21 de fevereiro de 2020
Bispos da CNBB norte 1 manifestam repúdio ao projeto de lei
do presidente Jair Bolsonaro que estabelece mineração em terras indígenas
José Antonio Ureta
A tinta utilizada na Querida Amazônia – nome da
exortação pós-sinodal do Papa Francisco – ainda não havia secado e os
prelados da Regional Norte 1 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil) já publicavam, com base nela, uma nota de repúdio a um projeto de lei
do governo Bolsonaro [nota abaixo] viabilizando a exploração de
recursos minerais e a geração de energia elétrica em terras indígenas. A
referida nota foi pressurosamente noticiada pelo Vatican News, órgão
central da rede de mídia da Santa Sé. Clique
aqui para ampliar a nota de repúdio da CNBB norte 1
Os bispos citam em seu apoio o n° 14 da referida exortação,
segundo o qual as operações econômicas que danificarem a Amazônia e não
respeitarem os direitos dos povos originários deveriam ser rotuladas de
“injustiça e crime”. O condicional, assaz retórico, é da própria exortação.
Seria o Projeto de Lei 191/20 injusto e criminoso,
danificaria a Amazônia e não respeitaria os direitos dos índios?
Um católico deve avaliar o respeito à justiça – ou a
violação criminosa da mesma – primeiramente com base na doutrina social
católica e, logo depois, em função da legislação do país concernido.
O que ensina a doutrina social católica a respeito da
utilização dos recursos naturais de um país? O Compêndio da doutrina
social da Igreja, publicado pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz” no
pontificado de João Paulo II, nos fornece alguns elementos básicos.
O primeiro desses elementos é que “o bem comum empenha todos
os membros da sociedade” e “exige ser servido plenamente, não segundo visões
redutivas subordinadas às vantagens de parte que se podem tirar” (n° 167). Esse
princípio aplica-se não somente à maioria da população urbanizada, mas também
às populações que habitam em terras indígenas.
Por causa dessa validez universal, “a responsabilidade de
perseguir o bem comum compete, não só às pessoas consideradas individualmente,
mas também ao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade
política” (n° 168), para o que “o governo de cada País tem a tarefa específica
de harmonizar com justiça os diversos interesses setoriais” (n° 169). No caso
em apreço, trata-se da harmonização dos interesses nacionais com os interesses
das populações indígenas.
O segundo elemento importante a ser considerado é o
princípio da destinação universal dos bens (n° 171), que não significa “que
tudo esteja à disposição de cada um ou de todos, e nem mesmo que a mesma coisa
sirva ou pertença a cada um ou a todos” (n° 173), posto que a propriedade
privada é um elemento essencial ao desenvolvimento individual, ao bom uso dos
bens e a uma reta ordem social (n° 176). Mas a destinação universal dos bens
faz com que o direito à propriedade privada não seja considerado como um
direito absoluto e intocável, mas esteja subordinado ao bem comum (n° 177).
Também isso é válido para o direito dos índios sobre suas reservas.
Por esse motivo, há de se reconhecer que toda forma de posse
privada tem uma função social em relação “às exigências imprescindíveis do bem
comum”. Daí decorre “o dever dos proprietários de não manter ociosos os bens
possuídos e de destiná-los à atividade produtiva, confiando-os também a quem
tem desejo e capacidade de levá-los a produzir” (n° 178). Como é óbvio, esse
dever grava não somente o direito dos produtores privados na exploração das
suas propriedades, mas também o direito dos povos indígenas enquanto proprietários
das suas reservas.
O terceiro elemento a se ter em vista é o princípio de
subsidiariedade, o qual impede privar os indivíduos ou as sociedades
intermediárias daquilo que eles podem realizar por força e indústria próprias a
fim de confiá-lo à comunidade nacional (n° 186), mas que, em sentido contrário,
pode aconselhar o Estado a exercer uma função supletiva nas situações em que os
primeiros não sejam capazes de assumir autonomamente uma iniciativa necessária
ao bem comum (n° 188). É o caso, por exemplo, dos empreendimentos hidroelétricos
ou de gás, que exigem grandes investimentos.
De fato, “uma das questões prioritárias na economia é o
emprego dos recursos”, para o que cada sociedade deve “empregá-los do modo mais
racional possível, seguindo a lógica ditada pelo princípio de economia” (n°
346). Por isso, “a tarefa fundamental do Estado no âmbito econômico é a de
definir um quadro jurídico apto a regular as relações econômicas”,
salvaguardando as condições primárias de uma economia livre (n° 352).
Uma vez definido esse marco jurídico, “deve-se sempre
perseguir com constante determinação o objetivo de um justo equilíbrio entre
liberdade privada e ação pública”, o qual deve ater-se a “critérios de
equidade, racionalidade e eficiência”, tendo sempre em vista o bem comum (n°
354). O emprego racional dos recursos é uma exigência válida para todo o
território de um país, incluída a Amazônia, que não merece ser transformada
numa favela verde.
No que se refere ao respeito à natureza, a doutrina social
da Igreja também fornece alguns princípios importantes, válidos para a imensa
região em questão.
O primeiro deles é que “os resultados da ciência e da
técnica são, em si mesmos, positivos”, pelo que “o Magistério tem repetidas
vezes sublinhado que a Igreja católica não se opõe de modo algum ao progresso”
(n° 457) e suas considerações “valem também para a sua aplicação ao ambiente
natural e à agricultura” (n° 458). É o que pensa não somente a imensa maioria
da população amazônica, mas também a maioria dos índios, que não querem viver
de programas de assistência social, mas de seu próprio trabalho e engenho.
De fato, uma correta concepção do meio ambiente não pode
absolutizar a natureza a ponto de divinizá-la, “como se pode facilmente divisar
em alguns movimentos ecologistas”, razão pela qual o Magistério tem manifestado
sua oposição “e sua contrariedade a uma concepção do ambiente inspirada no
ecocentrismo e no biocentrismo” (n° 463). É precisamente essa sacralização da
Amazônia que leva as ONGs ambientalistas e os neomissionários adeptos da Teologia
da Libertação a se oporem a qualquer projeto de desenvolvimento econômico na
Amazônia.
Nada há, portanto, na doutrina social da Igreja Católica,
que se oponha em princípio a uma exploração dos recursos da Amazônia existentes
no solo das reservas indígenas, se tal exploração for requerida pelo bem comum
do País. Obviamente, a limitação dos direitos de uso e usufruto, bem como os
eventuais prejuízos que dita exploração vier a acarretar para as respectivas
populações devem ser compensados, como tem sido feito em projetos prévios em
outras áreas não indígenas.
Se não há um impedimento moral, haverá pelo menos algum
empecilho legal?
Dois artigos da Constituição Federal do Brasil justificam o
projeto de exploração introduzido pelo governo Bolsonaro no Legislativo.
O art. 176 estipula que as jazidas e demais recursos
minerais, assim como os potenciais de energia hidráulica “constituem
propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e
pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da
lavra”.
Por sua vez, o inciso 3º do art. 231 declara que o
aproveitamento dos recursos hídricos e das riquezas minerais em terras
indígenas “só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional,
ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei”.
Presidente Jair Bolsonaro com lideres indígenas
Foto: Carolina Antunes / Presidência da República
É precisamente isto que o projeto de lei 191/20 regulamenta.
A justificação do mesmo – inteiramente coerente com o ensino da doutrina social
da Igreja acima resumida – foi feita repetidas vezes pelo presidente Jair
Bolsonaro, que desde a sua posse defende o aproveitamento econômico de
territórios indígenas:
“Em Roraima há R$ 3 trilhões embaixo da terra. E o índio tem
o direito de explorar isso de forma racional, obviamente. O índio não pode
continuar sendo pobre em cima de terra rica”, declarou o mandatário em abril de
2019, com o caloroso aplauso de representantes de várias etnias que reivindicam
o direito de explorar as reservas tradicionais.
Em concordância com o princípio de justiça enunciado pela
moral social católica, o texto do Executivo garante uma indenização às
comunidades afetadas por um projeto ao verem restringido seu direito ao
usufruto dessa área de suas terras. Tal indenização deverá levar em conta o
grau de restrição imposto pelo respectivo empreendimento.
Respeitando o teor do art. 231 da Constituição, além da
justa indenização, o projeto reserva às comunidades indígenas cujas áreas sejam
utilizadas para a exploração econômica o direito de receber quantias volumosas
a título de participação nos resultados: 0,7% do valor da energia elétrica
produzida; entre 0,5% e 1% do valor da produção de petróleo ou gás natural; e
50% da compensação financeira pela exploração de recursos minerais.
Calculados per capita, esses valores serão muito altos, porquanto se sabe
que as populações das reservas indígenas são muito pouco numerosas em proporção
com o tamanho dos respectivos territórios.
Para garantir os direitos dos nativos e respeitar o
princípio de subsidiariedade, o texto prevê ainda a criação de conselhos
curadores, de natureza privada, que serão compostos por indígenas e por
responsáveis pela gestão dos recursos financeiros. Os pagamentos deverão ser
depositados pelos empreendedores privados, por meio de transferência bancária,
na conta do conselho curador. E, na distribuição desses recursos, os conselhos
curadores deverão respeitar a autonomia dos povos envolvidos, o respeito aos
seus modos tradicionais de organização e a legitimidade das associações
representativas das comunidades indígenas afetadas.
Finalmente, qualquer projeto de exploração de recursos
deverá ser antecedido por estudos técnicos acerca de sua factibilidade e caberá
ao órgão ou entidade responsável pelo estudo prévio solicitar à Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) um diálogo com as comunidades indígenas, para que
sejam respeitados usos, costumes e tradições dos povos envolvidos.
Aplicando-se o princípio segundo o qual o bem comum
prevalece sobre o bem individual e considerando que a propriedade privada não é
um direito absoluto, se dita interlocução não for possível ou a se autorização
para ingresso na terra indígena não for obtida, o estudo técnico poderá ser
elaborado com dados e elementos disponíveis.
Após a conclusão do estudo prévio, o governo federal
definirá quais áreas poderão ser exploradas. No caso de minérios, as áreas
autorizadas pelo Congresso Nacional para a realização de pesquisa e lavra serão
licitadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), mas, no caso específico da
lavra garimpeira, as comunidades indígenas concernidas terão o direito de
decidir realizá-la diretamente ou em parceria com não indígenas, o que importa
num direito de veto.
De todo o anterior se deduz que não há nenhum óbice moral ou
legal à aprovação do projeto de lei do governo brasileiro que viabiliza a
exploração de recursos minerais e a geração de energia elétrica em terras
indígenas.
O repúdio dos bispos da Regional Norte 1 ao referido
projeto, sob o pretexto de que ele danificará a Amazônia e não respeitará
os direitos dos índios, é motivado pelos preconceitos ideológicos das ONGs
ambientalistas, da moribunda Teologia da Libertação e de seu filhote, o Partido
dos Trabalhadores.
Ainda mais absurdo é o repúdio dos Senhores Bispos da região
amazônica, o qual figura na mesma declaração, às iniciativas do governo
brasileiro no sentido de dar assistência aos povos indígenas isolados, sob o
pretexto de que ditas iniciativas ameaçam “o direito de existência livre desses
povos, com seus usos, costumes, crenças e tradições”. É o isolamento a
principal ameaça à existência desses povos.
Crime seria não lhes estender a mão e recusar-lhes saúde,
educação e melhores condições de vida. Pior crime, sobretudo, seria não
procurá-los no seu isolamento para lhes fazer chegar a Boa-Nova da Redenção e a
fé em Nosso Senhor Jesus Cristo!
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário