(Rio de Janeiro, 1954 – promoção)
Na manhã
de domingo trabalho na redação de um manifesto – quantos redigi? -, Janaína e
João Jorge chegam do banho de mar em correria, trazem e exibem prospectos
atirados de avião sobre Copacabana e Ipanema, inundam a praia e as ruas. Entregam-me,
ficam à espera de minha reação, Janaína risonha, gozadora, João Jorge de cara
fechada, pronto para a briga.
A campanha anticomunista ganha os
céus, dois teco-tecos sobrevoam o bairro, a serviço da Liga Anticomunista,
organização presidida pelo Almirante Pena Boto – a guerra contra os comunistas
é um bom negócio, rende juros altos, como irão se arranjar agora os Pena Boto
da vida, sem o ouro de Moscou para aplicar no medo dos ricalhaços e arrancar as
verbas? Vão lastimar o fim da URSS, acabou-se o que era doce de coco, rapadura.
Militante de
base – seria mesmo de base? Nunca frequentei célula, sempre a cumprir tarefas
da direção, especiais -, escritor conhecido, a Liga do Almirante oferece-me
galardão de líder, prerrogativas de chefe: o volante na mão de Janaína, João
Jorge me entrega o dele, refere-se a este vosso criado: o texto e o desenho. Ressalta
minha notoriedade, promove-me, já me esqueci dos xingos, os de sempre, traidor
da Pátria, vendido a Moscou, capacho de
Prestes, mas me lembro do desenho: balanço-me no regalo de uma rede, dois
camaradas do Partido, amigos meus, o juiz Irineu Joffily, o advogado Letelba
Rodrigues de Brito, empunham abanos, com eles fazem mais delicioso meu
descanso, com a brisa dos leques combatem o calorão: regalias de paxá
comunista, Pena Boto reclama cadeia e processo.
Leio e
vejo, caio na gargalhada, Jana e Juca riem comigo, mas Zélia se indigna: cães
da reação, ratos de sarjeta, agentes do imperialismo, se ela encontrasse esse
tal de Pena Boto lhe diria poucas e boas. Punho fechado, lhe mostraria quem é
traidor da pátria, seu canalha! Jana e Juca recolhem o riso, empunham os
tacapes, armam-se em guerra.
-------------------
“Do sangue
derramado na luta pela posse da terra, adubo sem igual, não floresceram apenas
as roças de cacau, os frutos de ouro da riqueza, floresceu também a cultura Grapiúna,
singular. A poesia e a ficção nasceram da conquista da mata, da colonização de
sergipanos e árabes, da luta contra o feudalismo – os primeiros sindicatos
rurais do Brasil surgiram nas lavras do cacau e a lei medieval foi rompida por
moços socialistas, João Mangabeira exerceu a Prefeitura de Ilhéus.
Os coronéis
do cacau queriam orgulhar-se de filhos doutores, advogados, médicos, engenheiros,
lá fomos nós para os colégios da capital, os dos padres jesuítas, maristas,
salesianos, os leigos, o Ginásio Ipiranga de Isaías Alves de Almeida*. Nos internatos
aprendemos português e aritmética. Nas roças, nos povoados, na gestação das
cidades aprendemos a vida. Assim brotou a flor da poesia, Sosígenes Costa,
Florisvaldo Mattos, Telmo Padilha, amadureceu o fruto da ficção, Elvira
Foeppel, Adonias Filho, James Amado, Sônia Coutinho, Hélio Pólvora, Cyro de
Mattos, Euclides Neto, o árabe Jorge Medauar, o sergipano Marcos Santarrita, os
doutores do cacau, filhos dos coronéis. Sou um deles, possuo um mérito, único:
ter sido aquele que primeiro começou a contar a saga das terras grapiúnas”.
*Isaías Alves de Almeida (1888/1968), educador.
JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da
ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido
pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os
Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário