Com a eleição de Jair Bolsonaro, chega ao fim a campanha
eleitoral mais exacerbada de nossa história, numa disputa de rejeições. Uns
festejam a vitória e tripudiam, certos de que são os bons. Outros, derrotados,
buscam bodes expiatórios e juram revanche. A poeira precisa assentar, pelo
futuro de todos.
Talvez um bom começo de reflexão nos faça constatar que, em
meio a tanta gente que votou diferente de nós, muitos (talvez a maioria)
queriam o bem do país e tempos melhores. A polarização pode não ter deixado que
se percebesse, mas muita gente não votou assim ou assado porque era comunista
ou fascista, corrupto, vendido, racista ou homofóbico — em suma, não votou em
um candidato porque ele era horrível mas votou apesar de ele representar
horrores. Ou seja, escolheu apenas para impedir o outro de chegar lá, mesmo
tendo de tapar o nariz para as características daquele cujo nome confirmava na
urna. Sem qualquer entusiasmo por sua opção, muitos só queriam deter o que lhes
parecia assustador. Votaram por pavor.
Há alguns anos, na campanha que levou um operário à
Presidência, aprendeu-se que a esperança vencia o medo. Desta vez, se constatou
que o medo se misturou à raiva e venceu a esperança, de roldão. Um medo
fabricado por estratégias de demonizar a divergência. Palavras de ordem
repetidas sem pensar, negando a realidade, impediram o exame dos fatos e a
reflexão sobre eles. Não se discutiu programa nem se vislumbrou qualquer exame
de consciência ou autocrítica. Ao longo do caminho, ficaram nomes respeitáveis,
expelidos como inúteis em tempos de moralidade duvidosa, mentira e
autoritarismo. Tempos de ouvidos tapados ao diálogo.
Agora, resta aos derrotados fazer oposição responsável, sem
querer afundar o país, mas respeitando os limites institucionais, a Lava-Jato,
a Ficha Limpa, os números e cuidando da qualidade da democracia tão esgarçada,
enquanto se enfrentam os problemas imediatos, que são tantos.
Tempo de rescaldo, que agora é cinza. Com mais de 50 tons.
O Globo, 29/10/2018
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Ana Maria Machado - Sexta ocupante da Cadeira nº 1 da ABL,
eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de Evandro Lins e Silva e recebida
em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio Padilha. Presidiu a Academia
Brasileira de Letras em 2012 e 2013.
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