Incríveis crédulos
Incrédulos, assistimos a coisas
incríveis. Candidatos que se gabam de não entender nada do que é necessário
para governar, ou negam a existência de déficit. Ou se vangloriam de crer que é
possível gastar sem limite e que o dinheiro público (seu, meu, nosso) não acaba
nem falta nunca. Como quem acha que cartão de crédito é só uma forma de
adiamento sem fim e sem consequências, mesmo que a dívida cresça qual bola de
neve. Para eles, não basta ver para crer. Despreparados, preferem ignorar, na
atual crise, o papel desempenhado pela perda de credibilidade e de confiança no
país.
Audiências enormes seguem programas
na televisão, convencidas de que é verdade o que “testemunhas” contam sobre
curas milagrosas. Há ainda os que fecham os olhos aos efeitos trágicos sofridos
por quem arrisca a vida acreditando em promessas mirabolantes de juventude
eterna e bumbum duro, feitas por espertalhões.
E a toda hora vemos que, sem pensar
nas consequências que sofrem e sofrerão, há eleitores que continuam a crer em
juras mentirosas de políticos que se apregoam salvadores, a acenar com
obviedades que parecem bem intencionadas mas não explicam qual o plano, projeto
ou programa que será capaz de realizá-las.
Ao separar fé e fato, religião e
política, a democracia busca manter Estado e igrejas em campos diferentes. Mas
o Brasil deseduca: dá isenção fiscal para religiões, e transforma em ótimo
negócio a proliferação de igrejas e seitas. Pomos vigários e vigaristas no
mesmo saco. Estimulamos crendices e sectarismo (palavra da mesma raiz que
seita), ótimos para eleger quem vai governar só para si e os seus, com ou sem
ajuda da Márcia em reunião discriminatória no palácio do governo. Ou com
aparelhamento de órgãos públicos. Ou apadrinhamentos de todo tipo.
Acredite se quiser. Mas as palavras
revelam. Podem nos fazer pensar. E escolher melhor. Afinal, são da mesma raiz:
crer , crente , crédulo, crendice, incrível, crédito, credibilidade,
credencial.
O Globo, 06/08/2018
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Ana Maria Machado - Sexta
ocupante da Cadeira nº 1 da ABL, eleita em 24 de abril de 2003, na sucessão de
Evandro Lins e Silva e recebida em 29 de agosto de 2003 pelo acadêmico Tarcísio
Padilha. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 2012 e 2013.
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