Artigo publicado em 20.05.2018
Quando uma amiga francesa me disse que tinha visto uma placa
alusiva à participação dos brasileiros na Primeira Guerra Mundial no jardim do
Hôpital de Vaugirard em Paris, franzi a testa e a corrigi com um sorriso
condescendente: “Segunda Guerra”. Ela me sorriu de volta: “Não, Primeira. Me
lembro de ter visto as datas 1914-1918. Tenho certeza.”
Oi? Como assim? Nós não participamos da Primeira Guerra
Mundial! Ou participamos? Vasculhei todos os cantos da minha memória procurando
uma referência sobre isso e não encontrei nenhuma. Só encontrei o sorriso dela
de certeza. Constrangida com minha ignorância, me fingi de morta, mas registrei
mentalmente que ia checar aquela informação.
Foi assim que desci na estação de metrô Convention (linha
12) e fui caminhando pela rue Vaugirad em direção à Porte de Versailles. Cinco
minutos de caminhada e cheguei ao Jardim do Hôpital de Vaugirard. O lugar é um
pequeno oásis verde com uma longa alameda ladeada por gramados verdinhos,
muitos bancos e árvores. Flanei pelo lugar a procura da placa e depois de
alguns minutos eu a encontrei. Sim, lá estava ela. Meu francês é bem meia-boca,
mas deu pra entender o que estava escrito: “Aqui se ergueu o hospital
franco-brasileiro dos feridos de guerra criados e mantidos pela colônia
brasileira de Paris como contribuição na causa aliada 1914-1918. Placa
inaugurada por ocasião do 80° aniversário da presença da Missão Médica
Brasileira Especial na França.”
Gelei. Uma Missão Médica Brasileira na França na Primeira
Guerra Mundial? Como eu nunca ouvi falar sobre isso? Como é que eu conheço toda
a história do American Field Service, uma organização voluntária de
norte-americanos para tratar os feridos durante a Primeira Guerra e nunca
sequer ouvi falar de uma Missão Médica do meu próprio país? Imperdoável!
Com a ajuda do meu incansável amigo Google, sentei em um dos
bancos e pesquisei sobre o assunto. Descobri uma história fantástica de
coragem, sacrifício e competência quando um navio brasileiro (La Plata) saiu do
porto do Rio de Janeiro em 1918 iniciando uma viagem que seria, difícil,
perigosa e trágica.
O perigo rondava os mares com a presença dos famigerados
U-boats alemães, submarinos de alta tecnologia que afundavam qualquer barco
(política da Guerra Submarina Irrestrita) militar, mercante ou de passageiros,
mesmo de países neutros. Inicialmente neutro, o Brasil só se declarou em estado
de guerra em outubro de 1917 posicionando-se com os Aliados (EUA, França,
Grã-Bretanha) por ter tido vários navios mercantes civis brasileiros afundados
pelos alemães. Sem uma marinha ou exército preparado para conflitos da
envergadura de potências belicosas como Alemanha, Rússia, EUA e Grã-Bretanha, a
ajuda do Brasil para o esforço de guerra foi muito mais voltada à causa
humanitária. É aí que entra a Missão Médica Militar Brasileira (MMMB).
O La Plata levava a bordo 168 brasileiros entre médicos,
cirurgiões, enfermeiros e farmacêuticos voluntariados para a missão, além de
alguns oficiais da marinha e exército, cujo objetivo era chegar a Marsellha e
de lá seguir para Paris para instalar e operar um hospital com capacidade para
500 leitos para cuidar dos feridos da guerra.
Os franceses cederam o belo prédio de um antigo convento
jesuíta na rue Vaugirard e o hospital brasileiro foi instalado ali recebendo
principalmente soldados franceses classificados como “grandes feridos”. Quando
a Guerra terminou no final de 1918, o hospital, considerado pelos franceses
como de ponta, ainda funcionou até 1919 atendendo a população civil francesa
que ainda lutava contra a pandemia da gripe espanhola que varreu a Europa
naquele ano. Com a desmobilização do hospital militar, alguns médicos foram
convidados a permanecer na França, mas a maioria retornou ao Brasil.
Os franceses jamais se esqueceram desse ato fraterno dos brasileiros e alí estava eu diante da prova, em frente àquela placa. Fiquei envergonhada por desconhecer essa história, que é muito mais emocionante que vocês possam imaginar. Fiquei pensando: Por que não nos falam sobre isso na escola? Por que escondem de nós os nossos heróis? Por que nos autodenominamos “terra do samba e futebol” quando somos tão mais que isso?
Estou escrevendo esse post por duas razões: a primeira é
para mostrar como os franceses são gratos por nossa ajuda; a segunda é para
desafiar vc a ir além da nossa mediocridade escolar. Se estiver em Paris,
visite o Jardin Hôspital Vaugirard (metrô Convention), mas antes, para dar
significado à sua visita, conheça essa história em detalhes em http://www.revistanavigator.com.br/navig20/art/N20_art2.pdfe também no livro
“O Brasil na Primeira Guerra” de Carlos Darós (ed. Contexto).
“O Brasil na Primeira Guerra” de Carlos Darós (ed. Contexto).
Sim, nós também temos nossos heróis... e não são aqueles que
jogam bola ou participam de reality shows.
Extraído do Facebook da autora.
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