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terça-feira, 2 de julho de 2019

A CONVERSA DESFIADA - Péricles Capanema


2 de julho de 2019

Péricles Capanema

Provocada pelo clima de Brasília, despenca sobre nós, sem fim, a saraivada do escarcéu, desgoverno, desorientação, boçalidade e baixaria. Debaixo do granizo, difícil perceber o impulso decisivo de toda boa ação política, o agudo senso do bem comum.

Em outra comparação, a vida pública brasileira já de há décadas vem rolando em precipícios dos quais não se vê o fundo. A previsão de Ulisses Guimarães tem se verificado doloridamente, foi mais ou menos assim: “Está achando ruim essa composição do Congresso? Então espera a próxima, vai ser pior”. Imaginem, a atual já apavora, a pífia consolação é que a próxima virá pior. Toda profissão depende da qualidade de seus membros. Com tais atores, a peça não vai ter sucesso. Mas não vou jogar tudo no cangote dos políticos no Planalto Central. Fomos nós, os eleitores, que os mandamos para lá.

Não pretendo prescrever panaceias para tal situação. Faço outra coisa, da remedama necessária, tiro do estoque e ponho na vitrine só um vidrinho, cujo recheio tanto serve para a vida pública quanto para a particular. Assim, não abandono inteiramente a matéria, mas trago à baila modesta contribuição para a solução do problema, útil igualmente para a vida de todos os dias de qualquer brasileiro.

Passo a desfiar o assunto. Em política, quem sabe conversar, já tem meio caminho andado. E dou o primeiro passo com frase conhecida, política é conversa, o resto é conversa fiada, da lavra, parece, de Otávio Mangabeira. Política e tanta coisa mais é conversa, o resto é conversa fiada. Número enorme de atividades humanas descansa na conversa.

O começo é ouvir. A língua faz muita gente surda. Nada escuta, tomada pelo gosto da parolagem compulsiva e oca; quem muito fala, muito erra e muito enfada. Ouvir supõe interesse, paciência, compreensão. Benevolência. As duas primeiras estacas, interesse e paciência, seguram o andar superior, a compreensão, entender até o fundo e em todos os matizes o que está dizendo ou está querendo expor o outro. Se queres ser bom juiz, ouve o que cada um diz.

Qualquer um, qualquer outro, até os mais simples. O interesse no pequeno é estrada para entender o grande. “Aperfeiçoa-te na arte de escutar, só quem ouviu o rio pode ouvir o mar”, advertência de Altino Caixeta de Castro, o Leão de Formosa, bom poeta do Triângulo Mineiro. Nelson Rodrigues marcou o Brasil e até hoje não foi esquecido (morreu em 1980) em especial porque entre outras qualidades sabia escutar: “Posso não ter outras virtudes, e realmente não as tenho. Mas sei escutar. Direi, com a maior e mais deslavada imodéstia, que sou um maravilhoso ouvinte. O homem precisa ouvir mais do que ver. Qualquer conversa me fascina […]. E, se duas pessoas se falam, a minha vontade é parar e ficar escutando. Uma simples frase, ainda que pouco inteligente, tem a sua melodia irresistível”.

Sentir as ocasiões dos silêncios, modular a ênfase, o timbre da voz, ter maestria nas pausas são tão ou mais eloquentes que a o impacto da palavra. Fala o olhar, o gesto fala, a atitude fala, pode valer mil palavras o sorriso. O bocejo ou um gesto brusco tantas vezes cortam mais que refutações veementes. A presença, enfim. Existem presenças estimuladoras, presenças sabotadoras, presenças opacas. Dizia-se do príncipe de Metternich que a conversa dele fazia os interlocutores se sentirem mais inteligentes.

Deixei o miolo para o fim. O anterior ajudava a realçar o principal, o conteúdo. Como enriquecê-lo? Alguns recursos, observação, explicitação das impressões, leituras, bem como, sob outro aspecto, nas ocasiões adequadas, formação sistemática e estudos. Tudo isso enobrecido pelo caráter. Aí a pessoa tem muita coisa a dizer e é útil a todos a disposição de comunicá-la.

Desfio o assunto um pouco mais. A vida política tem aspecto pouco comentado, a exemplaridade. O rei, sob tantos aspectos o mais importante político de uma nação, é naturalmente modelo para o povo, objeto de sua atenção, aprendizado e entretenimento. Basta ver a atenção que provoca a rainha Elisabeth II. O político, a seu modo e proporção, é um pequeno rei. Tem também o dever da exemplaridade. E saber conversar bem o ajudaria a cumprir tal missão.



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