A marcha do progresso
Essas histórias,
ele Carlos Sousa, ouvira de Basílio Oliveira, filho de Militão Oliveira, quando
um dia perguntara a Basílio por que não tinha medo de balas.
E Basílio,
aquele que brigou com os Badarós, disse-lhe: Nasci no meio de balas. Meu pai
trabalhava na mata, com a arma de fogo junto. Naquele tempo a gente aprendia a
pedir a bênção ao pai, fazer o sinal da cruz e a apertar o gatilho da espingarda.
Sem isto ninguém aguentava nas matas bravas do cacau. E narrava-lhe: entre os anos de 1860 e 1899, Tabocas cresceu
apesar das lutas e dos conflitos. Um povoado que se fez por si mesmo, sem lei,
e sofrendo a dura influência do banditismo que imperava no município ilheuense,
sob o domínio de Gentil de Castro. Terra de gente valente, nunca deu para trás.
Jamais recuou
sempre teve chefes decididos nas brigas e no trabalho. Gentil de Castro, de
Ilhéus, por exemplo, atacou a fazenda Alegrias do Coronel Manuel Pancrácio
Pereira Pinto, intimando-o a passar-se para as fileiras do Partido Liberal. Mas
quando tentou atacar a fazenda de Henrique Alves topou tempo duro: Henrique
Alves amoitou-se e enfrentou o valente de Castelo Novo, que recuou. Nesse mesmo
tempo Maximiano de Oliveira, o velho Maxi, cantava na viola:
“Chore quem chorar
Ria quem sorrir
O outeiro da Palha
É do velho Maxi”.
Havia lágrimas,
mas havia alegrias. Noites se passavam ao som da viola, das cantigas e das
danças. Noites se passavam ouvindo o som dos tiros.
Com essas
alternativas, do som das violas e dos tiros das repetições, os Itabunenses elaboravam
a sua tarefa, construíam a riqueza da terra, plantavam cacau.
Ao raiar
do século, as dificuldades do povo aumentavam, as riquezas também.
A consciência
popular começava a protestar contra a Câmara de Ilhéus, que não fazia nada, até
parecia que odiava o distrito. Não era mais possível que continuasse um
distrito oprimido, explorado pelos fiscais, em número de cinco, na cobrança de
impostos. Seiscentos réis pagava de imposto um saco de cacau e, por cima de
tudo, o povo humilhado pela jagunçada dos mandões. Precisava de correio e não
tinha, uma carta custava dez mil-réis, os tropeiros haviam subido o frete do
cacau de três para oito mil-réis, por causa da desgraçada estrada do Banco da
Vitória, que matava burros, aleijava burros, arrebentava os tropeiros e exigia
três dias de trabalho em cada viagem de cacau.
O distrito
solicitou uma escola e nomearam um alfaiate como professor, que matava as
crianças de pancada. A crise do comércio, por falta de dinheiro, desesperava. Os
negociantes de Salvador não estavam remetendo numerário, assombrados com a
ordem pública. A coisa não andava boa. O engenheiro José da Silva Matos tomou
uma cacetada à noite, ao sair à rua depois do espetáculo da artista Mariana das
Neves, que estava enlouquecendo os homens da terra. Misael Tavares sofreu um
atentado à bala, que matou o seu pajem de nome Eusébio Cardoso.
Não havia garantias.
Havia trabalho e audácia, decisão e tenacidade. Luta de vida e morte, na
construção do patrimônio. Não existia um sinal de administração pública. Os porcos,
as cabras, os animais andavam soltos no comércio, sujando tudo, invadindo as
casas. A Rua da Lama com as suas setenta casas comerciais se achava
intransitável, uma miséria, um atoleiro
de fora a fora. Por outro lado, a febre grassava, danada, matadeira, inclemente.
Apareceu um
boletim manuscrito que dizia: O nosso presente é terrível, nosso futuro se
afigura medonho. O Conselho de Ilhéus não faz nada. Só faz é perseguir o povo
de Tabocas e negou o pedido para o distrito passar a vila. No outro dia
prenderam o filho de Aureliano – o pintado – como autor do boletim. Uma semana
depois, o Alferes Cupertino tomou dois tiros à queima-roupa do filho de
Aureliano, que fugiu, mas foi preso e assassinado.
Os homens
brigavam, se matavam, e os cacauais cresciam e, com eles, o povoado que, nessa
época, entre 1900 e 1902, possuía seiscentas casas.
Em outras
partes do País os trabalhadores sofriam pela pobreza, pela falta do que fazer;
nas terras de Tabocas, sofriam pela ânsia de enriquecer ligeiro.
(TERRAS DE ITABUNA)
Carlos Pereira Filho
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