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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

 

UMA FIGURA DE AVENTUREIRO – Carlos Pereira Filho

 


            A notícia correu de boca em boca. O tenente que foi preso, no Posto Indígena, regressou com os soldados, desarmados e humilhados. As armas ficaram em poder dos comunistas, dizia o tenente, que são muitos e se acham entrincheirados.

          Todo mundo rumou para o quartel para ver a cara avacalhada do tenente Salatiel e os seus soldados, mas o quartel estava impedido com sentinelas de armas na mão. Um murmúrio se espalhava no seio da multidão, através de comentários de todos os feitios e para todos os sabores.

            Na farmácia do Tourinho, sentado num banco, Henrique Félix contava ao farmacêutico e a Carlos Sousa o que acabava de saber: que tinha chegado uma força do Governo para seguir rumo o Posto Indígena. Havia desembarcado no cais de Ilhéus e no dia imediato se transportaria para o campo de operação. Também narrou, pedindo reservas, mais uma das do doutor Coriolano Antunes. A família do fazendeiro, que ele mandara prender como comunista, mulher e sete filhos menores havia procurado o Dr. Coriolano. A mulher se ajoelhara aos seus pés e pediu pelo amor de Deus que mandasse soltar o seu marido. Confessou eu há dias ela e os filhos não comiam nem dormiam. Tivesse paciência, fosse bom, providenciasse a liberdade do marido. Ele não havia praticado nenhum mal, nunca foi comunista, nem sabia que diabo significava comunismo.

            O Dr. Coriolano, fumando um charuto barato, com uma cara achinesada e um cabelo de pastinha caído na testa, disse à mulher, fingindo sentimento, “que não podia fazer coisa alguma, a situação estava negra, em estado de guerra, com garantias constitucionais suspensas. Tinha pedido à polícia que não maltratasse o preso, seu vizinho, seu compadre, que prezava tanto. Não havia outro jeito senão aguardar com paciência o tempo passar. E depois, com aquele movimento do Posto Indígena, as coisas pioravam, falavam até em fuzilamento.”

            Novo berreiro da mulher, dos filhos. Novo apelo. Pelo amor de Deus, salvasse o marido, daria tudo pelo sua salvação, até a roça que era o pão daquelas crianças. Ao ouvir a palavra “da roça”, o Dr. Coriolano estremeceu. A caça estava chegando para o alvo mansamente, sem suspeitar de nada.

            E quando a comadre, depois de despedir-se ia saindo, com lágrimas nos olhos, o dr. Coriolano chamou-a e disse: - Vá à cadeia, tome aqui esta carta, comunique ao seu marido que tem de vender a fazenda senão ele será condenado como comunista e fuzilado.

            A mulher foi e encontrou o marido sentado, junto a outros presos. Narrou-lhe todo o episódio e a solução que ela e ele tinham de tomar para se livrarem daquela triste situação. O marido acabrunhado concordou. O irmão havia-lhe aconselhado a mesma coisa. Somente, agora, estava compreendendo a razão da sua detenção. Vendeu a roça miseravelmente barata ao próprio dr. Coriolano, que ainda ficou com uma parte do dinheiro, para mandar o delegado rasgar o processo e que jamais entregou ao delegado.

            Esses são os bons, concluiu Henrique Félix. Esse doutor foi o cidadão mais ladrão que apareceu nestas terras. E ainda tem defeitos piores, gosta das mulheres dos outros, adianta-se com as mocinhas e fala mal de todo o mundo, ataca a honestidade de toda a gente.

            Tourinho, que até então se conservava calado, pigarreou e falou: - Esse sujeito, quando chegou nesta terra, era um morto a fome, recebia consultas de vinte cruzeiros e ainda exigia comissão nas receitas.

            Mas, reatando o fio dos acontecimentos, no dia seguinte chegou a tropa do governo. Centenas de soldados, passaram para Itapé, rumo ao Posto Paraguaçu. O ataque foi cerrado e violento. O Posto foi cercado por todos os lados e atrocidades se cometeram de toda sorte. Mortos e feridos a granel. Os chefes do movimento fugiram para Minas Gerais e a paz voltou a reinar no município.

            Dos tristes noticiários espalhados pela imprensa do País, com os devidos exageros, as responsabilidades caíram nas costas do interventor federal Juraci Magalhães e dos governantes seus auxiliares.

             O dr. Coriolano ganhou a batalha, alargou os seus domínios no Posto Paraguaçu e “comprou” a fazenda de cacau, do compadre que mandou meter na cadeia como comunista.

            E ainda ficou com o gadinho dos comunistas corridos do Colônia, seus vizinhos de fazenda.

 

(TERRAS DE ITABUNA – Cap. XXV)

Carlos Pereira Filho

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