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segunda-feira, 24 de junho de 2024

 Tempo de São João 

  Cyro de Mattos  

 


Meu pai tinha renda modesta. Havia acabado de adquirir uma avenida de casas populares, lá no último quarteirão da Rua do Quartel Velho. Segundo ele, a avenida era constituída de trinta casinhas, cada uma delas possuindo uma sala, um quarto, cozinha e banheiro. As casinhas estavam alugadas a sapateiro, lavadeira, mecânico, cozinheira, vendedor ambulante e outras pessoas de baixa renda na sua profissão. 

O dinheiro que meu pai passou a ganhar com as casinhas alugadas da avenida veio aumentar razoavelmente a sua renda, que  provinha até então do que ele vendia em seu quiosque num dos bairros da cidade: bebida, cigarro, charuto, manteiga e balas de jenipapo, que minha mãe fazia. 

Minha mãe era costureira e bordadeira de mão cheia. Costurava e bordava enxoval de noiva que fosse filha de família rica. Era também uma doceira fina. Dava ao meu pai não só o dinheiro que ganhava com os doces que fazia  mas também o que recebia com os enxovais que costurava e bordava para as noivas. Ajudava assim a meu pai nas despesas diárias que ele tinha para sustentar a família. 

Meu pai chegava lá em casa de cara fechada. Só pensava em ficar rico. Sofria muito para sustentar a família.  

Um dia, escutei ele dizer à minha mãe: 

- Ser pobre e a pior desgraça da vida. É comer mal, vestir mal, dormir mal, não ter casa para morar nem dinheiro para comprar remédio quando a pessoa fica doente. 

- O que é isso, homem de Deus – disse minha mãe. – Temos vida humilde, mas nunca passamos privações com muita gente nesta vida. 

Ora essa! Nada disso que meu pai dizia sobre o pobre interessava-me. O que me importava mesmo era ter um amigo para brincar, fosse pobre ou rico, branco ou preto, gordo ou magro. 

Estou contando essas coisas agora de meu pai para que saibam de que não adiantava esperar por ele, achando que naquele ano ia comprar fogos para eu soltar no São João. Ele estava sempre dizendo que comprar fogos para soltar no São João era mesmo que queimar dinheiro num abrir e fechar de olho. 

Não queria ficar olhando os outros meninos soltando fogos no São João, lá em nossa rua ou em qualquer canto da cidade. Por isso mesmo teria que arranjar uma maneira de ganhar algum dinheiro para comprar os fogos de São João. 

Pensei em vender revistas e jornais velhos aos donos de armazém na Rua da Lama. Sabia que jornal velho servia para enrolar certas coisas que os donos de armazém vendiam. Tinha observado um dia seu Júlio Sergipano enrolando sabão no balcão do armazém com uma folha de jornal velho. Pensei também em vender garrafas ao dono de uma pequena fábrica de vinagre perto da nossa casa. 

Ia de casa em casa, procurando por revistas e jornais velhos, garrafas grandes e pequenas. Dona Creusa, a mulher de Seu Miranda, o funcionário do banco, era quem mais me dava revistas e jornais velhos.  Dona Jô, a esposa do dono da casa de ferragens, uma mulher gorda, de pernas arqueadas, era quem mais tinha garrafas arrumadas em caixotes.  Às vezes chegava a encher um saco grande com tanta garrafa que ela me dava. 

Com o dinheiro que ganhava, vendendo garrafa, revistas e jornais velhos, ia comprando os fogos para soltar no São João. Guardava-os numa caixa de sapato, que escondia debaixo da cama para que meu pai não os descobrisse.  Se ele descobrisse que eu estava comprando fogos para soltar no São João, certamente ia argumentar zangado: “Do menino se faz o homem, tenha juízo. Guarde seu dinheiro para usar com as coisas sérias e não para queimá-lo com fogos no São João. É uma grande besteira o que você quer fazer, muitas vezes já lhe disse isso”.  

Esperava meu pai dormir no quarto ao lado e, quando percebia que ele estava ferrado no sono, apanhava debaixo da cama a caixa de sapato com os fogos que vinha juntando para soltar no São João. Ficava examinando pacientemente os fogos que tinha comprado com dificuldade. Passava e repassava-os diante de meus olhos deslumbrados, mesmo sabendo que ainda eram poucos: chuva de prata, chuva de ouro, cobrinha, estrelinha, fósforo de cor, traques de menino e vulcão. 

Os dias demoravam de passar até chegar o mês de São João, embora desejasse que voassem o mais rápido possível. De vez em quando ia olhar na folhinha quantos dias faltavam para chegar o São João. Fazia as contas e via que faltavam quase três meses para a chegada da festa do santo que tinha um carneirinho, como uma vez tinha visto a imagem num quadro emoldurado, pendurado na parede da Vidraçaria Santo Antonio, numa das esquinas da rua do comércio.  

Quando percebi no mês de maio que não estava mais conseguindo garrafas para vender, nem revistas e jornais velhos, eu tive então aquela ideia de vender minhas revistas em quadrinhos, além dos dois álbuns de figurinhas, um com os jogadores de futebol dos times do Rio e o outro com os artistas do cinema americano. 

Não seria difícil vender meus álbuns de figurinhas entre os meninos lá da rua. Tanto o álbum de jogadores de futebol como o de artistas de cinema eram cobiçados por muitos meninos da cidade. Ambos estavam completos,  

  tinha conseguido preenchê-los com todas as figurinhas de jogador de futebol ou de artista americano. Mas as revistas em quadrinhos? Tinha minhas dúvidas se ia conseguir vender algumas delas, qualquer menino lá da rua já havia lido todas elas. 

Depois de resistir uns dias, vendi os dois álbuns de figurinhas ao filho do juiz por um bom preço. E, sem esperança, fui vender depois minhas revistas em quadrinhos no passeio do Cine Itabuna. Para a minha satisfação, vendi todas elas nos quatro domingos do mês de maio. Espalhados no passeio do cinema, sempre vendia meus gibis e guris velhos aos outros meninos antes de começar a primeira sessão da matinê. 

Tive então um susto esplêndido quando chegou o mês de junho e percebi que possuía agora seis caixas de sapato cheias de fogos, podendo naquele ano de inverno frio soltá-los não só nos dias de São João mas também no São Pedro. 

Enquanto fui menino nunca deixei de soltar fogos nas festas de São João e São Pedro. Sempre dava um jeito para arranjar o dinheiro para comprar os fogos. Soltava-os e queria soltar mais. Nunca estava satisfeito. Lá pras nove horas da noite, lembrava de ir com a turma de amigos soltar balõezinhos na beira do rio. Era uma sensação de vitória fascinante no exato momento em   que acendíamos o balão e víamos o vento levá-lo vagaroso acima do rio. Tínhamos certeza que os balõezinhos que subiam, às vezes oscilando, conquistavam as estrelas e a lua, lá no alto do céu. 

Ah, aquelas noites de junho, o coração tanto queria. Crepitavam dentro de mim antes que chegassem com as fogueiras acesas nas ruas. Pipocavam com bombas e foguetes. Esbanjavam-se com licor e canjica. 

 

CYRO DE MATTOS é escritor e poeta. Editado no exterior. Membro da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz -Uesc.

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sexta-feira, 21 de junho de 2024

Meu São João

 Cyro de Mattos

 


          Os preparativos dos comes e bebes começam cedo. O porco abatido pelo vaqueiro é esfolado com água quente, depois cortado em pedaços que vão ser assados no forno. As vísceras são aproveitadas para quem gosta de sarapatel. A carne bovina do churrasco nunca falta. Mulheres descascam espigas de milho verde, São João sem canjica e licor não rima. A mulher do dono da fazenda faz como sempre vários tipos de licor para a festa. De leite, carambola, pitanga, laranja, tangerina, banana, cacau, tamarindo, jabuticaba e o imbatível jenipapo. O dono da fazenda manda armar uma fogueira grande no pasto, perto da casa-sede. De uns dois metros, para ser queimada a noite toda, as fagulhas constantes subindo para o alto. Ele acha que fogueira grande aquece mais os corações na animação da festa.

           Folhas de palmeira são colocadas nos mourões de cada cancela e nos postes da rede de energia elétrica. Os filhos do dono da fazenda enfeitam com bandeirolas o alpendre e o salão de dança. Dessa vez as bandeirolas têm as cores verde e amarela, é dia de jogo pela Copa do Mundo de Futebol. O Brasil vai enfrentar a Argentina. Se vencer o jogo, vai dar um grande passo para ir até a partida final e, com a ajuda dos deuses, poderá se sagrar mais uma vez campeão mundial de futebol. Ao anoitecer, tudo já está pronto para a festa. A mesa grande arrumada com os pratos de canjica, bolo de aipim, de batata-doce, de milho verde e fubá; cocada de cacau, de coco, pamonha, amendoim cozido; doce de leite, arroz-doce, pipoca, balas de banana e jenipapo com açúcar e outras iguarias para a gente grande e a meninada.

          Dois caldeirões com milho cozido são colocados em cima da mesinha. Nos cantos da sala, grandes cestas estão cheias com espigas de milho verde, laranja e tangerina. O aparelho de som vem tocando apenas música de forró o dia todo. O dono da fazenda faz questão que Luiz Gonzaga seja o mais tocado na festa. Há anos que o rei do baião fixou morada no coração do menino, acompanhou o moço através daquela fala ritmada que diz do mundo feito de gente simples com seus casos de amor, alegria e tristeza. Ressoa no íntimo do homem idoso uma voz candente, que entoa a sina cumprida pela gente nordestina, caminhando no esforço dos anos pela amplidão da terra rachada pelo sol. Sem a voz inconfundível e a sanfona generosa de Luiz Gonzaga, que embala a festa com o tradicional baião, e ainda xaxado, xote e xamego, o São João não tem graça para o dono da fazenda.

         Faróis acesos de uma camionete na estrada anunciam que já vêm chegando os primeiros convidados. Antes de a camioneta passar a última cancela, os convidados são saudados com foguetes que riscam o céu e estouram na noite fria de inverno. Os compadres estão acabando de chegar com os filhos, abraços e beijos no alpendre misturam-se com vivas a São João. Daí a pouco instante vêm chegando em outros carros parentes, amigos do dono da fazenda e da sua mulher. A noite fica barulhenta, os mais jovens vão para o salão de dança onde a festa está sendo puxada pelo som quente do Trio Nordestino.

           Lá fora no pasto, a fogueira está queimando em homenagem ao santo, o forró então começa para valer, é visível nos rostos que todos estão de bem com a vida. Esta é uma festa que os trabalhadores também vêm participar com o dono da fazenda e os convidados. A noite do inverno vira embalo de alma sanfoneira, sonora água ardente e licor caprichado que se bebe com satisfação. É arrasta-pé da moçada, quadrilha improvisada, calor de vozes por entre gaiatices e sorrisos. Move-se com cantiga, requebros de cintura e passos nos corpos suados. A ordem do dono da fazenda é para ninguém parar de dançar enquanto houver música de forró escorrendo no salão.

          Aquecida no embalo da festa, a noite vai passando acesa de balão, riscada por foguete que lá no alto pipoca doze tiros nas descargas estrepitosas. Fere os tímpanos com pipocos de Adrianino, bomba, faz chover ouro e prata. Desenha flores e lágrimas com fogos de artifício. A noite vai sendo coberta de fumaça no terreiro, puxando pela cauda a madrugada, que chega em tons cinzentos sem que ninguém perceba. É quando os convidados começam a deixar a festa. Há promessa do dono da fazenda de que para o ano vai ter mais, será ainda melhor, não esqueçam.

          Afinal são décadas que essa alegria em homenagem ao santo vem se repetindo na fazenda São Bernardo, em Ferradas. É a festa que mais o dono da fazenda gosta. Quando era pequeno, ele vinha de ônibus até a vila de Ferradas. De lá até a fazenda vinha a pé, trilhando por um acesso estreito, atravessando roças vizinhas, para participar da festa em homenagem ao santo na fazenda iluminada a gás de lampião.

          Restam agora da fogueira poucos paus que ainda queimam, o resto é cinza e nada mais. Na casa-sede com janelas e portas fechadas, a mulher e os filhos estão ferrados no sono. O silêncio da manhã é quebrado de vez em quando pelo pipoco de alguma bomba que vem lá do vizinho. O dono da fazenda segue com o rosto de sono na direção do curral para ver a tirada do leite. Hoje, no dia do santo, o vaqueiro está tirando o leite no curral com as vacas ouvindo música de São João pelo rádio. O dono da fazenda fica contente com isso.

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Cyro de Mattos é ficcionista, poeta e ensaísta

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segunda-feira, 10 de junho de 2024

Santa Casa de Misericórdia de Itabuna

Cyro de Mattos






 

A Santa Casa de Misericórdia de Itabuna nasceu quando a cidade ainda tropeçava nas pernas, estava prestes a completar seu sexto ano de emancipação política, com a finalidade de atender às precárias e muitas necessidades da população no setor da saúde, em especial para prestar atendimento às pessoas carentes. Veio acompanhada da expectante esperança para proteger a vida na experiência do cuidar.

 

Naqueles idos de 1900, a cidade estava em plena expansão econômica e social decorrente de sua pujante economia com bases na lavra cacaueira, que começava a se impor como uma auspiciosa fonte de divisas para a Bahia.  Itabuna, que no início havia sido um burgo de penetração, na época da conquista da terra, com o seu povo vocacionado para o trabalho necessitava de uma casa hospitalar digna. As precárias condições de saneamento favoreciam a eclosão de epidemias e a manutenção de endemias, que ensejavam altas taxas de doenças e mortalidade nos dias e anos.

 

Em boa e abençoada hora, na noite de 4 de julho de 1916, na residência do Monsenhor Moysés Gonçalves do Couto, reuniram-se trinta senhores da comunidade com o objetivo de fundar a Santa Casa de Misericórdia, que a princípio se incumbiria de criar um hospital e um cemitério, paralelamente à sua atuação se prestaria em atender às obras de caridade.

 

Segundo pesquisadores locais, em 28 de janeiro de 1917, tomam posse nessa humanitária instituição os que foram eleitos para o seu corpo associativo, tendo como seu primeiro provedor o Monsenhor Moysés Gonçalves do Couto. Fixada a data de 07/09/1922 como a de seu marco inicial, nesta foi inaugurado o Hospital Santa Cruz, hoje Calixto Midlej Filho; logo após veio o Cemitério Campo Santo, em 07/09/1925, e, em 29/06/1953, era a vez do Hospital Manoel Novaes acontecer e se incorporar ao seu patrimônio. Em 1993 criou-se o Plano Próprio de Saúde, como forma de agregação de receita, e em 2009 o Hospital São Lucas.

 

Ao longo de sua saga de natureza humaníssima, a Santa Casa de Misericórdia tem sido um espaço valoroso para o exercício da Medicina, em suas diversas manifestações de sacerdócio e sacrifício.  Tornou-se com a passagem das estações um centro de atuação médica exemplar, inovadora, com profissionais e equipes competentes fez-se referência maior no ofício de salvar e curar a vida, nessa atividade em que homens e mulheres de branco não se intimidam em lutar contra a morte.

 

Médicos ilustres exerceram sua vocação no Hospital Santa Cruz e contribuíram para o desenvolvimento das ciências médicas na comunidade e Região. E, entre eles, figuram na Galeria da Experiência do Cuidar o legendário Alício Peltier de Queirós, José da Silva Pinto, Sílvio Porto, José Orlando Mattos, Amilton Gomes, João Otávio, Raimundo Freire, Pedro Bezerra, Moacir Oliveira, Júlio Brito, Antônio Menezes, Pedro Bezerra e Ana Paula Shr Barreto. Alguns deles foram alçados ao patamar de Provedor da Santa Casa de Misericórdia.

 

Os serviços prestados por essa instituição de valor inestimável são reconhecidos com prêmios e distinções por excelência, em nível estadual e nacional. Sua marca de importância ímpar consolida-se cada vez mais por meio de padrões nacionais de qualidade, com foco no ensino, inovação, pesquisa e sustentabilidade. Seus ideais são cristãos, sua ética prima pela transparência, responsabilidade social, ambiental e cultural. A galeria de profissionais competentes que vem atuando nos seus diversos setores, médicos, enfermeiros, técnicos, funcionários e outros servidores formam um corpo consistente em cuja alma aflora a força da Medicina para sustentar a vida.

 

Capítulo de rico significado na história de Itabuna, a Santa Casa de Misericórdia motivou-me a escrever um poema, que está incluído em nosso livro Cancioneiro do Cacau, uma epopeia da saga grapiúna, evocativa de seus mistérios e da caminhada do homem na selva hostil e impenetrável, rumo à construção de uma civilização com caracteres próprios, desde os tempos primitivos na infância da selva aos da vassoura de bruxa.  Transcrevo abaixo o poema:



 Santa Casa de Misericórdia

Cyro de Mattos

Era preciso um leito

que abrigasse a agonia.

Para aliviar, curar

era preciso um leito.

Monsenhor Moysés Couto

sem hesitar dizia.

A esperança plantou-se

lá no alto da colina.

Canto de um dia novo

soube a cidadezinha.

Santa Casa que aclara,

Santa Casa das dores.

No leito esse duelo

da noite contra o dia.

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Poema Santa Casa de Misericórdia, de

Cyro de Mattos, fixado em monumento,

como homenagem ao Monsenhor Moysés

 Couto.


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CYRO DE MATTOS  é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).  Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.


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domingo, 9 de junho de 2024

Renée Albagli: Uma Reitora Imensa

Cyro de Mattos



 

Baiana de Ilhéus, a professora Renée Albagli teve uma atuação ímpar quando exerceu por dois mandatos sua elevada função de Reitora da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), acompanhada pela Vice-Reitora Margarida Fahel. Ela é graduada em Biologia pela Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, com especialização na Universidade Católica de Minas Gerais e em Genética, na Unicamp. Fez especialização também em Gestão Universitária, na Universidade Estadual do Ceará, Mestrado em Gestão Universitária, na Universidade Estácio de Sá. A última etapa deste mestrado foi concluída na St. Paul University, em Chicago (EUA), e Doutorado em Educação foi terminado em 2010. Na FESPI (Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna), foi diretora acadêmica, diretora de graduação e extensão. Na UESC, foi pró-reitora de graduação e vice-reitora, e eleita reitora em 1996, tendo permanecido no cargo até janeiro de 2004, quando terminou seu segundo mandato. Foi membro e presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE).

Sua gestão profícua na UESC, nos dois mandatos, traz como marcas importantes a ampliação do corpo docente e o projeto acadêmico. Encontrou a UESC com apenas 14 doutores e 48 mestres, deixando a Universidade com 102 doutores e 253 mestres. Viabilizou essas características da Instituição através de um plano de capacitação docente arrojado, em parcerias com outras universidades brasileiras, por meio de convênios, também encaminhando os professores para mestrado e doutorado no Brasil e no exterior. Estabeleceu uma política de concursos públicos somente para mestres e doutores, para acelerar o processo de competência. Como resultado positivo da proposta, conseguiu consolidar o processo de expansão na oferta de graduação.

Em 1997, implantou o curso de Medicina Veterinária; em 1998, Ciências da Computação; em 1999 foram implantados Comunicação Social, Biologia, Física e Química; em 2000 foi criado o curso de Medicina; em 2001, Ciências Contábeis; em 2002, Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais (LEA); e no vestibular 2004 a Universidade passou a oferecer três novos cursos: Engenharia de Produção de Sistemas, Educação Física e Biomedicina. Não se pode deixar de considerar a implantação do curso de Formação de Professores para a educação infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, a Licenciatura Plena em Pedagogia. Foram duzentas vagas em Camacan, Mascote, Santa Luzia, Arataca, Pau-Brasil, Juçari e Porto Seguro. Vale ressaltar que a UESC também passou a atuar na educação à distância, com o curso de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas, participando de um esforço empreendido pelo Governo do Estado para habilitar docentes em nível universitário.

Nesse aspecto extensionista, merece destaque o Centro de documentação e Memória Regional, que agrega a pesquisa e a extensão objetivando a preservação do patrimônio regional, além de incluir projetos de arquivos públicos e implantação de museus, como O Museu da Casa Colonial, em Porto Seguro, e o Centro de Documentação e Memória da Costa do Descobrimento. Anote-se ainda o curso de LEA, que tem convênio com a universidade de La Rochelle e constitui-se numa experiência pioneira para ambas, já que o eixo de cooperação é inovador.

Com relação à Pesquisa, na sua gestão foi criada a Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado da Bahia (FAPESB), que se constitui num elemento essencial como política de pesquisa, ampliando a perspectiva de captação de recursos externos, que já se fazia através do Finep e do CNPq. Foi algo muito significativo não só para a UESC como para todo o Ensino Superior.

Nas áreas de pesquisa não se pode deixar de lembrar a de animais silvestres com financiamento da União Europeia, que serviu para a implantação do mestrado em Zoologia Aplicada. Já na Rede Genômica Brasileira foi criado o projeto Biodiesel e o de Física Médica, que serve de suporte para a implantação do Centro de Controle de Qualidade Radiológica. Este projeto tem uma ação social muito forte, trata-se de um serviço que ainda não existia na região. A UESC também passou a atuar na Biodiversidade Marinha e Turismo, mantendo um projeto do curso de mestrado em Cultura e Turismo.

A incansável Reitora Renée Albagli, auxiliada por uma equipe eficaz, durante o exercício de sua digna missão, criou a EDITUS – Editora da Universidade Estadual de Santa Cruz, que passou a integrar a Associação Brasileira de Editoras Universitárias do Brasil. A editora foi inaugurada com os livros Berro de Fogo e Outras Histórias, de Cyro de Mattos, Prêmio Nacional da Academia Pernambucana de Letras, Antônio Conselheiro, Louco?, de Flávio Simões, e Dicionareco das Roças de Cacau, de Euclides Neto. Possui um catálogo enorme, com centenas de títulos publicados em diversos gêneros. Agrega nas suas publicações livros da autoria do corpo docente e de autores regionais, renomados ou emergentes. Tornou-se há anos no Brasil uma das mais importantes no setor de assuntos universitários.

É de sua coordenação e autoria o livro Histórias e Memórias do Instituto Nossa Senhora da Piedade – 100 Anos de História -1916 – 2016, publicação da EDITUS.

Com esse trajeto de uma vida dedicada à gestão do ensino superior, faz-se visível que a Reitoria Renée Albagli é uma singularidade na História da Universidade Estadual da Bahia, daí ser reconhecida como a Eterna Reitora da UESC, essa valorosa Instituição do patrimônio do saber universitário na Bahia.

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Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).  Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.


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