26 de junho de 2020
João Carlos Leal da Costa
Sempre foi razão de conflito entre os homens a perpétua luta
entre o desejo de liberdade individual e as normas religiosas, que parecem
circunscrever essa liberdade. Esse conflito nasce do aparente desejo de
transformar o ser humano num joguete sem livre iniciativa, o que seria
contrário à natureza humana racional. Na aparência, o homem se transformaria
assim num boneco nas mãos de um “deus” déspota e inacessível. Mas a realidade é
bem outra, pois Deus criou o Universo como uma imagem de Si mesmo, e o homem,
síntese dessa imagem, une o espiritual e o material. Ao mesmo tempo Deus
colocou no fundo da alma humana as regras fundamentais da lógica e a noção da
diferença entre o bem e o mal.
A fundamental noção de diferença entre o bem e o mal pôde
ser comprovada cientificamente alguns anos atrás, pela doutora Karen Wynn,
especialista em psicologia infantil da Universidade de Denver, no Colorado
(EUA). Ela fez experiências com crianças de apenas três a oito meses, tentando
verificar se elas reconheciam, num puppet show (teatrinho de
bonecos), qual era o personagem bom e qual era o mau. Surpreendentemente, mais
de 80% das crianças acertaram na escolha.
A carruagem de ouro do príncipe Joseph Wenzel I de
Liechtenstein (Salão térreo do Museu Liechtenstein)
Isso confirma a teoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira,
de que todo ser humano nasce com o que ele chamou de “inocência”, isto é, uma
aptidão inata para reconhecer os reflexos de Deus na criação, e de modo
especial naquilo que o cerca: “No espírito humano as regras básicas da
lógica são subconscientes. A lógica, enquanto disciplina, apenas explicita
essas regras para o homem. Se ele não tivesse essas regras invisceradas, como
coisas conaturais a seu espírito, seria um louco”.
A “inocência” da pessoa leva-a a perceber aos poucos que o
universo é ordenado, e que essa ordem universal se coaduna com sua ordem
interna. Na Epístola aos Romanos, São Paulo ensina que as perfeições invisíveis
de Deus se tornaram visíveis após a criação do mundo, pela compreensão das
coisas criadas (cfr. Rom. 1, 20). Eis um ensinamento extremamente importante,
porque o comportamento humano reto, racional, tem que corresponder a essa ordem
universal e à sua própria ordem interna.
Uma tradição de mais de mil anos na Mongólia:
criação de
águias reais
São Tomás de Aquino explica que o homem está situado em um
nível entre o reino angélico e o reino animal, isto é, entre a esfera
espiritual e a esfera física. Em outras palavras, Deus concebeu o ser humano
como um microcosmo que contém em si, ao mesmo tempo, espiritualidade e
materialidade. Existe portanto um macrocosmo (o universo) e um microcosmo (o
homem). Macrocosmo e microcosmo são palavras de origem grega, onde macro e
micro significam grande e pequeno, respectivamente, e kósmos significa
o mundo ordenado. Não significa apenas que é ordenada a totalidade do universo,
mas também que este é ordenado com harmonia e equilíbrio.
Portanto, aproximando as palavras macrocosmo e microcosmo
entendemos que há uma semelhança de padrão, natureza ou estrutura entre os
seres humanos e o universo. Essa similitude entre o macrocosmo e o microcosmo
mostra que, para sobreviver, a sociedade humana não somente deve se reger por
certas normas pré-estabelecidas por Deus no Universo, mas que esta é a única
forma de se obter, depois do pecado original, o grau possível de felicidade
nesta vida, uma vez que o homem nasce com essas normas dentro de si.
Muitos se desencaminham por achar que a liberdade humana
está acima das normas morais que regem a ordem do Universo. Mas essa correlação
foi posta por Deus, que premia já nesta Terra, e depois no Céu, a obediência a
esses princípios.
Menino extasiado com a Coroa imperial inglesa. Feita de
ouro, platina e prata, ela é ornada com diamantes, rubis, esmeraldas, safiras,
espinélio, pérolas, veludo e arminho
No livro Revolução e Contra-Revolução, Plinio Corrêa de
Oliveira mostra que o demônio não poderia deixar as coisas como Deus as quer, e
engendrou então um processo de corrosão da sociedade estabelecida com base nos
princípios católicos. Esse processo vem, desde o final da Idade Média, tentando
evitar que se realize na sociedade o reconhecimento da correspondência entre o
macrocosmo e o microcosmo. Com isso ele procura impedir que o homem conheça e
admire o seu microcosmo, e que admire também o macrocosmo, ambos criados por
Deus. Pois se ele o faz, aproxima-se de Deus, preparando sua alma para o Céu, e
isso o demônio não quer.
Muitos aspectos da sociedade moderna encaminham os homens ao
contrário disso. Por exemplo, a mentalidade pragmática do “vale quem produz” afastou
a ideia de um Ser criador, interessado em devolver-lhes o “controle sobre si
mesmos”; e assim minguou neles a capacidade de considerar a sua existência
segundo a perspectiva do macrocosmo.
John Horvat, vice-presidente da TFP norte-americana,
escreveu sobre este assunto o livro Return to Order (Retorno à
Ordem), no qual mostra como escapar das garras dessa sociedade baseada apenas
no materialismo produtivista e na intemperança frenética do ganhar, ganhar,
ganhar, que é oposta aos altos ideais medievais.
Segundo Horvat, uma nova visão da vida se torna necessária.
Isso pode ser feito se nos voltarmos para a fonte de cultura cristã, da qual a
civilização ocidental nasceu. Nessa fonte a sociedade tem uma perspectiva
vertical. As pessoas são atraídas para cima, para um único ponto, do mesmo modo
como as linhas de uma torre de catedral medieval conduzem os olhares para cima,
para o cume da agulha onde está a Cruz.
Essa fonte acende no homem um desejo espontâneo de
plenitude, voltado ao sublime, que a sociedade bafejada pelo demônio não pode
satisfazer. O sublime consiste exatamente naquelas coisas de excelência
transcendente, que constituíram a base da civilização medieval inspirada pela
Igreja. Uma sociedade baseada no desejo do sublime será muito melhor, espiritual
e materialmente, e só numa sociedade assim se pode encontrar a solução para a
crise moderna.
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