O Goleador Tindola e
O Goleiro Asclepíades
Crônica de Cyro de Mattos
O Janízaros era um dos times grandes do campeonato da
Liga. Um dos seus ídolos era o
centroavante Tindola, apelidado de “Cabecinha de Ouro”, pelo cabeceio forte que
sempre terminava em gol. Era um preto baixo, troncudo e musculoso. Fora
responsável por vitórias maiúsculas do esquadrão azul e branco quando tudo
parecia que estava perdido.
Quando o Janízaros jogava contra o Flamengo, os desportistas
na semana não falavam em outra coisa pela cidade que não fosse o duelo entre os
dois grandes times do futebol amador da Liga.
Surgiam comentários sobre o duelo à parte entre o centroavante Tindola,
o implacável goleador no cabeceio, e o arrojado goleiro Asclepíades, o que
tinha punhos de ferro e peito de aço.
Asclepíades era um preto forte, de estatura baixa para jogar
no gol, mas saltava como uma fera esfomeada para com as mãos fechadas socar a bola. Saía muito bem do gol, nas bolas cruzadas da
intermediária ou nas que vinham do
escanteio. Havia sido um dos heróis da seleção amadora da cidade, que se sagrou
campeã no Torneio Intermunicipal
Governador Antonio Balbino, disputado no Estádio da Fonte Nova, em Salvador.
Fechou o gol na última partida contra a seleção de Alagoinhas.
O centroavante Tindola não resistiu ao soco que lhe desferiu
o furioso goleiro Asclepíades no final da partida, em disputa pelo título do
campeonato. Ali mesmo na pequena área
caiu estrebuchando. Foi levado às pressas para o hospital da Santa Casa de
Misericórdia. E lá por vários dias permaneceu em observação pelos médicos de
plantão, até que acordou no oitavo, a custo de muitas injeções e massagens no
peito.
Um enfermeiro comentou mais tarde com um dos torcedores do Janízaros que o centroavante
Tindola, também exímio cabeleireiro, em
sua tenda instalada no Beco do Fuxico, teve
febre alta, suando muito quando deu entrada no hospital. O quadro era
muito preocupante. Foi levado para a unidade de terapia intensiva, sem
perda de tempo.
Quando retornou de lá para o apartamento, depois de alguns
dias conseguiu com dificuldade pronunciar as primeiras palavras. No delírio dizia com a voz trêmula:
- Eu te
perdoo, Asclepíades, meu caro amigo... mas não faça mais isso comigo... ainda
quero criar meus filhos...
Quando perguntaram
ao Asclepíades, se não estava preocupado com a situação do Tindola, que dera
para falar bobagens com os clientes, depois que saiu do hospital e retomou seu
ofício de cabeleireiro caprichoso e barbeiro de navalha hábil, na tenda “Gol
Cabeça de Ouro”, ele respondeu
que não via nada de mais no que tinha acontecido.
Afirmou com o rosto sério:
- Futebol é pra homem!” -
acrescentando: - Atacante que se cuide. Cara feia do Tindola ou
de outro jogador atrevido, metido a goleador no cabeceio, nunca me meteu medo.
E, dando uma cusparada para o lado, com aquela cara feia que
fazia quando partia para esmurrar a bola, vinda na direção do atacante, em atenta
posição para o cabeceio, finalizou:
- Na pequena área, atacante saia da frente, a bola é minha!
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro efetivo da
Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de
Santa Cruz.
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