Entre
violetas e rosas, pequenino e risonho, as mãozinhas cruzadas sobre o peito, Dedê,
de cinco meses, dorme para todo o sempre.
Veste-lhe
o corpinho rechonchudo a mesma cambraia com que foi à pia; à cabecinha loura a
mesma touca branca. Parece que esperam que acorde para levá-lo novamente à
igreja. Babi, de três anos, guarda o pequenino irmão. Sabe que dorme lho
disseram. Para não o despertar, pisa de manso, cautelosa, apertando nos braços Colombina.
O sol faz um
véuzinho de ouro e translúcido, para o rosto risonho de Dedê. Os círios
empalidecem e as flores vão murchando junto ao corpinho frio do defunto.
Batem palmas
à porta. Babi estremece. Acerta mais Colombina e lança um olhar ao irmão,
receosa de que tenha despertado. Mas Dedê não desperta: dorme, as mãozinhas
cruzadas sobre o peito como rezando. Batem palmas de novo.
Babi,
cautelosa, em pontas de pé, vai a porta e coitadinha! Não consegue abafar um
grito, dando com os olhos no velho negro que traz debaixo do braço, como um
estojo, o pequeno esquife cor de rosa e branco , cercado de franjas de ouro. Babi
não consegue sufocar um grito: bate palma, contente, deixa cair Colombina e
entra a correr, anunciando:
“Está aí o
berço novo de Dedê! Está aí o berço novo de Dedê!”
E, com voz
de choro, agarrando-se às saias da avó trêmula, que vai compondo ramos para o
pequenino, implora: “Mandas fazer um berço igual para mim , vozinha? Mandas
fazer, vozinha?” E, para convencê-la, beija-lhe repetidas vezes a mão
magra e a velha, soluçando, beija-lhe e os cabelos louros.
Há dias,
indo de visita à casa, encontrei-a silenciosa. Fora, no rosal, já não cantavam
pássaros; dentro, no interior, berços não se balançavam. Senti que ali faltava
alguma cousa... Não havia barulho.
A mãe,
viúva, de vez em vez, levantando a cabeça, punha os olhos no céu e baixava-os
molhados; a velha não falava. Senti que ali faltava alguma cousa.
Por acaso
voltando os olhos descobri Colombina sobre uma peanha. Pobre Colombina!
Lembrei-me, então, de Babi e perguntei por ela. A velhinha fitou-me. A mãe
baixou os olhos soluçando.
Teria a
complacente avó satisfeito o desejo da criança? Teria a velha dado a Babi um berço
cor de rosa e branco igual ao de Dedê? E não foi outra cousa... essas velhas
avós fazem tantas vontades aos netinhos...
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COELHO NETO (Henrique Maximiano Coelho Neto) - romancista, crítico e teatrólogo, nasceu em Caxias, MA, em 21 de
fevereiro de 1864, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de novembro de 1934.
Fundador da Cadeira 2 da ABL, recebeu os Acadêmicos Osório Duque
Estrada, Mário de Alencar e Paulo Barreto.
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