9 de agosto de 2018
Por Luan Sperandio, publicado pelo Instituto Liberal
Em 2014, a revista britânica Nature, que é especializada em
ciência, analisou a qualidade da produção acadêmica entre diferentes países. Os
resultados dos pesquisadores brasileiros são de envergonhar qualquer um
minimamente preocupado com o avanço da ciência.
Os dados demonstram que a academia brasileira produz mais
pesquisa de baixa qualidade do que de boa – e a um custo bastante elevado. Nos
periódicos de excelência, apenas 1% das publicações é de brasileiros. Enquanto
o Brasil despendeu R$ 30 bilhões para veicular 670 artigos em revistas de
prestígio, o Chile, para pegar um exemplo latino americano, publicou 717, gastando
absurdamente 15 vezes menos. Isso faz com que a nossa relação de eficiência no
uso de recursos aplicados à pesquisa coloquem o Brasil em 50º lugar entre 53
países analisados.
A academia é um instrumento que, se bem utilizado,
impulsiona o desenvolvimento da sociedade por intermédio das inovações que os
pesquisadores descobrem. Assim, embora haja um dogma bastante presente em
nossas universidades de que qualquer forma de conhecimento é válida, é preciso
ter em mente o fato de que há um custo de oportunidade ao seguir determinadas
linhas de pesquisa.
Ao se decidir analisar a psicologia por trás de um jogo de
RPG, se deixa de pesquisar as reais motivações que levam indivíduos em boas
condições e estruturas sociais a praticarem crimes, por exemplo. Enquanto esta
produção acadêmica pode resultar em um diagnóstico que, eventualmente,
fundamente políticas públicas que possam reduzir a criminalidade, aquela está
fadada a ter um impacto social nulo.
Quem vive nos corredores das universidades brasileiras tem a
impressão de que a maior parte das pesquisas é produzida com a única finalidade
de, ao final, constar no currículo lattes do pesquisador. Além disso, qualquer
pesquisador de ponta sabe que suas preferências ideológicas não devem
atrapalhar ou contaminar análises científicas. Há uma excessiva politização em
nossos trabalhos acadêmicos, ao passo que ciência boa é aquela em que o método
possui objetividade, evitando vieses.
Há uma falta de compreensão na academia brasileira a
respeito do research design (desenho de pesquisa), que serve justamente para
estabelecer regras metodológicas robustas a fim de validar o estudo produzido.
Nesse sentido, o papel das universidades brasileiras tem sido muito mais o de
uma busca por justiça social do que de produção científica séria.
Embora não deva ser difícil para o leitor entender o porquê
de uma produção acadêmica não poder ser um fim em si mesmo ou das motivações
éticas e práticas que deveriam impedir alguém de fazer um paper acadêmico como
manifestação de sua militância ideológica, esse tipo de conduta parece ser a
regra de grande parte dos pesquisadores brasileiros.
Vale destacar que projetos ruins ganharem bolsas no Brasil é
uma questão de incentivos institucionais: pelo método de nota que a Capes dá
aos cursos de graduação, para manter nota é preciso utilizar as bolsas; caso
não sejam concedidas a nenhum pesquisador, o departamento pode a perder para
sempre. Dessa forma, alguns projetos que talvez não merecessem financiamento
são aprovados a fim de que não essas bolsas não sejam perdidas. Nesse sentido,
separei 6 exemplos de trabalhos acadêmicos que demonstram o que você andou
financiando nos últimos tempos – e que é difícil acreditar que alguém se
disporia a pagar voluntariamente por eles.
1) Você pagou por um trabalho que defende “mostrar o Cu
contra o capital”
A título de dissertação de mestrado para design, Carlos
Guilherme Mace Altmayer apresentou em 2016 “Tropicuir. (Re)existências
políticas nas ações performáticas de corpos transviados no Rio de Janeiro”. O
título é um neologismo criado pelo autor, que mistura “tropical” e “queer”
(termo em inglês utilizado para conceituar pessoas que não seguem o modelo de
heterossexualidade ou de binarismo de gênero).
No trabalho, o autor analisa diferentes representações artísticas
no Rio de Janeiro que contrariam o ambiente multicultural “em que há uma falsa
tolerância em que estamos inseridos”. Para o pesquisador, há na sociedade um
estímulo a uma série de comportamentos reprováveis, tais como a “homofobia, o
racismo, o etarismo, o colonialismo, o capacitismo, a gordofobia, a transfobia,
a lesbofobia, a bifobia e os discursos de ódio em geral”. O investigador culpa
o “contexto capitalista neoliberal” por produzir a heteronormatividade, isto é,
a marginalização ou perseguição de orientações e práticas sexuais que não sejam
hétero.
Entre os trabalhos analisados para a produção da dissertação
– apenas para citar um exemplo para o leitor entender o nível do trabalho –
está a obra do artista Kleper Reis e seu projeto “CU É LINDO”. A obra compõe
uma trilogia de trabalhos denominada “A Santíssima Trindade ou Em Nome Do Pau,
Do Cu e Da Buceta”.
Para o autor, a mídia brasileira possui um papel de controle
moral e invisibilizador das dissidências sexuais. É por isso que “A sociedade
brasileira está em crescente processo de fascistização, e que insiste em
controlar, manter e promover o autocontrole de nossos cus.”
Ao final ele propõe uma “urgente política na criação de
linguagens estético-políticas para proteger práticas artísticas” no sentido de
confrontar com uma visão binária de gênero, sendo preciso haver uma resistência
a eles.
E você, leitor, pagou essa militância tese acadêmica, porque
o autor foi beneficiário de um programa de bolsas da CAPES.
2) Você pagou para os níveis de problematização chegarem a
um jogo
World of Warcraft é um popular jogo de RPG que se passa no
universo de Azeroth. Há mais de 5 milhões de jogadores em todo o mundo, sendo
bastante famoso entre os brasileiros. Como o próprio nome sugere, trata-se de
um jogo de guerra, mas isso não o impediu de ser objeto de uma problematização
de masculinidades a título de dissertação de mestrado.
A ideia do trabalho é relativamente simples: a mídia propaga
os símbolos da masculinidade viril por intermédio de filmes, livros, revistas,
séries e jogos. “Os protagonistas masculinos possuem imagens fortes, grandes e
conquistadores”. Assim, há um endosso na formação de estereótipos, disseminando
referências e marginalizando muitos homens que não conseguem atingir esse
status hegemônico, sendo, portanto, marginalizados.
Para demonstrar isso, o pesquisador se aprofunda na
narrativa do jogo em questão para identificar as estratégias discursivas
presentes nas representações de tipos de masculinidades e identidades em dois
personagens do jogo, entendendo que eles acabam por reforçar o estereótipo de
gênero.
O trabalho é uma reflexão sobre modelos socialmente impostos
por uma sociedade patriarcal em que a supremacia masculina possui sua hegemonia
baseada na dominação. Na narrativa desenvolvida, ele fala de “Garrosh”, um orc
que, segundo o autor, possui um problema de masculinidade por causa da relação
que nunca teve perante sua figura paterna. Por ser incapaz de lidar com seus
sentimentos, o orc extravasa o que sente por intermédio de sua agressividade.
Nada mau ganhar uma bolsa para passar o semestre jogando e
problematizando um game e, ao final, receber um título de mestre em letras por
isso.
3) Você pagou para um pesquisador viver experiências sexuais
em um banheiro de rodoviária
“Fazer banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas
nos sanitários públicos da Estação da Lapa e adjacências” é uma investigação
realizada por um pesquisador que almejava o título de mestre em antropologia.
Por quatro anos, o pesquisador frequentou banheiros públicos
da cidade de Salvador para observar o comportamento de homens que se
relacionavam sexualmente com outros homens nesses espaços.
O autor da dissertação relata que o hábito de relacionar-se
sexualmente com homens aleatórios em banheiros públicos acompanhou sua
sexualidade desde quando mais jovem. Assim, decidiu investigar o caso por meio
de metodologia autoetnográfica, o que significa que foi baseada na experiência
pessoal do pesquisador. Ao longo de 118 páginas, ele narra vários encontros
sexuais que observou e que ele próprio viveu. O objetivo? “desmarginalizar esse
tipo de comportamento” para que as pessoas perdessem o preconceito em relação à
prática sexual em determinados locais públicos.
A Capes financiou a pesquisa em cerca de 20 mil reais e, ao
final, o autor obteve o título de mestre em antropologia na Universidade
Federal da Bahia.
Após críticas recebidas pelo trabalho, diversas entidades
educacionais de antropologia e grupos de estudos de sexualidade divulgaram
notas de apoio à pesquisa – o que diz muito mais sobre a comunidade científica
brasileira que sobre a qualidade do trabalho.
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