Published on 04/05/2020
Ao ler a Constituição, cujos trabalhos
acompanhei de perto, participando de audiências públicas, oferecendo textos,
alguns aprovados pela Constituinte e, informalmente, assessorando alguns
constituintes, não consigo encontrar nenhum dispositivo que
justifique a um ministro da Suprema Corte impedir a posse de um agente do Poder
Executivo, por mera acusação de um ex-participante do governo, sem
que houvesse qualquer condenação ou processo judicial a justificar.
A simples suspeita de que foi escolhido por ser amigo do Presidente da
República e poder influenciar procedimentos administrativos levantados por um
desafeto do primeiro mandatário não justifica, constitucionalmente, a invasão
de competência de um poder em outro.
Se meras suspeitas servirem, a partir
de agora, o Poder Judiciário estará revestido de um poder político que não tem,
constitucionalmente, de dizer quem poderá ou não ser nomeado de acordo com a
visão do magistrado de plantão, mesmo que não haja qualquer condenação ou
processo judicial em relação àquele pelo Executivo escolhido.
A partir da decisão do grande constitucionalista Alexandre de Moraes, a
quem admiro, com quem tenho livros escritos, somos confrades em academias
jurídicas e participamos de bancas de doutoramento juntos, qualquer magistrado
de qualquer comarca do Brasil poderá adotar o mesmo critério e por acusações,
fundadas ou infundadas, não examinadas pelo Poder Judiciário, em processos com
o direito inviolável à ampla defesa, impedir nomeações que são de exclusiva
atribuição constitucional do chefe do executivo de qualquer município, estado
ou da própria União.
Não entro no mérito de quem tem razão (Bolsonaro ou Moro), mas no perigo
que tal decisão traz à harmonia e independência dos poderes (artigo 2º da CF),
a possibilidade de uma decisão ser desobedecida pelo Legislativo que deve zelar
por sua competência normativa (artigo 49, inciso XI) ou de ser levada a questão
— o que ninguém desejaria, mas está na Constituição — às Forças Armadas, para
que reponham a lei e a ordem, como está determinado no artigo 142 da Lei
Suprema.
A insegurança jurídica enorme que o Poder Judiciário traz sempre que
foge à sua competência técnica para ingressar na política, além de levar todo o
partido derrotado nas urnas ou nas votações do Congresso pretender suprir seu
fracasso representativo recorrendo ao Supremo Tribunal Federal para que este,
politicamente, lhe dê a vitória não obtida no exercício de sua função
eleitoral.
Não sem razão, temos visto as sessões técnicas de antigamente — quando
sustentei pela primeira vez perante o STF, em 1962 ou 63, dois dos atuais
ministros não tinham nascido — serem substituídas por seções em que muitas
divergências ministeriais são respingadas por ofensas mais pertinentes às
discussões legislativas.
Se as suspeitas do ex-ministro são verdadeiras, que haja o devido
processo legal com o DIREITO A AMPLA DEFESA, com o que, havendo comprovação,
não só a posse não pode ocorrer, mas como se deve punir o culpado, se algum
delito foi cometido.
A minha irrestrita admiração de velho professor de Direito
Constitucional ao Pretório Excelso e aos onze ministros que o integram, não
poderia, todavia, afastar a obrigação, como mero cidadão, de externar meu
desconforto em ver a Suprema Corte exercendo funções executivas e invadindo
competências alheias, que entendo não ter, e gerando insegurança jurídica e não
a estabilidade e a certeza no direito que toda a nação deseja.
Ives Gandra Martins é advogado e professor emérito da Universidade
Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior
de Guerra.
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