Meu tio Raimundo
Cyro
de Mattos
Meu tio
Raimundo tinha uma fazenda grande de criatório de gado. Às vezes ele pedia a
meu pai para deixar eu ir passar com ele alguns dias na sua fazenda chamada
Bela Paisagem. Lá o capim era verde e parecia que não tinha fim, se perdia nos
pastos até onde as vistas pudessem alcançar.
Meu tio era muito sorridente, mostrava que estava de bem com a vida,
apesar de não ter um filho, ele dizia que isso tia Edite não podia lhe dar. Ele
dizia que eu era o sobrinho que ele mais gostava, o filho que ele queria ter.
Gostava de
pegar na minha cabeça e ficar repetindo Mundeco, meu sobrinho esperto, corra
bem depressa, que é evem o boi brabo, maior que um boneco. Gostava de fazer
adivinha comigo. Se eu acertasse uma adivinha, ele me dava sorvete, saco de
pipoca, cocada ou um copo grande com caldo de cana. Eu escolhesse. Se eu não
acertasse, ele dizia que não tinha importância. Era uma adivinha com a reposta
difícil. Guardasse comigo, fosse apostar guloseima com os amigos para ver quem
acertava a resposta da adivinha difícil, que somente ele e eu sabíamos.
Guardei
várias adivinhas que ele me passou. Como essa: O que é, o que é? Bolota voadora, Tem um zumbido Que não para, Entrando
e saindo De uma casa Com cem portas? Ou essa outra: O que é, o que é? Tem cabeça, Não tem rosto, Fura e segura,
Marca o caminho Para a agulha Andar na costura? Olhe, se você não for um menino
esperto, não vai responder certo. Eu lhe ajudo com a resposta certa. A primeira
é abelha, a segunda só pode ser alfinete.
Meu tio
presenteou-me no aniversário com um carneirinho. Pai e mãe não aprovaram o
presente, ia dar preocupação e trabalho até que ficasse crescido. A ovelha, mãe
do carneiro, morreu de uma picada de cobra, o carneirinho ficou órfão, berrando
sem parar, de causar pena, segundo meu tio informou. Agora eu ia ter que cuidar
dele dando leite na mamadeira. Fiz a dormida dele no quintal, na casa onde
guardava meus brinquedos, como bicicleta, skate, bola de futebol, bambolê e
patim.
Quando chegava
da escola, ele ficava no quintal berrando até que eu chegasse com a mamadeira
grande de leite. Saía comigo pela rua puxado pelo cabresto. Gente adulta
parava, ficava olhando admirada o menino e seu carneiro, fazendo seu passeio
pela rua do comércio. Ao passar a mão nele para fazer agrado, os dedos pareciam
que estavam pegando em algodão. Ele tinha uma pelagem fofa. Daí eu passar a lhe
chamar de Lanzudo. Quando deixou de beber leite e começou a comer capim, que
meu pai mandava trazer na carroça, a mãe dizia que ele devia voltar para a
fazenda do tio, era melhor ele viver no meio dos outros carneiros. Lugar de
carneiro era no campo, finalizava, meu pai concordava com ela, sem
pestanejar.
De fato, isso
aconteceu, não que me conformasse com a ausência dele. Era meu bicho de estimação, com quem me
exibia com os amigos lá da rua. Cada um tinha seu bicho de estimação, cada um
achava que o seu era melhor, mais bonito e esperto do que o do outro menino.
Quando meu
tio Raimundo faleceu, meu pai ficou muito triste, minha mãe chorou bastante,
era o único irmão que ela ainda tinha. Eu, nem é bom falar do quanto chorei,
até hoje fico saudoso quando lembro dele.
Não escondo, choro porque tenho saudades de mim.
Cyro de Mattos - é escritor e poeta com prêmios literários
importantes, no Brasil e exterior. Doutor Honoris Causa da Universidade
Estadual de Santa Cruz, Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen
Clube do Brasil e Ordem do Mérito do Governo da Bahia, no grau de Comendador
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