A carta me veio de São Paulo, com o endereço e nome de todas
as pessoas envolvidas no caso. Pedem-me, porém, confiando em mim, que troque
todas as identidades, para evitar um trauma no personagem principal da
história. Verifiquei a veracidade do fato e, por isso mesmo, manterei o
necessário sigilo.
De verdadeiro, mesmo, apenas as principais cidades onde os
fatos sucederam. E estes têm início em São Paulo, há 15 anos.
A menina Dolores, de 10 anos de idade, amanhecera com forte
dor de cabeça. Primeiro deram-lhe um comprimido comum, para aliviar-lhe o
sofrimento. Nada. Depois pensaram em mal do fígado, aplicaram-lhe uma injeção.
Nada. A noite veio o médico receitou um calmante, a garota adormeceu.
Veio a acordar madrugada ainda, repetindo uma frase, que aos
pais - gente de muitas posses - pareceu bastante confusa:
- Quero ver meu marido e meus filhos... quero ver meu marido
e meus filhos...
- Deve ser efeito do calmante - procurou explicar o pai
embora um pouco apreensivo - Vai ver a dose foi demasiada.
A menina voltou a dormir, mas, na manhã seguinte, quando se
levantou, na própria mesa do café, pediu súplice:
- Quero ver meu marido e meus filhos. Por favor, levem-me ao
meu marido e aos meus filhos...
E nada mais dizia, por mais que puxassem por ela. O médico
da família, chamado às pressas, explicou que aquilo não poderia ser
proveniente, em hipótese alguma, do calmante que ela tomara, muito fraco por
sinal. Dolores deveria estar sendo vítima, provavelmente, de alguma perturbação
mental que ele, médico de clínica geral, não saberia diagnosticar.
Começou, então, para os pais da criança, uma autêntica Via Crucis, seu doloroso caminho levando-os por inúmeros
consultórios de médicos da cabeça. Psicólogos e psiquiatras foram consultados,
métodos os mais modernos empregados, mas nada dava resultado. A menina comia
normalmente, dormia normalmente, mas falar, mesmo, apenas estranhas frases:
- Eu quero ver meu marido e meus filhos. Por favor, levem-me
ao meu marido e aos meus filhos...
Um parapsicólogo resolveu tentar o hipnotismo, como última
solução. Deitada no sofá do consultório, aparentemente adormecida, a pequena
foi contando uma série de fatos, totalmente desconhecidos para a sua família.
Falava numa cidade distante, na Turquia, onde vivia o "seu marido",
de nome Abdul, e nos seus filhos Elias e Simeão. Descrevia a sua casa, nos seus
mínimos detalhes, dando mesmo o endereço da mesma. E por fim, contava como
"morrera":
- Eu estava ao lado de minha empregada, quando senti a forte
dor no peito... queria respirar e não podia... aquilo ia apertando o meu
peito... apertando... a empregada correu a chamar o médico... mas quando este
chegou, eu estava morta... sem ter visto meu marido e meus filhos... sem ter me
despedido deles... por isso eu preciso vê-los... levem-me até eles, por
favor...
O mais estranho é que a pequena Dolores, de apenas 10 anos
de idade, falava com voz de adulta.
Os pais da criança, completamente desesperados e
aconselhados pelo tal parapsicólogo - também entendido em coisas espirituais -
resolveu tirar aquilo a limpo. E com o endereço de uma rua na cidade de
Esmirna, na Turquia, compraram três passagens de avião e se dirigiram com a
filha para aquele lugar. É bom que eu lembre: depois da consulta com o
parapsicólogo, assim que a menina acordou, ela voltou a dizer apenas as já
conhecidas frases.
Assim que chegaram próximo à rua da distante Esmirna, os
olhos de Dolores adquiriram um novo brilho e ela gritou entusiasmada:
- Graças a Deus! É aqui mesmo, é aqui mesmo!
E desvencilhando-se das mãos dos pais, subiu célere par uma
rua enladeirada. Foi parar em frente a uma casa, onde bateu forte na porta.
Quando o pai e a mãe de Dolores conseguiram chegar lá em cima, a menina estava
sendo recebida por um senhor, com quem conversava em estranha língua. O homem
parecia sinceramente espantado, enquanto a guria o abraçava, chorando
desesperadamente. Apareceram, depois, dois jovens, com quem Dolores também se
agarrou alucinada.
Veio um intérprete, que tentou explicar o que estava se
passando:
- Esta menina diz que é esposa do Senhor Abdul e que os
rapazes, Elias e Simeão, são seus filhos... Os senhores me desculpem, mas ela
deve estar maluca. A esposa e mãe desses homens, morreu há mais de 10 anos...
Para os pais da menina, porém, algo muito além da
compreensão estava acontecendo naquele lugar, pois a menina, que só falava
português, fazia-se entender perfeitamente na língua turca.
Depois que ela conseguiu beijar o senhor e os dois moços,
caiu desmaiada. Voltou a acordar muitas horas mais tarde, já no hotel do centro
de Esmirna. Sem lembrar-se de nada que acontecera, desde a noite da terrível
dor de cabeça. E até hoje ela só sabe que esteve doente e que seus pais fizeram
aquela viagem para curá-la. A conselho de um psiquiatra, nunca lhe deram os
detalhes do acontecido, preferindo mantê-la na ignorância dos 'inexplicáveis
acontecimentos.
Mário de Moraes
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