Desviados da ternura
Cyro de Mattos
Dor é vida, sofremos
porque vivemos, li no poeta Jorge de Lima. A vida torna-se leve quando habitada
com amor. Há milênios que as religiões estão tentando mostrar ao ser humano que
só o amor constrói. Braço ao abraço a rota fica mais fácil. Há milênios, nós os
humanos estamos construindo a história de nossa condição com intolerâncias,
violência, egoísmo, traição, infâmia, em atestado absurdo, quase sem fim, do
quanto gostamos de cultivar o ódio, fazer uso da farsa e vaidade, escrever a
vida às avessas. Desviados da ternura, mais para urubu do que para curió. O que
sabe hoje o nosso pobre coração humano de Deus? Do enigma, da dor e do amor?
Essa lição fácil, dar alpiste aos desvalidos, injustiçados,
pássaros tristes com as penas doídas, o filho unigênito de Deus, aquele homem
de coração solidário, pleno de amor, ensinou no dia a dia. Por onde andou o seu
coração foi para dizer que Deus existe. Podemos senti-lo na flor do coração.
Basta amar o outro. A flor do coração sente-se em outros que em afeto se juntam.
O semeador de esperança, curador de enfermidades, vencedor da morte, o que
abriu as portas da esperança, o bem amado salvador da humanidade, no país dos
que elegiam a vida sustentada com os valores materiais, em que o ouro e a prata
ocupavam a primazia, disseminava que como cantiga plantada na ciranda do
deserto a morada neste planeta se faz possível com todas as mãos numa só
comunhão.
Ghandy lembra que a cada dia a natureza produz o suficiente
para nossas carências. Se cada um de nós tomasse o que lhe fosse necessário,
não haveria pobreza no mundo. Ninguém morreria de fome. O genial Charles
Chaplin fala do caminho da vida com beleza e liberdade. Lamenta que tenha
ocorrido o desvio da ternura. Ressalta que a inveja, o ciúme e a cobiça
envenenaram a alma dos homens, ergueram muralhas de ódio no mundo, fazendo-nos
marchar a passos de ganso para a miséria e horror dos morticínios.
Gostava de oferecer um abraço de bom coração a qualquer um
quando percorria a cidade, em seu rito de amar o próximo como se fosse a si
mesmo. Em linguagem simples, com amenidade de nuvem, dizia que todos nós somos
missionários. Consistia a prática em doar-se ao outro, semear o amor entre os
excluídos de uma vida digna, muitos deles sem saber a razão da fome e sede. Ele
assim prosseguia sereno, ao mesmo tempo que era o pai, o filho, o irmão.
Homem que doou a vida ao outro como a maior prova de
amor. Um libertador para os enfermos e
possuídos do mal. O que foi enviado para ser crucificado como resultado da
bondade que a todos ofertou. O que no último gemido ainda pediu ao Pai eterno
que nos perdoasse, não sabíamos o que estávamos fazendo com o Amor.
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Cyro de Mattos é ficcionista, poeta e ensaísta
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