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sexta-feira, 29 de março de 2019

COMO CONHECI CASTRO ALVES - Cyro de Mattos


(Para Joaci Goes)


            Foi nos idos de 1953. Saltei do bonde na parada próxima ao Restaurante Cacique e Cine Guarani, com o firme propósito de conhecer aquele monumento de mais de dez metros, um homem lá no alto encimando o pedestal. Aquele homem de cabeleira negra e basta devia ser muito importante para que fosse homenageado em monumento tão grandioso.

             Atravessei a rua com a luz forte do verão caindo no asfalto e me aproximei do monumento. Meu olhar curioso viu que em um dos lados estava um livro aberto com um sabre atravessado, tendo em letras douradas os versos: “Não cora o sabre do hombrear com o livro”. Em placa de mármore, numa das faces da base, lia-se: “A Bahia a Castro Alves.”

            Aquela estátua de bronze assentada no alto representava um poeta, muito querido pelo povo baiano, estava ali na atitude de fala importante, de quem declamava, tendo a cabeça descoberta, fronte erguida, olhar perdido no infinito, chapéu mole de estudante à mão esquerda, braço direito estendido. De um lado da coluna no monumento, vi um grupo em bronze, representando um anjo em posição de voo, a levantar uma mulher escrava pelo braço, erguendo-a ao alto.  E também um casal de escravos.

            Quem era esse poeta que a Bahia dedicava imenso amor? Lembrei da biblioteca da agremiação estudantil no Colégio dos Irmãos Maristas. E foi lá, durante a semana, à hora do recreio, folheando o livro ABC de Castro Alves, de Jorge Amado, que fiquei conhecendo a vida e a obra daquele grande poeta, que os baianos com orgulho chamavam de gênio.
 
            Era um rapaz esbelto, que vivera pouco. Nasceu na fazenda Cabaceiras, próxima a Curralinhos, na Bahia, em 14 de março de 1847. Tinha grandes olhos vivos, maneiras que impressionavam a quem o assistisse declamando versos de amor, às flores e em solidariedade aos escravos. Causava admiração aos homens e arrebatava paixões às mulheres. Seu estilo contestador contra a situação da escravidão dos negros na Bahia o tornou conhecido como O Poeta dos Escravos. Além de abolicionista exaltado, foi um liberal atuante, que clamava pela instalação da República no Brasil. Teve como colega Rui Barbosa no Colégio Abílio Borges, em Salvador, e na Faculdade de Direito do Recife. Faleceu aos seis de julho de 1871, aos 24 anos, em Salvador, vítima de tuberculose.

            Depois de conhecer um pouco a vida do poeta romântico, interessei-me por sua poesia. Fui ler, um a um, os livros desse poeta, cantor do amor, da água, das pétalas, dos negros escravos e da liberdade. Publicara em vida apenas um livro: Espumas Flutuantes, em 1870. Seus outros livros, A Cachoeira de Paulo Afonso, 1876, Os Escravos, 1883, Hinos do Equador, 1921, tiveram edição póstuma. 

            Na medida em que fazia a leitura duma poesia cativante e libertária, ia anotando alguns versos no caderno, que me enriqueciam a sensibilidade.
  
            Como esses: Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus, / Se eu deliro... ou se é verdade / Tanto horror perante os céus?!... / Ó mar, por que não apagas / Co'a esponja de tuas vagas / Do teu manto este borrão? / Astros! noites! tempestades! / Rolai das imensidades! / Varrei os mares, tufão! ...

            Ou esses:  Oh! Bendito o que semeia / Livros à mão cheia / E manda o povo pensar! / O livro, caindo n'alma / É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar!

            Ou ainda esses, escritos com graça e leveza: Prendi meus afetos, formosa Pepita... / mas, onde? / No tempo? No espaço? Nas névoas? /Não rias... / Prendi-me num laço de fita!

            Perguntava-se como era que no coração de um poeta tão jovem como Castro Alves cabia tanta afetividade e solidariedade aos excluídos.  Com a leitura de cada livro do poeta, minha alma foi-se impregnando da beleza e da verdade postas de maneira maior em versos comoventes, em tons vários escorridos com amor e talento raro, que só os gênios possuem. Castro Alves tornou-se em pouco tempo um ídolo para o moço do interior, desses em que a marca de uma época ou de um tema brilha com a individualidade manifestada numa espécie de criador, a permanecer sempre ante a vida que passa.
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Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Da Academia de Letras da Bahia. Possui prêmios importantes no Brasil e exterior. Publicado também por várias editoras europeias.  Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz.

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