4 de maio de 2020
Neste dia 5 de maio celebramos este grande santo, filho de
judeus convertidos, grande pregador e um dos primeiros frades carmelitas na
Sicília, hereges o martirizaram por defender a fé católica
Plinio Maria Solimeo
Segundo a legenda áurea que cerca a vida de Santo Ângelo, um
casal de judeus de Jerusalém teve uma visão da Santíssima Virgem na qual Ela
lhes declarou que o Messias já havia chegado e que era seu Filho, exortando-os
a crer n’Ele. Tocados por essa aparição, marido e mulher se dirigiram ao
patriarca de Jerusalém, Heráclio de Cesareia, que os colocou entre os
catecúmenos; e, uma vez instruídos, ministrou-lhes o batismo com os nomes de
José e Maria.
A Palestina estava então em poder dos cruzados.
O Reino Latino de Jerusalém, criado em 1099 pela Primeira Cruzada, esteve
a cargo de Godofredo
de Bulhão, que adotou o título de Advocatus Sancti Sepulchri (Defensor
do Santo Sepulcro) em vez de rei,
alegando que nenhum homem deveria usar uma coroa onde Jesus havia sido coroado de
espinhos. Esse Reino foi extinto em 1291, quando os últimos cruzados foram
expulsos da Terra Santa.
Em 1185
falecia na Cidade Santa o heroico Balduíno IV, o Leproso, que fora rei de
Jerusalém de 1174 até
sua morte. Como diz um erudito historiador, “o reino desse infeliz jovem,
de 1174 a 1185, não foi senão uma longa agonia. Mas uma agonia a cavalo, face
ao inimigo, toda enrijecida no sentimento da dignidade real, do dever cristão e
das responsabilidades da coroa nessas horas trágicas em que o drama do rei
correspondia ao drama do reino”.1
O Monte Carmelo, berço da Ordem de Nossa Senhora do
Carmo,
marca na Palestina os confins entre a Galileia e a Samaria,
terminando
no promontório homônimo que forma o Golfo de Haifa
Educados nas ciências divinas e humanas
Nesse mesmo
ano de 1185, Maria deu à luz dois gêmeos, que receberam no batismo os nomes de
Ângelo e João. Embora seus pais tenham morrido quando os filhos eram pequenos,
eles os haviam deixado sob a tutela do Patriarca que os batizara. A sede do
patriarcado de Jerusalém era na igreja do Santo Sepulcro, na arquidiocese
criada quando a Cidade Santa passou para o poder dos cruzados, a qual possuía
quatro dioceses sufragâneas: Tiro, Cesareia, Nazaré e Petra. Quando os dois
irmãos tinham apenas dois anos, em 1187, Saladino invadiu Jerusalém e a Sé foi
transferida para Acra.
O arcebispo Heráclio, como verdadeiro homem de Deus, educou
nas ciências e na virtude os dois órfãos, como se fossem seus próprios filhos.
Ângelo e João corresponderam aos desvelos de seu tutor, mostrando desde cedo
grande propensão à virtude e extraordinários dons intelectuais. Aos 15 anos
Ângelo já falava grego, latim e hebraico.
No convento do Monte Carmelo
Quando os dois irmãos completaram 18 anos, o Patriarca,
prevendo seu fim próximo, propôs-lhes que se tornassem religiosos carmelitas, o
que eles fizeram, ingressando no convento da Ordem em Jerusalém. Desejosos,
porém, de levar uma vida ainda mais perfeita, obtiveram dos superiores licença
para se transferirem para o mosteiro do Monte Carmelo, onde se juntariam aos
eremitas que lá viviam em penitência e contemplação. Tal foi o fervor com que
ambos se entregaram à vida de santificação, que começaram a fazer muitos
milagres, como é atestado na Crônica da Ordem.
O Monte Carmelo, berço da Ordem de Nossa Senhora do Carmo,
marca na Palestina os confins entre a Galileia e a Samaria, terminando no
promontório homônimo que forma o Golfo de Haifa. A Ordem Carmelitana lá
fundada, inicialmente contemplativa, transformou-se em mendicante ao
introduzir-se no século XIII no Ocidente, segundo a regra de Santo Alberto,
Patriarca latino de Jerusalém. Esse santo ajudou muito na sua fundação em 1209,
bem como na redação de suas regras por volta de 1214.
No convento
do Monte Carmelo, os dois irmãos fizeram sua profissão nas mãos do Prior Geral,
São Brocardo, que governou os carmelitas por 52 anos e faleceu aos 80. Ele se
tornou famoso por seus milagres, ressuscitando um jovem que depois se fez monge
carmelita com o nome de Frei Jonas.
Grande taumaturgo
Aos 25 anos, Santo Ângelo foi mandado de volta a Jerusalém
para ser ordenado sacerdote. Seu irmão viria a se tornar mais tarde Patriarca
da Cidade Santa.
A legenda narra que Ângelo, em sua viagem de volta a
Jerusalém, tinha que atravessar o rio Jordão. Mas, como as chuvas haviam-no
feito transbordar, deixando muitas pessoas esperando às suas margens, o santo
convidou então umas sessenta pessoas a rezarem a Deus, pedindo que os
socorresse pelos méritos dos Santos Elias e Eliseu. Imediatamente as águas
baixaram, e todos atravessaram o rio a pé enxuto.
São
inúmeros os milagres operados pela intercessão desse santo enquanto esteve em
Jerusalém, como que participando da força taumatúrgica dos profetas Elias e
Eliseu. Entre os muitos milagres que lhe são atribuídos, podemos citar: fazer
retornar à superfície um machado caído na água; a travessia do rio Jordão a pé
enxuto, como vimos; a cura de leprosos; a ressurreição de mortos; e fazer
cair fogo do céu.
São
Domingos e São Francisco, representados no quadro, se encontraram com Santo
Ângelo na catedral de São João de Latrão.
Encontro de três santos
No século XIII viveram São Francisco de Assis e São Domingos
de Gusmão, os dois grandes santos cujas Ordens religiosas — dos Frades Menores
e dos Dominicanos — deram grande empuxe espiritual à Santa Igreja na Idade
Média. Ângelo foi enviado a Roma para pedir ao Papa Honório III (o mesmo que
confirmou a Ordem Franciscana) a aprovação da nova e definitiva Regra do
Carmelo. Entretanto, esse Pontífice só a aprovou inicialmente em 1226, sendo
ela depois confirmada por Gregório IX em abril de 1229. Pelo que é provável que
nessas datas o santo já tivesse sofrido o martírio.
Na Cidade
Eterna, aonde tinham ido para tratar da aprovação de suas Ordens, São Domingos
e São Francisco se encontraram com Santo Ângelo na catedral de São João de
Latrão. O Poverello de Assis, apontando para ele, disse ao fundador
dos dominicanos, fazendo um jogo de palavras com o nome Ângelo (anjo): “Eis
um Anjo de Jerusalém; seu nome está já inscrito no Céu, como mártir”. Dizendo
isso, avançou até ele e lançou-se a seus pés. Santo Ângelo, reconhecendo São
Francisco por inspiração divina, ergueu-o e disse-lhe: “Que felicidade
encontrar-vos, Irmão Francisco, a vós que sois um homem verdadeiramente humilde,
e que mereceis portar as marcas sagradas da nossa Redenção!”. Os três santos
então se uniram num abraço.
Combate aos hereges cátaros
Após pregar
com muito proveito em São João de Latrão, Santo Ângelo foi enviado à Sicília, a
qual estava infestada pelos hereges cátaros. Essa heresia se propagara do
Oriente para o Ocidente depois do ano 1000. Era uma seita gnóstica que concebia
uma luta entre dois princípios antagônicos — o do bem e o do mal —, afirmando
que o mundo procedia do mal. Por isso condenava radicalmente tudo quanto é
carnal e terreno, o que levava muitos de seus mais fanáticos a morrerem de
fome. Eram contra o matrimônio, razão pela qual os “perfeitos” se abstinham das
práticas sexuais a ele inerentes, mas aprovavam as uniões livres. Negavam a
ressurreição da carne, eram vegetarianos e condenavam a propriedade privada.
Essa total rejeição do mundo, enquanto origem de todo o mal, não deixava lugar
para a Redenção e a caridade.
Essa seita herética estava em fase de expansão em todo o Ocidente
cristão, assumindo no período em que viveu Santo Ângelo várias denominações nos
países em que se encontravam: albigenses, búlgaros, patarinos, publicanos. O
santo não só pregava aos cátaros, mas também aos judeus, obtendo inúmeras
conversões.
Martirizado como vingança do herege
Na Sicília,
Santo Ângelo foi para a cidade de Alicata, sede de muitos hereges daquela
seita. Lá havia um conde de nome Berengário, muito respeitado em todo o país,
apesar de obstinado cátaro. Levava uma vida extremamente escandalosa, vivendo
em incesto com Margarida, sua própria irmã. O santo foi até eles e
exprobrou-lhes privadamente a vida infame, incitando-os ao arrependimento.
Margarida, tocada pela graça, rompeu a relação pecaminosa e se converteu, mas
Berengário permaneceu impassível. Como as admoestações em privado não surtiram
efeito, o santo o repreendeu publicamente, ameaçando-o com os castigos de Deus.
E o fez com tanta energia, que até os mais íntimos confidentes do conde o
abandonaram. Este jurou vingar-se.
A data do
martírio de Santo Ângelo é controvertida. Enquanto vários hagiógrafos a dão
como ocorrida em maio de 1220 ou 1226, outros, como o Martirológio Romano
Monástico, a fixam para o ano de 1225. Seja como for, ao sair ele da Missa que
celebrara na igreja de São Felipe e São Tiago, foi atacado por sicários do
conde, que o feriram com cinco golpes de espada, enquanto ele dizia: “Senhor,
em vossas mãos encomendo meu espírito”. Muito ferido, foi transportado
para uma casa vizinha. Quatro dias depois, dia 5 de maio, entregou sua alma
indomável a Deus, após recomendar aos fiéis que perdoassem o assassino.
Segundo a
tradição, Berengário pôs fim aos seus crimes e à sua miserável vida,
enforcando-se em sua casa. Ângelo foi sepultado na mesma igreja de São Felipe e
São Tiago. Seu sepulcro logo se tornou lugar de peregrinação, e seu culto
difundiu-se rapidamente. A Ordem do Carmo passou a venerá-lo como santo, pelo
menos a partir de 1456, e o Papa Pio II (1405-1464) aprovou seu culto.
Em 1657 a
região foi assolada por uma peste, o que levou os habitantes do vice-reinado de
Nápoles a implorar a proteção de Santo Ângelo. Alicata foi poupada da peste, e
em agradecimento seus habitantes construíram uma nova igreja — Santa Maria do
Monte Carmelo — para acolher as relíquias do Santo, o que se deu em 1662.
Os frades
carmelitas difundiram a devoção a Santo Ângelo, primeiro na Europa, depois nas
Américas. Ele se tornou padroeiro de muitas localidades, inicialmente na Itália
e depois em outras regiões da Europa. Os primeiros padres carmelitas da América
difundiram a sua devoção, construindo igrejas e dando seu nome a aldeias que se
formavam. Seu culto também chegou ao Brasil, onde há cidades que o têm como
patrono. Sua veneração se manteve até nossos dias, sendo invocado pelo povo
devoto em suas dificuldades.
Defensor do direito de Deus na lei natural
Casa na qual, segundo a
tradição popular, Santo
Ângelo residiu em março
de 1220
“Na
Suma Teológica, São Tomás de Aquino afirma que a lei natural é ‘a participação
da lei eterna na criatura racional’. Segundo ele, graças a uma disposição inata
— ‘sinderese’ —, o homem tem o ‘conhecimento habitual’ dos primeiros princípios
da lei natural, inscritos por Deus em sua alma. Nesta perspectiva, defender a
lei natural — que não é senão a participação da lei eterna na
criatura racional — equivale a defender os direitos de Deus e, no
final, a defender Deus.
“A partir daí, podemos entender a gravidade dos pecados
cometidos contra a lei natural, o que também explica por que a Igreja conta
entre seus mártires não apenas aqueles que derramaram seu sangue para a defesa
da fé, mas também para a lei divina. Por exemplo, São João Batista, São Tomás
Morus, São João Fisher, que defenderam a indissolubilidade do casamento e a lei
natural.
“Dois santos que a Igreja comemora a 5 e 7 de maio trazem
este glorioso halo: Santo Ângelo de Jerusalém e Santo Estanislau, Bispo de
Cracóvia”.2 Ambos deram a vida em defesa dessa lei natural, ou seja, dos
direitos de Deus sobre as criaturas.3
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Notas:
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 833, Maio/2020.
1. René Grousset, Histoire des
Croisades et du Royaume Franc de Jérusalem, Paris, Librairie Plon, Les
Petits-Fils de Plon et Nourrit, 1935, p. 610.
3. Outros sites consultados:
http://www.santiebeati.it/dettaglio/51875
https://cleofas.com.br/55-santo-angelo/
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