1º Domingo da Quaresma – 06/09/2022
Anúncio do Evangelho (Lc 4,1-13)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Lucas.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou
do Jordão, e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito. Ali foi tentado
pelo diabo durante quarenta dias. Não comeu nada naqueles dias e, depois disso,
sentiu fome. O diabo disse, então, a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda
que esta pedra se mude em pão”. Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Não só
de pão vive o homem’”
O diabo levou Jesus para o alto, mostrou-lhe por um instante
todos os reinos do mundo e lhe disse: “Eu te darei todo este poder e toda
a sua glória, porque tudo isto foi entregue a mim e posso dá-lo a quem
quiser. Portanto, se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso
será teu”.
Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Adorarás o Senhor teu
Deus, e só a ele servirás’”.
Depois o diabo levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a
parte mais alta do Templo e lhe disse: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui
abaixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a teu
respeito, que te guardem com cuidado!’ E mais ainda: ‘Eles te levarão nas
mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”.
Jesus, porém, respondeu: “A Escritura diz: ‘Não tentarás o
Senhor teu Deus’”.
Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para
retornar no tempo oportuno.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
http://liturgia.cancaonova.com/pb/
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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Donizete
Ferreira – Comunidade Canção Nova:
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Deserto, escola para ordenar os
afetos
Imagem: pixels.com
“Jesus, cheio
do Espírito Santo, voltou do Jordão, e, no deserto, ele era guiado pelo
Espírito” (Lc 4,1)
O primeiro domingo da Quaresma sempre apresenta o relato das
tentações de Jesus no deserto, que ajuda a desvelar o sentido de
sua missão, seu caminho, seu destino. É relevante o fato de que se vincule a
ida de Jesus ao deserto após o batismo, sendo conduzido pelo Espírito.
O deslocamento de Jesus ao deserto está em profunda sintonia
com a experiência vivida pelo povo judeu.
Foi no deserto que Israel aprendeu a descobrir e a
confiar em Deus. Longe da segurança do Egito, emergiu o que havia no fundo do
seu coração. Os profetas cantaram o tempo do deserto como tempo
das obras maravilhosas de Deus. Foi no deserto que o povo
de Israel sentiu profundamente sua pequenez e total dependência de Deus.
Não existiam caminhos prontos. Era preciso
discutir, planejar, rezar, lutar e sonhar para fortalecer a caminhada. No
fundo, o Êxodo foi um profundo tempo de discernimento coletivo, que
desembocou numa radical opção pela liberdade, porque um povo só é livre
quando pode decidir o rumo de seu caminhar:
Deserto: lugar da Aliança, escola da intimidade
com o Senhor; expressão que, mais do que um determinado lugar, indica uma
experiência forte de Deus.
Jesus, como todos os profetas, antes de assumir
sua missão, foi conduzido pelo Espírito ao deserto. Frequentemente Ele recorria
a esta experiência em meio à sua vida ativa: afastava-se para lugares
solitários, confrontava a sua missão com a Vontade do Pai.
Todos os personagens bíblicos, todos os(as) santos(as)
passaram pela experiência de deserto: peregrinação interior,
confronto com a própria vida, comunhão com o Senhor, descoberta da própria
missão...
“Eu o(a)
levarei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração” (Os. 2,16).
Segundo os evangelhos, as tentações experimentadas
por Jesus no deserto não são propriamente de ordem moral. Não se trata de uma
eleição entre o bem e o mal. São tentações que apresentam maneiras falsas de
entender e viver sua missão. O tempo do deserto foi, para Jesus, um tempo
de discernimento sobre os melhores “meios” para viver seu
messianismo. As tentações não diziam respeito ao “ser Messias” de Jesus; isto
estava claro e fora confirmado pela experiência do seu batismo: “Tu és o
meu filho amado”.
As tentações de Jesus aconteceram no campo das mediações: entre
pensar em seu próprio interesse ou deixar-se conduzir pela vontade do Pai;
entre impor seu poder como Messias ou colocar-se a serviço daqueles que mais
precisam; entre buscar a própria glória e prestígio ou manifestar a compaixão
de Deus para com aqueles que sofrem; entre evitar riscos para fugir da
perseguição ou entregar-se fielmente à sua missão, confiando somente no Pai.
De fato, os meios apresentados pelo “tentador”,
humanamente falando, são os meios mais eficazes que ninguém poderia imaginar:
possibilidade de transformar as pedras em pão, o prestígio indiscutível de quem
salta do alto do templo, sustentado pelos anjos e, para culminar, todo o mundo
a seus pés.
Quem resiste a um homem com tais meios?
Todos seriam atraídos porque, em definitiva, teria entre
suas mãos o poder total e o domínio absoluto.
Eis aqui a intuição e a genial proposta do tentador: salvar
e libertar toda a humanidade, mas mediante o poder, o prestígio e
a dominação. O tentador não pretende que Jesus se afaste de seu fim, senão
que procure atingir esse fim, usando os meios que são
exatamente o oposto da solidariedade.
Para a Liturgia, parece ser de uma evidência fundamental que
a pedagogia quaresmal devesse começar por des-velar (tirar o véu) a desordem na afetividade. No
caminho da vivência cristã, percebemos uma “aderência afetiva” (fixação
afetiva) a coisas, posses, pessoas, ideias, cargos, poder, prestígio, status,
ídolos, dependências.... que somada a outras, passa a constituir uma estrutura
de “maus afetos” (“afetos desordena-dos”), esvaziando ou atrofiando o seguimento
de Jesus
A Quaresma, nesse sentido, apresenta-se como uma pedagogia
para aprender a ordenar nossos afetos”, libertar-nos dos afetos
desordenados e assim percorrer o caminho do desejo mais
profundo: estratégia centrada em Deus, leve e cheia de graça, uma aventura...
O desejo de poder, de possuir, de ser
o centro (ego inflado) confunde nossa vida. E já não se trata mais de uma
lição moral sobre o vício ou a virtude, mas do impacto psicológico e espiritual
que se dá em nós pelo fato de nos sentirmos apegados a algo ou a alguém, com a
consequente perda de liberdade e o perigo da dependência que
esse apego causa. O apego às coisas e às pessoas impede-nos de mover com
facilidade. Perdemos o “fluxo” da vida, o impulso do movimento, a
suavidade do “deslizar pela existência”.
“Diga-me o tamanho dos seus apegos, e eu lhe direi o tamanho do
seu sofrimento”.
É necessário introduzir um princípio “ordenador” em
nossa vida, que inspire todo o nosso ser e o nosso agir, até que a “afeição” se
converta em identificação existencial com Jesus Cristo.
Esse novo objeto deve ter uma repercussão decisiva
na configuração da vida. Isto é, somos chamados a modificar profundamente o
mundo de valores, pensamentos, condutas...
É necessário, ao iniciar o percurso quaresmal, detectar
os condicionamentos afetivos (amarras) que de fato limitam a
nossa liberdade, bloqueando-nos diante da proposta de vida que Jesus nos
apresenta.
O que está em jogo no “deserto quaresmal” é chegar a conhecer-se profundamente,
encontrando a raiz do próprio ser nos afetos desordenados.
Esse conhecimento interior, profundo, é condição
indispensável para poder dispor de si, em maturidade de liberdade. Sem
ordenar os afetos o ser humano não é verdadeiramente livre. A “desordem” nos
afetos produz em sua liberdade uma essencial falsificação: faz tomar como absolutos o
que são coisas relativas.
Só ordenando os afetos a pessoa se situa diante de
Deus, reconhecendo-O como Absoluto.
Há afetos organizados negativamente por acúmulo
de “experiências negativas”. Para atingi-los, a pedagogia quaresmal
coloca “cargas afetivas opostas” (pessoa de Jesus, sua missão, o
Reino, ...)
Sabemos que não se pode suprimir (matar) os afetos; o
que se pode fazer é mudar a orientação (“ordenar”) dos afetos, ou
seja, reorientar as “aderências afetivas” de certos objetos ou
pessoas para um horizonte de sentido: amor a Jesus Cristo e a seu Reino.
Nesse sentido, nossa quaresma torna-se um “estar
com Jesus” no deserto, para, como Ele, dar a Deus o lugar central de nossa
vida.
A quaresma é um tempo em que damos maior liberdade
a Deus para agir em nós; é abrir espaço, alargar o coração para a ação de Deus.
É tempo de reconstrução de nós mesmos (conversão), de retomada da
opção fundamental por Deus e pelo seu Reino (maior serviço, mais
compaixão, mais solidariedade...).
Nossos “apegos” se assemelham às construções à
beira do rio que nos fixam num determinado lugar que nos parece confortável,
desejável e seguro. Mas, se assim agirmos, afastamo-nos da correnteza da vida e
não vai fluir em nós nem crescimento e nem progresso rumo à liberdade dos
filhos de Deus.
A experiência de deserto passa a ser “tempo e
lugar” de decisão, de orientação decisiva da vida, de enraizamento de
nossos valores, de consciência maior da nossa identidade pessoal e da nossa
missão... O mestre do deserto é o silêncio; o deserto tem
valor porque revela o silêncio, e o silêncio tem valor
porque nos revela Deus e a nós mesmos.
O deserto é o grande auditório para ouvir
Deus; “solidão” cheia de presença. Ainda que sozinhos, sentimo-nos
solidários, em comunhão com todos. O decisivo é “deixar-nos conduzir” pelo
Espírito. Aqui não há engano.
Texto bíblico: Lc 4,1-13
Na oração: Temos muitas atitudes,
posses, ideias, cargos, posições, bens... que consideramos ser
Vontade de Deus; na realidade é tudo “projeção” de nossos medos, de
nossa insegurança...
O desafio permanente é este: examinar as “coisas” que
estão ocupando por completo nossa existência e “tomando conta de nós” a ponto
de bloquear o fluxo da graça e da vida.
- Quais “tentações” estão travando
sua vida, impedindo-o de seguir a Jesus mais livremente?
- Rezar suas “pulsões desordenadas” que atrofiam sua
sintonia com Deus e sua abertura aos outros.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
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