23 de fevereiro de 2020
Neste artigo, o autor censurou severamente as farândolas
carnavalescas de 1935. O que diria ele dos carnavais de hoje?
Plinio Corrêa de Oliveira
Aonde foi parar o velho carnaval paulista, todo feito para
alegrar as pessoas? Cedeu seu lugar a um carnaval exclusivamente sensual, em
que a alegria dos espíritos não é mais uma inocente hilaridade, como a de
nossos avós, mas a festa dos sentidos superexcitados. Nos três dias de
carnaval, as autoridades se acumpliciam com os inimigos da ordem, agindo contra
os interesses gerais da população.
Se fôssemos contar o número de pequenas economias domésticas
que se desequilibram definitivamente por ocasião do carnaval, poderíamos ver
até que ponto os festejos de Momo são uma bomba aspirante, que suga os tostões
das classes pobres e os conduz para os bolsos entumecidos dos exploradores do
carnaval.
Se fôssemos fazer a conta das doenças que os desmandos
carnavalescos provocam direta ou indiretamente, veríamos que elas superam o
número de pessoas curadas nos estabelecimentos de caridade, erguidos com grande
sacrifício público.
Se fôssemos tomar em conta o acréscimo de criminalidade de
todos os gêneros, provocada pelo carnaval, veríamos que ele rouba à virtude
muito mais pessoas honestas do que a polícia, por ação preventiva, consegue
roubar ao crime.
No entanto, uma inexplicável incoerência é que as autoridades
dão mão forte ao carnaval. O que pode haver de sincero e espontâneo nessa
alegria fictícia, estabelecida por decreto municipal, divulgada por cartazes
nas ruas e fomentada por um colossal derrame do dinheiro público?
Alguém poderia considerar absurdo a prefeitura decretar aos
cidadãos sua permanência em casa, chorando, durante três dias do ano. E se
perguntaria qual a utilidade de tal tristeza, se o pranto é coisa que não se
encomenda. Ri ou chora cada um segundo lhe correm o êxito ou as vicissitudes da
sua vida particular.
Capa da primeira edição de Pagliacci (Palhaços),
Milão,
1892.
Mas se reconhecemos como absurda essa hipotética tristeza
por decreto, por que não reconhecer também como artificial e absurda essa
alegria promulgada por uma portaria? Por que não impugnar como desprovida de
sinceridade essa alegria que estoura por toda a parte? Bem ao contrário da alegria
sincera e despreocupada, que há muito tempo desapareceu do coração dos homens,
o rito artificial e satânico do carnaval representa uma revolta contra as
dificuldades da vida de cada dia, substituindo-a por folguedos que não podem
proporcionar verdadeira alegria.
Fazendo rir o povo num momento tão carregado como o do mundo
atual, os promotores do carnaval fazem lembrar Pagliacci [Palhaços],
a ópera de Leoncavallo. Se uma estátua do Rei Momo tivesse voz, que nos
ordenaria ela senão o triste ridi pagliacci [riam, palhaços] da
ópera?
_________________________
Excertos do artigo “Alegria por decreto”, de Plinio Corrêa
de Oliveira, publicado em “O Legionário” de 17 de fevereiro de 1935.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário