(Bahia, 1985 – barba)
Conversa longa,
Márcio não leva menos de meia hora a barbear-se: um dia demorei apenas vinte e
cinco minutos, mas aconteceu somente naquela vez, me diz. Eu não gasto mais de
cinco minutos, admiro-me de diferença tamanha, Márcio me explica:
- Você
conhece o verbo escanhoar? É o que eu uso. Você conjuga outro: raspar a barba,
para ser sincero uma xucrice.
Conto-lhe
que Graciliano Ramos fazia a barba com navalha antiga, nunca usou gilete. Os olhos
de Márcio se iluminam:
- Isso é o
supra-sumo, não chego a tanto.
Barba escanhoada,
Márcio aproxima-se do muro, desata a sirena da polícia na rua Alagoinhas:
vizinhos saem portas a fora a ver o que ocorre. O riso de Teresa tranquiliza os
passarinhos.
(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
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“Sou de um
tempo em que ao ouvir bater na porta se dizia: Se é de paz pode entrar. Quem bate
à porta é de paz e de amizade, o ator Zé Trindade, artista de cinema e de
televisão, celebridade desde os tempos das chanchadas, agora percorre o
interior do país, faz a alegria das plateias das cidadezinhas.
Com as
empregadas da casa aprendo a humildade, a não me vangloriar, a importância é
sempre relativa, dou-me conta. Ouço a cozinheira Agripina dizer a Eunice*, que
vem lhe informar quem chamou à porta e ela fez entrar:
- Zé
Trindade? Não me diga! Seu Jorge é mesmo importante, é amigo de Zé Trindade.
Tem
razão. Zé Trindade na TV, na tela do cinema, no rádio, em pessoa é ídolo
popular queiram ou não os elitistas da cultura, uns bestalhões, sua amizade me
dá status, importância. Agripina, Eunice, Detinha vêm espiá-lo do corredor, a
meu convite entram na sala, se aproximam deslumbradas, estendem as mãos a Zé
Trindade, ele as abraça, repete um bordão de rádio, careta cômica de televisão,
o riso se espraia.
casa de JA
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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da
ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido
pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
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