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domingo, 12 de maio de 2024

 

Mãe Josefina

Cyro de Mattos


 

                A mãe era o afeto, a dedicação e os bons conselhos. Apressada recomendava: “Menino, já para dentro, que vem o vento ventoso levado, levando cisco! Menino, já para dentro!” Alertava: “Boa romaria faz quem em sua casa está em paz.” Gostava de fazer adivinhas. Sobre o sol: “O que é, o que é, o ano todo no deserto o mais quente é?” Para estimular na resposta, antes de cada adivinha, ela observava: “Responda certo como um menino esperto.” De pura carícia era a adivinha sobre uma mãe generosa. “O que é, o que é, o beijo da noite, de dia a melhor sombra é?” Para facilitar na resposta dizia que todos os dias essa pessoa acompanhava de coração o filho caçula onde ele estivesse precisando de proteção.

             A casa era pequena, mas os dias tinham sempre as mãos zelosas da mãe. Colocavam nos vasos aquelas rosas, colhidas na roseira que ela mesma plantara, e que agora como sonho enfeitado de pétalas deixavam a manhã rosada e perfumada. Esbanjavam pelos ares só ternura.

            Davam vida à máquina de costura as suas pernas ativas. Os bordados, como beleza tecida por mãos até certo ponto divinas, ganhavam admiração de quem fizesse a encomenda e fosse recebê-la quando estava pronta. Como o mundo de Deus era grandão. Os doces que a mãe fazia cativavam com açúcar.

            Uma mãe é para cem filhos, mas cem filhos não são para uma mãe, certo dia ela disse, mas só depois como homem crescido o filho saberia o sentido justo do que a mãe quis dizer com isso. Conheceria então nos dias ásperos quanta falta suas mãos faziam, pois já não mais cuidavam, não limpavam os caminhos na lei da vida para que ele estivesse seguro para fazer a travessia. Teria de ser um dia com o filho sozinho os caminhos a percorrer na jornada da vida.

           Da balaustrada no jardim gostava de olhar as nuvens acima do rio levando castelos, gente e carga. Antes que a noite chegasse, desenhavam gigantes, às vezes velhos barbudos, um deles apareceu em pé no tapete. De calção, peito nu, lá no pátio da casa, ficava vendo a passagem das nuvens no azul do céu. Como elas que voltavam naquele pedaço de céu, ele voltaria um dia para brincar com os amigos de infância quando já fosse um homem? Só havia um jeito de regressar ao passado, rindo, a mãe disse, sonhando acordado. Um homem com o menino conversando.

         - Você quer ser peixe ou ser gente? – preocupada, a mãe perguntou. - Primeiro a obrigação, depois a diversão, só anda agora com o bando de amigos nadando e pescando no rio. Finalizou séria e se dirigiu calada para a cozinha.

           A mãe alimentava com o marido a ideia de que o filho deveria estudar para se tornar um dia um homem formado, um cidadão de bem, exercendo na sociedade uma profissão importante como a de advogado, médico ou engenheiro civil.

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Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).  Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.

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