Itabuna, a
partir dos seus primórdios como Arraial e Vila até chegar a Cidade, conheceu
diversos tipos humanos integrados na sua vida, no seu dia-a-dia. Em tempos mais
recuados, quando matas frondosas ainda cobriam grande parte do seu território e
homens trabalhadores e honestos iniciaram um grande trabalho de desbravamento
para plantar cacau, tipos humanos nos mais diferentes misteres foram aqui
surgindo.
Representado
por sergipanos e sertanejos, o primeiro tipo humano - além dos índios - que se
integrou na região, nela se fixando, foi o LAVRADOR. Coube a ele o papel de desbravador,
quando derrubou a mata, plantou, fez roça de cacau. Foi ele o homem que,
superando grandes dificuldades do meio com coragem e confiança no seu próprio
valor, fez surgir, dentro da mata, as grandes plantações de cacau, e abriu
trilhas que iriam unir as diversas partes de uma imensa região. Muitos
transformaram as suas lavouras em grandes fazendas. Num dia-a-dia difícil,
corajoso, fazendo economia, comprando novas plantações, iniciando outras, esses
lavradores acabaram por acumular fortuna, tornando-se senhores de grande
riqueza. A sua produção valia pelo peso, a arroba, e aquele que colhia de mil
arrobas para cima era intitulado CORONEl.
O coronel -
e eram vários na Região Cacaueira - acabou por se tornar homem de muita
importância entre os seus conterrâneos. Já tendo constituído família, os
coronéis passaram a viver na cidade. Construiram um casas confortáveis, viviam
cercados de prestígio, com grande influência na vida política, social e
econômica da cidade.
Em alguns
casos, a figura do coronel esteve ligada à do JAGUNÇO. Este era o assalariado,
vindo de outras bandas da região e até de outros estados, muitas vezes foragido
da justiça. Carregando em si a influência do meio onde nasceu ou se criou, ou
por atavismo, o jagunça se prontificava para qualquer ação criminosa. Buscando
abrigo em fazendas, a troco de dinheiro ou proteção se colocava ele a serviço
do patrão para cumprir qualquer ordem, fosse para matar, bater ou incendiar
roças dos inimigos do seu chefe e protetor. O jagunço não tinha escrúpulos nem
piedade; a ele só importava a ordem do patrão.
Com o
tempo, pela ação da Justiça e a civilização que se foi instalando, a figura dos
jagunços acabou por desaparecer, uns eliminados pelos fuzis da polícia que
vinha para combatê-los, enquanto outros acabaram na cadeia.
Nos tempos
atuais, há ainda remanescentes do jagunço, mas com outra denominação: são os
pistoleiros de aluguel, matadores que ainda agem nas grandes e pequenas cidades
sob as ordens de outros chefes, não mais os coronéis, e levantam outras
bandeiras de banditismo.
A cidade teve
também os seus tipos peculiares. Um deles foi o AGUADEIRO, figura comum e
necessária numa época em que a cidade não tinha ainda o serviço de água
encanada. Toda a água consumida pela população, para o gasto e para beber,
vinha do rio e cisternas, e era distribuída pelo aguadeiro, homem que tinha por
meio de vida levar a água de casa em casa, transportada em quatro barris que
iam pendurados a cangalha, no lombo de um burrico tangido por ele pelas ruas da
cidade. Havia os aguadeiros de água do rio e os que distribuíam só água de
beber tirada das cisternas. Cada aguadeiro já tinha sua freguesia certa. Em
casa, a água era filtrada e mantida nos próprios filtros e talhas ou potes,
dentro dos quais era costume se colocar um pedaço de enxofre. Até a instalação
da rede de água encanada na cidade, eram os aguadeiros os seus únicos
condutores. Ao lado do aguadeiro, tirando o seu sustento das águas do rio, estava
a LAVADEIRA. Quando o Cachoeira ainda corria desimpedido e as máquinas de lavar
eram inexistentes na cidade, a roupa toda da população era lavada nas águas
mansas dos trechos limpos do rio, água corrente. As lavadeiras, que chegaram a
formar grandes grupos, alegravam as margens do Rio Cachoeira e davam-lhe
colorido com a variedade de cores das roupas estendidas ao sol sobre os lajedos
e gramado da beira do Rio. De pele tostada pelos raios solares, com as pernas
mergulhadas na água, elas mourejavam diariamente sobre os lajedos, num trabalho
cansativo, mas necessário a elas e à freguesia. Algumas lavadeiras até
almoçavam lá mesmo na beira do rio, ao abrigo de alguma moita ou arbusto
frondoso que as protegia da inclemência do sol.
Dois
outros tipos eram vistos comumente nas ruas: o CARVOEIRO e o VENDEDOR DE LENHA.
Não existia o gás de cozinha, assim toda a casa, por melhor que fosse, usava o
fogão à lenha ou a carvão. O Carvoeiro vendia o seu produto em sacos que eram
levados na cangalha de burros, e a lenha era vendida em feixes amarrados de
cipó e transportados também em animais.
Com
relação aos comestíveis, como não havia mercados, as donas-de-casa se valiam
dos vendedores ambulantes de ovos, galinhas, peixes e carnes de carneiro,
porco, mercados em tabuleiros, além da feira e dos açougues. Para o dia-a-dia,
quando necessário, era nas quitandas que elas iam encontrar o que precisavam. A
QUITANDEIRA, outro personagem da antiga Itabuna, tinha a sua quitanda sortida
de verduras e tempero verde, funcionando em geral num pequeno vão de uma só
porta. À luz de um fifó, muitas permaneciam até o início da noite, esperando a
sua freguesia.
Um
personagem de destaque na comunidade itabunense era o COMERCIANTE de loja. Esse
tipo de casa comercial tinha em geral grande sortimento e vendia de tudo:
tecidos de seda e algodão, guarda-chuva, artigos para presentes, mosquiteiros,
meias, sapatos, galochas – estas últimas muito procuradas em virtude das chuvas
frequentes na cidade e das ruas enlameadas. Sortidas lojas alimentavam o
comércio de Itabuna. Havia ainda o comerciante dono da VENDA. Uma boa venda
tinha de tudo: sacos de feijão , arroz, farinha, milho seco, mantas de charque
bem curtido expostas abertas, às vistas do freguês, barricas de bacalhau importado
e, sobre o balcão, vidros com bombons e fumo em rolo. Vendia ainda fósforos,
querosene, biscoito, manteiga, corda, vassouras tamancos, esteiras, breu,
azeite doce, bolacha, cera de abelha, anzol, creolina, sal grosso, cachaça,
vinagre, vinho e produtos outros.
Outro
elemento conhecido era o TROPEIRO. Vindo das fazendas de cacau, num tempo em
que as estradas de rodagem eram reduzidas, o tropeiro entrava na cidade
tangendo a sua tropa. Pés descalços, empunhando um chicote, instigava os passos
dos animais que conduzia e que, obedientes, caminhavam sob o peso dos sacos de
cacau em direção dos armazéns da cidade, onde a enorme carga seria trocada por
grandes quantias em dinheiro.
Foi
administrando uma variedade imensa de atividades, das mais simples às mais
complexas e exigentes, além da sua grande lavoura de cacau, do seu forte
comércio e com o trabalho dos mais humildes aos de maior relevância de seus
habitantes, que Itabuna cresceu. Como uma árvore de grande porte, nascida com
as raízes fincadas na lama, ela brotou para o espaço azul em busca do Sol,
cheia de seiva, plena de vida, ávida de desejo de crescer e frutificar.
Helena Borborema
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