Em Mar de
Espanha havia um velho fazendeiro, viúvo, que tinha uma filha muito tola, muito
mal-educada e, sobretudo, muito caprichosa. Chamava-se Zulmira.
Um bom
rapaz, que era empregado no comércio da localidade, achava-a bonita, e como
estivesse apaixonado por ela, não lhe descobria o menor defeito.
Perguntou-lhe uma vez se consentia que ele fosse pedi-la ao pai.
A moça
exigiu dois dias para refletir.
Vencido o
prazo, respondeu:
- Consinto,
sob uma pequena condição.
- Qual?
- Que o seu
nome seja impresso.
- Como?
- É um
capricho.
- Ah!
- Enquanto
não vir o seu nome em letra redonda, não quero que me peça.
- Mas isso é
a coisa mais fácil...
- Não tanto
como supõe. Note que não se trata da sua assinatura, mas do seu nome. É preciso
que não seja coisa sua.
Epidauro,
que assim se chamava o namorado, parecia não ter compreendido. Zulmira
acrescentou:
- Arranje-se!
E repetiu:
- É um
capricho.
Epidauro
aceitou, resignado, a singular condição, e foi para casa.
Aí chegando,
deitou-se ao comprido na cama e, contemplando as pontas dos sapatos, começou a
imaginar por que meios e modos faria publicar o seu nome.
Depois de
meia hora de cogitação, assentou em escrever uma correspondência anônima para
certo periódico da Corte, dando-lhe graciosamente notícias de Mar de Espanha.
Mas o pobre
namorado tinha que lutar com duas dificuldades: a primeira é que em Mar de
Espanha nada sucedera digno de menção; a segunda estava em como encaixar o seu
nome na correspondência.
Afinal
conseguiu encher duas tiras de papel de notícias deste jaez!
“Consta-nos
que o Revm.º Padre Fulano, vigário desta freguesia, passa para a de tal parte.”
“O Ilm.º Sr.
Dr. Beltrano, juiz de direito desta comarca, completou anteontem 43 anos de idade.
S. Sr.ª, que se acha muito bem conservado, reuniu em casa alguns amigos,”
“Tem chovido
bastante estes últimos dias” etc.
Entre essas
modestas novidades, o correspondente espontâneo, depois de vencer um pequenino
escrúpulo, escreveu:
“O nosso
amigo Epidauro Pamplona tenciona estabelecer-se por conta própria.”
Devidamente selada
e lacrada a correspondência seguiu, mas...
Mas não foi
publicada.
O pobre
rapaz resolveu tomar um expediente e o trem de ferro.
- À Corte! À
Corte! – dizia ele consigo – Ali, por fás ou por nefas, há de ser impresso o
meu nome!
E veio para
a Corte.
Da estação
central dirigiu-se imediatamente ao escritório de uma folha diária, e formulou
graves queixas contra o serviço da estrada de ferro. Rematou dizendo:
- Pode
dizer, Sr. Redator, que sou eu o informante.
- Mas quem é
o senhor? – perguntou-lhe o redator, molhando uma pena. – O seu nome?
- Epidauro
Pamplona.
O jornalista
escreveu. O queixoso teve um sorriso de esperança.
- Bem, se
for preciso, cá fica o seu nome.
Queria ver-se
livre dele; no dia seguinte, nem mesmo a queixa veio a lume.
Epidauro não
desesperou.
Outra folha
abiu uma subscrição não sei para que vítimas; publicava todos os dias a relação
dos contribuintes.
- Que bela
ocasião! – murmurou o obscuro Pamplona.
E foi levar
cinco mil réis à redação.
Com tão má
letra, porém, assinou, e tão pouco cuidado tiveram na revisão das provas, que
saiu:
Epifânio Peixoto...........................
5$000
Epidauro teve
vergonha de pedir errata e assinou mais 2$000
Saiu:
“Com a
quantia de 2$, que um cavalheiro ontem assinou, perfaz a subscrição tal a
quantia de tanto que hoje entregamos etc. Está fechada a subscrição.”
Uma reflexão
de Epidauro:
Oh! Se eu me
chamasse José da Silva! Qualquer nome igual que se publicasse, embora não fosse
o meu, poderia servi-me! Mas eu sou o único Epidauro Pamplona...
E era.
Daí, talvez,
o capricho de Zulmira.
Uma folha
caricata costumava responder às pessoas que lhe mandavam artigos declarando os
respectivos nomes no Expediente.
Epidauro mandou
uns versos, e que versos! A resposta dizia: “Sr. E.P. – Não seja tolo.”
Como último
recurso, Epidauro apoderou-se de um queijo de Minas à porta de uma venda e deitou
a fugir como quem não pretendia evitar os urbanos, que apareceram logo. O próprio
gatuno foi o primeiro a apitar.
Levaram-no para
uma estação de polícia. O oficial de serviço ficou muito admirado de que om
moço tão bem trajado furtasse um queijo, como um reles larápio.
Estudantadas...
refletiu o militar; e, voltando para o detido:
- O seu
nome?
- Epidauro
Pamplona! – bradou com triunfo o namorado de Zulmira.
O oficial
acendeu um cigarro e disse num tom paternal:
- Está bem,
está bem, Sr. Pamplona. Vejo que é um moço decente, que cedeu a alguma
rapaziada.
Ele quis
protestar.
- Eu sei o
que isso é! – atalhou o oficial. – De uma vez em que saí da súcia com uns
camaradas meus pela Rua do Ouvidor, tiramos à sorte qual de nós havia de furtar
uma lata de goiabada à porta de uma confeitaria. Já lá vão muitos anos.
E noutro
tom:
- Vá-se
embora, moço, e trate de evitar as más companhias.
- Mas...
- Descanse,
o seu nome não será publicado. Não havia réplica possível. Demais, Epidauro era
por natureza tímido.
O seu nome,
escrito entre os dos vagabundos e ratoneiros, era uma arma poderosíssima que
forjava contra os rigores de Zulmira. Dir-lhe-ia:
- Impuseste-me uma condição que bastante
me custou a cumprir. Vê o que fez de mim o teu capricho!
Quando Epidauro
saiu da estação, estava resolvido a tudo!
A matar um
homem, se preciso fosse, contanto que lhe publicassem as dezesseis letras do
nome!
Lembrou-se
de prestar exame na Instrução Pública.
O resultado
seria publicado no dia seguinte.
E, com
efeito, foi: “Houve um reprovado.”
Era ele!
Tudo falhava.
Procurou muitos
e muitos meios, o pobre Pamplona, para fazer imprimir o seu nome; mas tantas
contrariedades o acompanharam nesse desejo que jamais conseguiu realizá-lo.
Escusado é
dizer que nunca se atreveu a matar ninguém.
A última
tentativa não foi menos original.
Epidauro lia
sempre nos jornais:
“Durante a
semana finda, S. M. o Imperador foi cumprimentado pelas seguintes pessoas, etc.”
Lembrou-se
também de ir cumprimentar Sua Majestade.
- Chego ao
paço – pensou ele – dirijo-me ao imperador, e digo-lhe: - Um humilde súdito vem
cumprimentar Vossa Majestade – e saio.
Mandou fazer
casaca. Mas, no dia em que devia ir a São Cristóvão, teve febre e caiu de cama.
Voltemos a
Mar de Espanha:
Zulmira está
sentada ao pé do pai. Acaba de contar-lhe a condição que impôs a Epidauro. O velho
fazendeiro ri-se a bandeiras despregadas.
Entra um
pajem.
Traz o “Jornal do Comércio”, que tinha ido
buscar à agência de correio.
A moça
percorre a folha, e vê, afinal, publicado o nome de Epidauro Pamplona.
- Coitado! –
murmura, e passa o jornal ao velho.
- É no
obituário.
“Epidauro
Pamplona, 23 anos, solteiro, mineiro, - Febre perniciosa.”
O fazendeiro,
que é estúpido por excelência, acrescenta:
- Coitado! Foi
a primeira vez que viu publicado o seu nome.
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Artur Azevedo (Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo), jornalista e teatrólogo, nasceu em São Luís, MA, em 7 de julho de 1855, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de outubro de 1908. Figurou, ao lado do irmão Aluísio Azevedo, no grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, onde criou a cadeira nº 29, que tem como patrono Martins Pena.
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