24 de Abril de 2018
Péricles Capanema
Para os poucos que desconhecem o significado da palavra;
mantra, originário do hinduísmo, também utilizado no budismo, é som ritual
pronunciado de forma repetida, que busca quase sempre criar um estado de paz
interior (alguns sugerem, narcotizante) em quem o cantarola ou ouve. É uma
forma de encantamento. Existem mantras para facilitar a concentração e a
meditação, para energizar, para dormir ou despertar. Há pessoas que repetem o
som, pasmem, para vibrar canais energéticos, com o fito de desobstruí-los, sabe
lá Deus o que isso possa designar. A mais, noutro aspecto, sua repetição traria
bons relacionamentos, saúde, prosperidade, dinheiro. Por aí afora.
Está lotada de mantras, saindo pelo ladrão, a campanha
presidencial no Brasil que já anda solta, apesar de oficialmente nem ter
começado. Programas, até agora, quase nada. É perigoso o quadro, abaixo
tratarei da kakistocracia.
Atrás dos votos, venham de onde vierem, os candidatos fogem
dos temas espinhosos, que podem tirá-los. Privatização é um deles. Aborto, outro.
União homossexual, mais um. Austeridade fiscal e reforma da Previdência, na
lista. A favor ou contra a possibilidade da prisão em 2ª instância, depois de
sentença de colegiado, antes do trânsito em julgado? Que amplitude dar ao foro
especial por prerrogativa de função? No máximo, generalidades sobre tudo isso.
Corrupção, era natural, virou mantra, mas se evita dizer que a presença
fortíssima das estatais na economia é caldo de cultura dela. Escutam-se aqui e
ali censuras à presença crescente das estatais chinesas na economia brasileira.
A campanha começa com generalidades desnorteantes, pode bem acabar com troca de
ofensas pessoais do mais baixo nível.
Agora, alguns mantras. Avanço (vago, todos querem avanços, —
versão adjetivada, avanços sociais —, justificativa frequente para gastos
irresponsáveis e concessão de direitos ilusórios que pouco ou nada ajudarão de
fato o povo; em geral o prejudicam no longo prazo); medidas progressistas
(expressão utilizada amiúde para atitudes na ordem política que flertam com
ditaduras sanguinárias de esquerda; na ordem moral via de regra medidas que
favorecem a desintegração moral, como facilidades maiores para a união
homossexual). Mais um, preservação de setores estratégicos (empregado para
deixar a estatização mais ou menos como está, continuando sob o domínio das
patotas partidárias gigantescos setores da economia e da máquina estatal).
Aliás, bobagem essa história de setores estratégicos na economia. Nos Estados
Unidos o petróleo, a energia elétrica, a mineração e o subsolo estão desde
sempre em poder dos particulares. Prejudicou a segurança do País? Impediu a
economia de crescer e distribuir seus benefícios para a população? Ajudou e
muito, essa é a verdade. Ênfase reformista no governo (aqui ninguém sabe o que
esse mantra quer dizer de fato).
Em linhas gerais, nessa largada todos os candidatos são
democráticos, populares, progressistas, reformistas. Como efeito a ser tido em
conta, seduz, ilude e entorpece a repetição meio atoleimada de tais slogans. No
meu caso aconteceu o contrário, impliquei. Cansei da cantilena, enfarei da
lorota, enjoei dos mantras.
Poderia esmiuçar cada um deles. Estaco em um, o regime
democrático. Ou, em outra formulação, a democracia. Diante de seu altar todos
se inclinam, reverentes e sôfregos lhe prestam homenagens subservientes, como
pagãos incultos e crédulos arqueados diante do Júpiter tronante.
Aqui, vou devagar, piso em terreno cheio de pregos e vidros,
ando em área politicamente incorreta, mas estou disposto a pingar is pelo
trajeto, atendendo ao fundamental para quem fala ou escreve: a clareza.
Simplificando, com alguma base se atribuiu a Aristóteles a
classificação dos regimes em monárquicos, aristocráticos, democráticos e
mistos, todos legítimos, com condições de buscar o bem comum. Luís Taparelli
d’Azeglio (1793-1862), tratadista do Direito Natural, vê apenas diferenças
acidentais, de quantidade, entre os regimes aristocráticos e democráticos, já
que nos últimos, de fato, nunca a totalidade dos membros da sociedade participa
dos assuntos públicos. A democracia corrompida degenera em demagogia, a
aristocracia em oligarquia, a monarquia em tirania. Lembrei teoria de forma
sumária para fixar os pontos principais da questão.
Agora, um mergulho na prática. Nossa democracia tem pouco a
ver com o governo de todos da teoria aristotélica. Na casca, nomes iguais ou
parecidos. No miolo, diferenças abissais. Nossa democracia tem caráter
oligárquico e demagógico. É partidocracia. Minorias organizadas tangem maiorias
desnorteadas, manipulando o que por aí chamam de vontade popular. Focalizando
de momento só um aspecto do quadro, vivemos na era dos robots nas
redes sociais, das fake news, dos spin doctors, afundados no ambiente
da pós-verdade.
Tal montoeira de recursos propicia a kakistocracia,
palavra nova que significa o governo dos piores. E se generaliza no povo a
descrença e o repúdio. Aqui está um motivo pelo qual nenhuma proposta de voto
facultativo avança no Congresso. O voto não obrigatório, sem o cabresto da
sanção, poria a nu a inautenticidade de nossa democracia. Desconfiada,
desinteressada ou raivosa, a maioria não iria até as urnas, o comparecimento,
quanto muito, bateria nos 30%.
E nem trato dos regimes de partido único, feição
totalitária, buscando a hegemonia, que é para onde caminha a Venezuela, nos
passos de Cuba, aplaudidas delirantemente pelo PT e alguns partidos afins.
É, estamos vendo, nossa democracia tem muita telha de vidro
na cobertura. Outras. Já no nascedouro, foi fruto de golpe militar que
incinerou a ordem constitucional. Em texto conhecido, afirmou Aristides Lobo,
ministro do primeiro governo da República: “O povo assistiu àquilo
bestificado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos
acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. Mais grave nem foi o alheamento
popular. Desde o começo plantou as raízes doutrinárias na Revolução Francesa,
fede a racionalismo e iluminismo; e pisa, por lógica incoercível, o chão
ensanguentado do Terror.
Democracia e república não são sinônimos entre si, nem são
sinônimos de liberdade. Nunca foram. Na defesa das liberdades naturais, hoje
agredidas por tudo quanto é canto, mora a questão mais séria. Para um católico
seguidor da doutrina social da Igreja, repito, o primordial são as liberdades
naturais: liberdade de cultuar o verdadeiro Deus, liberdade de buscar a própria
perfeição, liberdade de comprar e vender, de empreender, de casar, ter filhos,
educá-los. Enfim, ampla autonomia na vida pessoal, papel suplementar cabe ao
Estado.
Nosso regime democrático asfixia várias das liberdades
naturais, quando o direito seria bafejá-las, oxigená-las. Alguns poucos
exemplos. Os candidatos prometerão expandir a liberdade de empreender, tão
sufocada no Brasil? Constarão de seu programa compromissos de proteção à ordem
que constituirão obstáculos sérios a quem delas abusa? Lembro os quebra-quebras
do MST e do MTST.
Prometerão proteger o direito de os pais educarem os filhos,
criando condições que propiciem a luta contra a ideologia de gênero? É
liberdade ameaçada pela tirânica coorte dos que pretendem impor na educação e
na vida em geral tal doutrina devastadora. Parece, crescerá sem cessar ao longo
dos anos a pressão pela vitória da ideologia de gênero, em especial por
trabalho dos grandes meios de divulgação e da academia.
Tanta coisa mais haveria a dizer, mas preciso parar por
aqui. Constato com tristeza, porém estou certo de que assuntos assim —
fundamentais para nosso destino de nação cristã e civilizada —, caso presentes
nos debates, estarão de forma tangencial. A demagogia vai correr solta; se vier
enxurrada, com facilidade poderemos despencar na kakistocracia.
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