UMA FIGURA DE AVENTUREIRO – Carlos Pereira Filho
A notícia
correu de boca em boca. O tenente que foi preso, no Posto Indígena, regressou
com os soldados, desarmados e humilhados. As armas ficaram em poder dos
comunistas, dizia o tenente, que são muitos e se acham entrincheirados.
Todo mundo
rumou para o quartel para ver a cara avacalhada do tenente Salatiel e os seus
soldados, mas o quartel estava impedido com sentinelas de armas na mão. Um
murmúrio se espalhava no seio da multidão, através de comentários de todos os
feitios e para todos os sabores.
Na
farmácia do Tourinho, sentado num banco, Henrique Félix contava ao farmacêutico
e a Carlos Sousa o que acabava de saber: que tinha chegado uma força do Governo
para seguir rumo o Posto Indígena. Havia desembarcado no cais de Ilhéus e no
dia imediato se transportaria para o campo de operação. Também narrou, pedindo
reservas, mais uma das do doutor Coriolano Antunes. A família do fazendeiro,
que ele mandara prender como comunista, mulher e sete filhos menores havia
procurado o Dr. Coriolano. A mulher se ajoelhara aos seus pés e pediu pelo amor
de Deus que mandasse soltar o seu marido. Confessou eu há dias ela e os filhos
não comiam nem dormiam. Tivesse paciência, fosse bom, providenciasse a
liberdade do marido. Ele não havia praticado nenhum mal, nunca foi comunista,
nem sabia que diabo significava comunismo.
O Dr.
Coriolano, fumando um charuto barato, com uma cara achinesada e um cabelo de
pastinha caído na testa, disse à mulher, fingindo sentimento, “que não podia
fazer coisa alguma, a situação estava negra, em estado de guerra, com garantias
constitucionais suspensas. Tinha pedido à polícia que não maltratasse o preso,
seu vizinho, seu compadre, que prezava tanto. Não havia outro jeito senão
aguardar com paciência o tempo passar. E depois, com aquele movimento do Posto
Indígena, as coisas pioravam, falavam até em fuzilamento.”
Novo
berreiro da mulher, dos filhos. Novo apelo. Pelo amor de Deus, salvasse o
marido, daria tudo pelo sua salvação, até a roça que era o pão daquelas
crianças. Ao ouvir a palavra “da roça”, o Dr. Coriolano estremeceu. A caça
estava chegando para o alvo mansamente, sem suspeitar de nada.
E quando a
comadre, depois de despedir-se ia saindo, com lágrimas nos olhos, o dr. Coriolano
chamou-a e disse: - Vá à cadeia, tome aqui esta carta, comunique ao seu marido
que tem de vender a fazenda senão ele será condenado como comunista e fuzilado.
A mulher
foi e encontrou o marido sentado, junto a outros presos. Narrou-lhe todo o
episódio e a solução que ela e ele tinham de tomar para se livrarem daquela
triste situação. O marido acabrunhado concordou. O irmão havia-lhe aconselhado
a mesma coisa. Somente, agora, estava compreendendo a razão da sua detenção.
Vendeu a roça miseravelmente barata ao próprio dr. Coriolano, que ainda ficou
com uma parte do dinheiro, para mandar o delegado rasgar o processo e que
jamais entregou ao delegado.
Esses são
os bons, concluiu Henrique Félix. Esse doutor foi o cidadão mais ladrão que
apareceu nestas terras. E ainda tem defeitos piores, gosta das mulheres dos
outros, adianta-se com as mocinhas e fala mal de todo o mundo, ataca a
honestidade de toda a gente.
Tourinho,
que até então se conservava calado, pigarreou e falou: - Esse sujeito, quando
chegou nesta terra, era um morto a fome, recebia consultas de vinte cruzeiros e
ainda exigia comissão nas receitas.
Mas,
reatando o fio dos acontecimentos, no dia seguinte chegou a tropa do governo.
Centenas de soldados, passaram para Itapé, rumo ao Posto Paraguaçu. O ataque
foi cerrado e violento. O Posto foi cercado por todos os lados e atrocidades se
cometeram de toda sorte. Mortos e feridos a granel. Os chefes do movimento
fugiram para Minas Gerais e a paz voltou a reinar no município.
Dos
tristes noticiários espalhados pela imprensa do País, com os devidos exageros,
as responsabilidades caíram nas costas do interventor federal Juraci Magalhães
e dos governantes seus auxiliares.
O dr. Coriolano
ganhou a batalha, alargou os seus domínios no Posto Paraguaçu e “comprou” a
fazenda de cacau, do compadre que mandou meter na cadeia como comunista.
E ainda
ficou com o gadinho dos comunistas corridos do Colônia, seus vizinhos de fazenda.
(TERRAS DE ITABUNA – Cap. XXV)
Carlos Pereira Filho
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