13 de agosto de 2020
Péricles Capanema
A jornalista Mônica Bergamo divulgou na “Folha de São Paulo”
(26 de julho) “carta ao povo de Deus”, manifesto assinado por 152 bispos
(em boa parte, resignatários), que deveria ter sido dado à publicidade quatro
dias antes, a 22 de julho. Pelo que afirma a colunista, os signatários queriam,
antes de propagá-la, esperar a opinião da Comissão Permanente da CNBB, cuja
reunião para análise do texto ocorrerá proximamente. E temiam que a chamada
“ala conservadora” da CNBB impedisse sua divulgação.
Tem sólidos fundamentos o temor do choque em setores
conservadores. E não só da CNBB, em qualquer lugar, pois é traumático o
conteúdo; trata-se de lídimo libelo petista, poderia ser assumido pela Comissão
Executiva Nacional do PT.
De fato, na 2ª feira, 27 de julho, em nota a CNBB se
distanciou (pelo menos, por enquanto) da mencionada tomada de posição, dizendo
que “nada tem a ver” com ela, que é “responsabilidade dos
signatários”. Teria então havido um vazamento para impedir o engavetamento
do texto. Aqui não se trata de apoio ao governo Bolsonaro. É normal a oposição,
cumpre papel necessário, terá justificativas que devem ser ponderadas.
O chocante no caso é a assunção da linguagem e das bandeiras
da esquerda, mesmo a mais extremada, o apelo a um trabalho coordenado, cujo
êxito colocará o Brasil em situação próxima à da Venezuela ou Cuba, retrocesso
cruel para todos, em especial para os pobres.
Desde décadas, tem sido excluída a maioria silenciosa dos católicos.
Existem cerca de 500 bispos atuando no Brasil, pouco mais de
300 efetivos, pouco menos de 200 resignatários. Dos 152 subscritores, repito,
parte importante é resignatária. O fato tem sua importância. Convém recordar, o
bispo emérito não tem obrigações de pastorear diocese, está mais distante dos
fiéis e do Clero, sente-se assim mais livre para agir segundo suas preferências
ronceiras; no caso, a militância esquerdista, que por razões prudenciais
preferiria esconder quando à frente de dioceses. Ali, precisariam pelo menos
fingir levar em conta o clamor da maioria silenciosa e silenciada do povo;
recordando linguagem bíblica, não poderiam atirar uma pedra para filhos que
pedem pão, nem podem arrojar uma serpente ao escutá-los pedindo peixe.
Com efeito, observando a orfandade em que se encontra desde décadas a imensa maioria do laicato católico, excluída de forma intolerante pela opção preferencial pela esquerda levada a cabo por parte dos pastores, é normal se lembrar de passagens bíblicas atinentes. “Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor” (Ex 3, 7). “E qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, também, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente?” (Lc 11, 11). Para os aflitos, a política habitual tem sido pedras e serpentes. O manifesto em análise constitui, dói dizê-lo, mais um dos episódios lacerantes do misterioso processo de autodemolição da Igreja, em que tantas vezes o pastor espanca a ovelha indefesa, abre as portas do redil e saúda alegremente o lobo que avança.
Radicalização da exclusão. Mais um ponto a ter em vista. Os 152 signatários podem estar redondamente iludidos a respeito da real influência que seu demolidor libelo terá na opinião nacional, em especial na católica. Na prática, vai demolir pouca coisa, se tanto. O brasileiro é pacato, abomina agitações e dilacerações. E o intolerante texto as instiga. Imaginarão que sua condição de bispos da Igreja Católica dá à sua voz eco que no caso não existe? Na prática, incomodado com a ácida linguagem revolucionária, o laicato majoritariamente fechará os ouvidos à mensagem.
Outro aspecto importante. Nosso Senhor no Evangelho
ensinou: “As minhas ovelhas conhecem a minha voz” (Jo 10, 27).
O sensus fidei faz com que o católico conheça o timbre da voz do bom
pastor. Quando é estranho o timbre, dele se afasta. Em resumo, o palavrório
amazônico terá repercussão escassa. Os católicos, em geral desgostosos com o
disparatado do texto, sentir-se-ão ainda mais excluídos.
Outra maioria silenciosa.
Certamente bem mais que 152 bispos
foram sondados para darem seu apoio ao texto intoxicado por um esquerdismo
primário e descabelado. Recusaram. Temos aqui uma maioria silenciosa, um pouco
menos de 350 — destes, quantos foram sondados, não tenho como saber —, que
pelas mais variadas razões, inclusive desconhecimento, imagino, abstiveram-se.
Preferiram guardar distância do texto revolucionário. Isolaram-se assim dos 152
signatários, tangidos pelo vezo incoercível de se juntar às reinvindicações da
esquerda, mesmo as mais radicalizadas.
Em 1976, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou livro de grande repercussão “A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos bispos silenciosos”. O trabalho continha o pedido para que os então bispos silenciosos, maioria clara, tomassem a frente do palco, tirando o protagonismo quase monopolístico dos bispos de esquerda.
Agora, também, a maioria está silenciosa. Dizia ele na
ocasião: “Importa, com efeito, não ver em tal silêncio apenas a posição
cômoda de quem está longe da luta. Mas também o desapego e a retidão que evitam
obstinadamente a complacência ativa com o mal. […] Nas mãos dos silenciosos,
pôs Deus todos os meios que ainda podem remediar a situação: são eles
numerosos, dispõem de posições, de prestígio e de cargos. Atuem. Nós lhes
imploramos. Falem, ensinem, lutem”. Estamos hoje em situação parecida. Os
excluídos na Igreja, ansiando por inclusão e compreensão, hoje não pedem outra
coisaa seus pastores. Não aprofundem ainda mais as valas da exclusão.
Apelo à união da esquerda em torno de programa demolidor.
O
libelo dos 152 está na rede e na imprensa escrita. Dele extraio trechos de
maior significado. Ponto central, recusa qualquer complacência com o
governo: “É dever […] posicionar-se claramente. […] A narrativa que propõe
a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justifica a inércia
e a omissão”. Aos que não têm nenhuma complacência (os sem complacência)
com o governo, a proposta: “O momento é de unidade. […] Por isso, propomos
um amplo diálogo nacional”. A finalidade de tal frente popular salta do texto
apaixonado: “As reformas trabalhista e previdenciária mostraram-se como
armadilhas. […] É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo. […]
uma ‘economia que mata’. […] O desprezo pela educação, cultura, saúde e
diplomacia também nos estarrece. […] Demonstrações de raiva pela educação
pública. […] escolha da educação como inimiga. […] No plano econômico, o
ministro da economia […] privilegiando apenas grandes grupos […] grupos
financeiros que nada produzem. […] O governo federal demonstra rechaço pelos
mais pobres e vulneráveis. […] Este tempo não é para divisões”.
Esperemos que a CNBB recuse seu apoio a um texto favorecedor
de retrocessos e exclusões. E que, enfim, para o bem do Brasil, falem os
silenciosos do Episcopado.
http://www.abim.inf.br/de-novo-a-opcao-preferencial-pela-exclusao/
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