Viver numa democracia pressupõe respeitar as urnas, os
limites institucionais, o jogo de pesos e contrapesos entre os poderes. A
alternância no governo, que agora teremos, configura uma troca de papéis e
exige uma oposição que fiscalize e proponha alternativas, mas que saiba
conviver com o desejo expresso da maioria. Hora de deixar para trás o “nós
contra eles”. Mesmo se, como disse Ciro Gomes em relação ao PT, agora “eu sou o
eles”. Ou, como se brincou por aí, tanto pediram #elenão que acabaram ganhando
um Helenão. Ficaram cicatrizes. Por isso, o diálogo requer delicadeza.
Esse quadro acentua a importância de se expressar, opinar,
perguntar, ouvir, analisar, corrigir, sugerir. Tentar entender. Abandonar
melindres e a retórica de que a democracia corre risco se houver discordância.
Admitir fatos. Reconhecer que a corrupção não foi invenção de juízes
antipetistas. Que a nova matriz econômica de Dilma foi um desastre na ponta do
lápis, não na má vontade da mídia. Que a ONU nunca recomendou o registro da
candidatura de Lula e que nosso Judiciário não desrespeitou essa pretensa
determinação — foi só a opinião avulsa de dois peritos de um comitê.
Hora de baixar a fervura. Ir além das redes sociais. Nisso,
a relação do governo com a mídia é fundamental. Convém ser transparente. Não se
pode barrar jornalistas em coletiva, nem usar verba de publicidade para
chantagem. Para evitar curto-circuito em prejuízo do país, seria bom que o
futuro governo seguisse o exemplo recente de Sergio Moro. Se todo mundo quer
saber (e tem esse direito), o melhor é organizar uma entrevista coletiva, em
vez de chutar a primeira frase que vem à cabeça de alguém acossado por
microfones e celulares, entre jornalistas se acotovelando. Que se destine um
espaço para esse encontro. Que cada um pergunte livremente e espere sua vez.
Que o entrevistado responda com civilidade, desenvolva seu raciocínio, pese
suas palavras.
Pode não alimentar a fogueira, mas é mais útil a todos.
Precisamos disso.
O Globo, 26/11/2018
...............
Ana Maria Machado - Sexta ocupante da Cadeira nº 1 da ABL,
eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida
em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia
Brasileira de Letras em 2012 e 20
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