Fátima
Cyro de Mattos
Para Naumin Aizen e Stella Leonardos
Fui a Portugal pela primeira vez em 1997 para participar
como convidado do Terceiro Encontro Internacional de Poetas organizado pela
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. No saguão do aeroporto de
Lisboa vi o meu nome na tabuleta erguida pelo homem. Era o motorista que ia me
conduzir até Coimbra. Ele me disse que dois poetas tinham chegado meia hora
antes de mim. Estavam na camionete, aguardando-me.
Soube depois com o meu inglês sofrível que o poeta americano
era Próspero Saiz, aparentava uns 45 anos de idade, falava muito e ligeiro. A
pele do rosto e os cabelos compridos mostravam sinais de suas raízes indígenas.
A mulher de cabelos grisalhos e com uma voz rouca era Diana Belessi, poeta da
Argentina.
A certa altura da viagem para Coimbra, o motorista da Kombi
perguntou se não queríamos conhecer Fátima. Não hesitamos em fazer aquela
parada para conhecer o lugar onde a Virgem Maria apareceu aos três pastorinhos
no dia 13 de maio. Surpreendi-me no Santuário com o tamanho grande do local
para abrigar os peregrinos a céu aberto, no dia de louvor à Virgem santa. E não
foi difícil imaginar vozes que subiam ao céu naquele dia especial e entoavam o
cântico que falava da aparição da Senhora santa. A procissão com velas acesas
por centenas de fiéis, que vinham de países perto de Portugal e de outros
pontos longínquos.
Houve uma história de luz ali na cova da Iria. Começava com
o anjo que veio por virginal caminho de margaridas e anunciou aos três
pastorinhos a aparição breve da Virgem Maria. Ela vinha ensinar aos meninos
Lúcia,
Francisco e Jacinta orações e sacrifícios pelos pecadores.
Vinha trazer o amor de um sol sem crepúsculo para iluminar a humanidade. Houve
quem não acreditasse na Virgem Maria Aparecida porque não acreditava em Deus,
tudo aquilo não passava de maluquice dos meninos, dizia-se.
Depois de algumas aparições da Virgem Maria, os meninos
Francisco, Lúcia e Jacinta foram sequestrados por um prefeito. Se não contassem
o segredo confiado por Nossa Senhora, iam ser jogados num caldeirão de água
quente, ele ameaçou. Não revelaram o segredo na prisão. Penduraram uma medalha
de Nossa Senhora na parede e rezaram. Comoveram os presos, que também rezaram.
Foram recebidos como heróis quando retornaram para suas casas.
Naquelas aparições de Nossa Senhora houve um grande dia. Uma
multidão de setenta mil pessoas acompanhou os pastorinhos, rumo mais uma vez à
Cova da Iria onde costumavam brincar e rezar. A Vigem Maria apareceu e disse
que era Nossa Senhora do Rosário, a mãe de Deus. Os meninos pediram que ela
fizesse um milagre. E de repente todos viram o sol virar uma bola de fogo e
dançar no céu. Enquanto todos viam a bola de fogo, os três pastorinhos puderam
ver a Sagrada Família: São José, Nossa Senhora e o Menino Jesus. E também viram
aparecendo nas nuvens Nossa Senhora das Dores. E Jesus com a cruz. Abençoavam a
multidão.
Certa vez achei uma imagem de Nossa Senhora de Fátima
deixada na casa que eu tinha alugado a um médico. Pertencia à mulher dele, que
por sinal era portuguesa. Ela estava se separando do marido, tinha poucos anos
de casada com o médico. Como ela não quis mais a imagem da santa, entreguei à
minha esposa Mariza para que a colocasse no oratório.
De vez em quando rogo à Nossa Senhora de Fátima que me
ensine a escrever crônicas inspiradas no amor pela vida para que possa
enriquecer os outros com uma prosa generosa. Talvez como esta que está
terminando, mas sem deixar o cronista de revelar antes um fato que considera
importante em sua trajetória dedicada à poesia. Poucos meses depois que levei a
imagem de Nossa Senhora de Fátima para meu apartamento, chegou uma
correspondência pelo correio, na qual a Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra convidava-me para participar do Terceiro Encontro Internacional de
Poetas. Tinha grande vontade de conhecer Portugal, mas nunca me passou pela
cabeça que isso fosse acontecer um dia pelas mãos de Nossa Senhora de Fátima.
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Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e
autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da
Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).
Possui prêmios importantes.
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