalizar e fazer da gente corpos matáveis.
Sei que o espírito transformador ainda existe, está lá desde
os primeiros habitantes quilombolas, ainda estamos em busca de um método,
buscando o jeito para fazer com que toda a nossa potencialidade ganhe grande
proporções, nos una como um povo para além da primeira ação de revolta à
violência, que o principio dos ônibus atravessados na rua de descontentamento
possa se tornar algo poderoso e transformador.
Davi Nunes, graduado em Letras Vernáculas pela Universidade
do Estado da Bahia, é poeta e contista.
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