· 17 de maio de 2020
Túmulo do Servo de Deus Pe. João Batista Reus
[Fotos Paulo Américo]
·
Paulo Henrique Américo de Araújo
Em janeiro, integrando a caravana de voluntários do Instituto
Plinio Corrêa de Oliveira, tive a oportunidade de visitar a cidade de São
Leopoldo (RS), onde se encontra o Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Ali o
conhecido Pe. João Batista Reus (pronuncia-se Róis), jesuíta nascido na Alemanha e grande místico, exerceu boa parte de seu
frutuoso apostolado. Falecido em 1947, seu corpo jaz numa capela ao lado da
igreja, e atrai durante todo o ano multidões de fiéis.
Não é minha intenção descrever neste artigo a vida do Pe. Reus,1 mas sim focalizar alguns aspectos da
atmosfera do santuário2 e dos peregrinos que para lá acorrem.
Há duas realidades contrastantes no santuário: de um lado, a piedade
verdadeira — na aparência débil — do povinho que se ajoelha junto ao túmulo do
Servo de Deus; e de outro lado as manifestações do progressismo, como um
monstro disforme e esmagador, que impregnam todo o ambiente. A impressão é a de
um embate entre dois inimigos irreconciliáveis, dotados de forças extremamente
desproporcionais. Uma luta entre Davi e Golias, dir-se-ia. Tudo indica que o
gigante vencerá, porém a História nos afirma o contrário.
Após concluir minhas orações, detive-me para observar as pessoas que se
aproximavam do túmulo do Pe. Reus. A “capela” – mais propriamente um galpão –
não possui qualquer ornato, nem beleza. Bem poderia servir de garagem para
automóveis. Nas paredes, alguns vitrôs simplórios deixam penetrar a luz direta
do sol. Apenas um quadro estilizado da face do Pe. Reus quebra um pouco a
monotonia que ali domina.
Invariavelmente os visitantes se apresentavam com expressões de
veneração e respeito, cabeças baixas, lábios em movimento indicador de orações
silenciosas. Alguns se ajoelhavam a poucos metros de distância, e nesta posição
prosseguiam até chegar diante do túmulo. Homens e mulheres, jovens e velhos num
fluxo contínuo, mas sem exasperação nem pressa. Em volta do túmulo, o frenesi
de um domingo de verão desaparecia, como que por um passe de mágica; ou melhor,
pela ação de uma graça impalpável, mas real.
Um dos nossos caravanistas notou naquele povinho uma atitude pitoresca,
talvez fruto de um costume tornado natural. Alguns visitantes traziam flores e
as tocavam na cruz que contém a figura incrustada do venerável sacerdote, e as
depositavam sobre o túmulo. Outros peregrinos colhiam e levavam consigo algumas
dessas mesmas flores, que pouco antes haviam sido ali depositadas. Expressivo
símbolo da comunhão dos santos, confirmando que os oferecimentos ou méritos de
alguns fiéis concorrem para o benefício de outros fiéis.
Ressalto com tristeza que tal devoção popular, carregada de muitos
sinais de sinceridade, vinha acompanhada da degradação e imodéstia dos trajes.
Não encontrei qualquer exceção a essa verdadeira ditadura das roupas imorais,
tanto nos homens quanto nas mulheres. Entre eles um casal, aparentando idades
entre 25 e 30 anos, veio para rezar, mas sua imoralidade no trajar mostrava-se
ainda mais agressiva. Pareciam ter acabado de sair de uma academia de
ginástica, como seus trajes o denunciavam. Com tatuagens aparentes, ambos se
ajoelharam e rezaram ao Servo de Deus!
Como se conciliam, na mente dessas pessoas, a piedade e os trajes
próprios à imoralidade? Falta de instrução? Maldade ostensiva? Não sei dizer.
Mas sou tendente a concluir que, embora o processo de destruição dos costumes
cristãos tenha alcançado no Ocidente todas as vitórias em matéria de imoralidade,
paradoxalmente não conseguiu apagar no comum das pessoas o sentimento
religioso.
Saindo pelos fundos do “galpão-capela”, encontrei-me em um jardim com
grandes cruzes brancas. Trata-se, na verdade, de um cemitério com as sepulturas
de dezenas de padres e irmãos leigos jesuítas, sinal impressionante do antigo
florescimento da Companhia de Jesus na região. Mas naquele jardim não encontrei
qualquer túmulo de padres mais novos, falecidos recentemente. Todas as
sepulturas pertencem a jesuítas nascidos até a década de 50, todos com mais de
70 anos. Tudo indica não haver ali padres jovens.
Alguém poderá argumentar que só há sepulturas de padres velhos porque é
comum os velhos morrerem! Argumento lógico, sem dúvida, mas todos os cemitérios
demonstram ser ele apenas parcialmente verdadeiro. Pergunto se não seria
normal, no meio dos falecidos ultimamente, encontrar ao menos um padre jovem.
Por exemplo, com 40 ou 50 anos de idade. Por que não os há? A resposta é
simples: praticamente não existem vocações recentes. A Companhia de Jesus e
todas as Ordens religiosas vão definhando, numa inexorável crise de vocações,
desde o início da era pós-conciliar. Qualquer um pode ver a prova disso naquele
cemitério de cruzes brancas.
Escrivaninha, paramentos, breviário, altar e até um
violino que pertenceram ao Pe. Reus
Por fim dirigi-me à igreja. Na cripta do Santíssimo Sacramento, no subsolo,
um memorial do Pe. Reus exibe seus objetos pessoais: escrivaninha, paramentos,
breviário, altar, e até um violino. Os visitantes tinham o olhar encantado ao
vê-los. Nesse pequeno museu percebe-se, a um só tempo, a vida de piedade e a
obra de apostolado do Servo de Deus. A esses objetos simples, mas com muita
dignidade, se opõem outros aspectos modernizados da cripta: um gélido e
monótono altar-mesa circundado pelas estações da Via-sacra, cujos Personagens
disformes parecem ter sofrido ainda mais após a crucifixão. Ninguém demonstrava
encantar-se com elas.
De todas as carrancas com que o progressismo se manifesta no santuário,
a mais escandalosa e grotesca é sem dúvida a do altar principal. Um verdadeiro
monstro de metal, mistura de ficção-científica e pós-modernismo de face
hedionda. Tremo e hesito ao constatar que aquela figura pretende ser uma imagem
do Sagrado Coração de Jesus. Pareceu-me verdadeira blasfêmia considerá-la como
tal. Como conseguirá alguém, diante daquela imagem, elevar a mente ao dulcíssimo
Jesus, Filho da Virgem Santíssima? Impossível! Vi-me impelido a sair depressa
dali.
Em São Leopoldo, o progressismo dito católico se imiscuiu nas expressões
de piedade e devoção provenientes da vida exemplar do Pe. Reus. A catolicidade
verdadeira, terna e singela sobrevive ali, mas sufocada pelas patas repugnantes
da pseudo-arte moderna e do neopaganismo progressista. Uma
análise apressada nos faria temer que as pequenas devoções não consigam
resistir ao poderio massacrante desse monstro anti-católico. Se foi essa a
conclusão de uma análise apressada, devemos ter em mente o jovem Davi combatendo
contra Golias. O pequeno, tido por mais débil, pode perfeitamente derrotar o
atual gigante!
O venerável jesuíta escreveu, ao partir da Alemanha: “Ó Maria,
Mãe minha, fazei que chegue ao Brasil são e salvo, para lucrar muitas almas
para Vós e para o Sagrado Coração de Jesus!”.3 Como o Pe. Reus veio para cá com essa santa
intenção, peçamos que do Céu ele interceda agora junto a Nossa Senhora para a
derrota do monstro progressista, que tanto afasta as almas de Deus.
_____________
Notas
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 833, Maio/2020.
1. Uma boa biografia do jesuíta foi
escrita por Ferdinand Bauman, S.J.: Um Apóstolo do Coração de Jesus,
Publicações Avulsas de História, UNISINOS, S. Leopoldo, 1987.
2. O Santuário do Sagrado Coração de
Jesus, sob a influência da arte modernista, foi construído entre os anos de
1958 e 1968, após a morte do Pe. Reus.
3. Op. cit. pág. 81.
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