“QUE UTILIDADE HÁ NO MEU SANGUE?”
Padre David Francisquini*
Todo homem deve lutar constantemente para sobreviver, mas
não deve fazê-lo apenas no campo natural, ou seja, para prover às suas
necessidades puramente materiais. Os evangelhos no-lo ensinam com as célebres
palavras de Cristo: “Considerai os lírios, como crescem; não fiam, nem
tecem. Contudo, digo-vos: nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu
como um deles. Se Deus, portanto, veste assim a erva que hoje está no campo e
amanhã se lança ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé! Não vos inquieteis
com o que haveis de comer ou beber; e não andeis com vãs preocupações. Porque
os homens do mundo é que se preocupam com todas essas coisas. Mas vosso Pai bem
sabe que precisais de tudo isso.” (Lc 12-27, 30).
A luta de Jesus Cristo Nosso Senhor se dá no campo puramente
espiritual. Sua morte na cruz foi para nos franquear o reino dos céus e,
através dos sacramentos da Santa Igreja, nos conceder forças no combate contra
os principais inimigos da nossa salvação, que são o demônio, o mundo e a carne.
Portanto, ao contemplarmos a cruz erguida no Monte Calvário,
devemos considerá-la como a chave que nos abriu as portas do Céu. Foi por isso
que Cristo disse a Pilatos: “O meu reino não é deste mundo, se assim
fosse os meus ministros fariam de tudo para eu não ser entregue aos judeus.
Pois bem, meu reino não é daqui” (João 18, 36).
Indagou Pilatos: “Então tu és rei? — Sim, Eu sou
rei, para isto nasci, para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da
verdade. E todo aquele que é da verdade, ouve a minha voz”. Com efeito,
Jesus Cristo está na cruz como um rei, por isso havia dito: “Quando for
elevado atrairei a mim todas as criaturas. Como Moisés elevou a serpente no
deserto, assim o filho do Homem será elevado” (João 18, 37).
É na cruz que Cristo, humilhado, chagado, agonizante, começou a reinar sobre esta Terra, comparável a um grande campo devastado. Foi aqui que Ele edificou a sua Igreja, através da qual perpetuaria os benefícios da sua Redenção.
O saudoso Dr. Plinio Corrêa de Oliveira assim descreveu Nosso Senhor na cruz: “Vossa nudez é um manto real. Vossa coroa de espinhos é um diadema sem preço. Vossas chagas são vossa púrpura. Ó Cristo Rei, como é verdadeiro considerar-vos na cruz como um rei. Mas como é certo que nenhum símbolo exprime a intensidade dessa realeza quanto a realidade histórica de vossa nudez, de vossa miséria, de vossa aparente derrota!”
Por sua vez, Santo Afonso afirma: “Não vejo outro
trono a não ser esse lenho de opróbrios; não vejo outra púrpura a não ser vossa
carne ensanguentada e dilacerada; não vejo outra coroa além desse feixe de
espinhos que tanto vos atormenta. Ah, sim, tudo vos proclama rei não de honra,
mas de amor; essa cruz, esse sangue, esses cravos e essa coroa são
incontestavelmente insígnias de amor.”
E prossegue: “Assim Jesus na sua cruz não procura
tanto a nossa compaixão quanto o nosso afeto. E, se pede compaixão, pede-a
unicamente para que ela nos induza a amá-Lo. Ele merece já por sua bondade todo
o nosso amor, mas agora procura ser amado ao menos por compaixão.”
Esta última consideração, de caráter metafísico, deve
nortear o homem em todos os momentos de sua existência, na qual se digladiam o
bem e o mal, a verdade e o erro.
A alma fiel, ainda que em torno dela grassem apenas tragédia
e desolação, destaca-se pelo bom ânimo, inspirado na fé e na promessa do
glorioso e incontestável triunfo final da Santa Igreja. Esta é uma promessa,
uma garantia d’Aquele mesmo que A instituiu e declarou que as portas do inferno
não prevalecerão contra Ela. É a inabalável certeza, da qual deve se impregnar
a alma católica em todos os dias de sua vida, não importando se aziagos ou
felizes.
Estas reflexões têm maior efeito nesta altura do ano
litúrgico, quando a Igreja de Cristo se reveste das solenidades da Paixão para
recordar o episódio doloroso em que nosso Divino Salvador verteu até a última
gota de seu Preciosíssimo Sangue a fim de romper os grilhões da escravidão do
demônio, remir os nossos pecados e nos abrir o caminho da salvação.
Meu Jesus, contemplando-Vos, pendente na cruz, com os braços
estendidos, com os vossos olhos abarcando a Terra inteira, não podemos ver
outra coisa senão um verdadeiro Rei que estende o seu reino sobre este mundo.
Desse trono divinal, ensanguentado, coberto de dores e de opróbrios, abri a
porta do Céu, redimi o gênero humano e conquistai os corações que Vos
contemplam na cruz, manifestando o vosso infinito amor.
Arrancai das trevas densas os corações! Desbaratai a
impiedade, a dureza dos corações! Purificai as mentes e a vida transviada de
tantas almas! Reinai com o vosso Preciosíssimo Sangue e a vossa Cruz! Se os
carrascos repartiram as vossas vestes, lançando sorte sobre a vossa túnica, ó
meu Jesus, reparti em nossas almas a vossa divina graça e despojai dos nossos
corações todo afeto mundano e pecaminoso.
Reinai no mundo e em nossos corações, ó preciosas chagas de
Jesus crucificado, nosso consolo e nossa vida!
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*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria –
Cardoso Moreira (RJ).
https://www.abim.inf.br/que-utilidade-ha-no-meu-sangue-2/
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