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terça-feira, 6 de agosto de 2019

10 DE AGOSTO: DIA DE JORGE AMADO – os anarquistas


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(Rio de Janeiro, 1954 – os anarquistas)


            Deslumbra-me a conversa dos dois velhos anarquistas, o escritor e a operária: o mundo liberto das injustiças e dos preconceitos, nem o poder do Estado, nem a lei fosse qual fosse. Trinta anos depois escreverei um romance, Tocaia Grande, nascera naquele dia quando dona Angelina chorou de emoção ao abraçar Thomas da Fonseca*.

            Tomas da Fonseca, prosador ilustre, em Portugal mais do que ilustre, uma legenda viva, símbolo da resistência ao fascismo, da audácia do pensamento livre: o sonho da sociedade sem fronteiras de qualquer espécie. Angelina D’Acol Gattai, imigrante italiana, tinha quatro anos de idade quando desembarcou no Brasil, a família de camponeses vênetos de Pieve di Cadore veio trabalhar nas fazendas de café de São Paulo após a abolição da escravatura. Aos nove anos Angelina entrou de operária têxtil numa fábrica do Brás, na pauliceia desvairada. Fez-se anarquista ao conhecer Ernesto, os Gattai vieram de Florença, atravessaram o mar nos porões imundos para realizar o sonho do agrônomo Giovanni Rossi: fundar nas selvas do Paraná a Colônia Cecília, experiência de sociedade anarquista na América, sob o patrocínio de Dom Pedro II, Imperador  - já então era o Brasil um país surrealista.

            A colônia durou quatro anos, a mesquinhez do cotidiano a liquidou, mas as ideias libertárias afirmaram- se e floresceram na cidade de São Paulo das primeiras indústrias e dos grêmios das classes laboriosas. Angelina namorou o mecânico Ernesto nas reuniões e festas operárias - imigrantes italianos, espanhóis e portugueses encontravam-se, discutiam, discursavam, declamavam, encenavam peças. As poesias e as canções anarquistas da península, as peças de Pietro Gori: Angelina, primeira-dama do palco proletário. Ressoava o canto da Catalunha em fogo: donde vas com paquetes y listas / que tan pronto te veo correr/ voy al Congreso de las anarquistas/ que reclaman um derecho: vivir/ Escúchame um momento se quieres / Anarquista, que quiere decir? / Es la imensa falange obrera / que reclama um derecho: vivir! Os poemas de Guerra Junqueiro, os livros de Thomas da Fonseca, a italiana Angelina, anarquista brasileira, declamava o vate português, sabia de memória trechos incendiários do prosador. Mesmo quando o marido Gattai subiu na vida, de motorista dos Prado, paulistas quatrocentões, passou a agente dos automóveis Alfa Romeo, de libertário virou militante do Partido Comunista, Angelina manteve intacta a quimera, o sonho.

            Ancião, as barbas brancas desciam-lhe sobre o peito, de passagem pelo Rio, Thomas da Fonseca veio me visitar, ao escritor como ele também proibido em Portugal, amigo de seu filho Branquinho*, eu o recebi no alvoroço da admiração, abertos os braços do bem-querer: jamais uma visita me honrara tanto. Enquanto conversávamos política e letras, Zélia saiu correndo em busca de dona Angelina, por feliz acaso também no Rio, em nossa casa, para comunicar que seu ídolo, dela, Angelina, estava na sala tomando cafezinho.

            Dona Angelina, não acreditou: Thomas da Fonseca, ali em pessoa? Impossível. Repreendeu a ousadia da filha, que, com tal atrevimento, lhe faltava ao respeito, levando na chalaça suas ideias e seus mitos. Fez-se necessário que eu a fosse buscar para que viesse à sala e, em lágrimas, beijasse as mãos ossudas do Ancião. Ficaram a conversar.

            Dona Angelina declamou trechos dos livros de Thomas da Fonseca, sabia páginas inteiras de memória, agora era os olhos do escritor que se iluminavam. A tertúlia prosseguiu em utopia, Zélia e eu ouvintes deslumbrados.

*Thomas da Fonseca (1877/1968), escritor português, líder anarquista.
**Branquinho da Fonseca (1905/1974), escritor português.


(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado

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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.

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