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Brincando de “Meu” (Parte Final)
Perguntou à empregada. Soube então que estavam com o
Ricardo, brincando lá em baixo. Botou as mãos na cabeça: “Meu Deus!” E saiu
correndo à procura delas. Chegando à área, onda a garotada costuma brincar,
sentiu-se aliviada. Estavam ali, os três muito felizes, como se fossem velhos
conhecidos. O mundo ainda não os havia contagiado. Ricardo, Sérgio de Marina
divertiam-se. Não lhes importavam a diferença das roupas. Ricardo, menino rico,
mas que vivia tão atarefado com as atribuições impostas, não tinha tempo para
brincar. Vibrava com os amiguinhos. Estes também, pouco brincavam. Onde moravam
estavam sempre tentando fazer algum biscate para ganhar dinheiro.
Encontravam-se, portanto, pelo menos neste aspecto, em igualdade de
circunstância. A brincadeira estava muito animada. Lígia ficou com pena de
interromper. Brincavam nas gangorras, nos balanços. Depois de esconde-esconde,
de bola, etc. Lígia pacientemente esperava. Mas resolveu olhar o relógio: “Meu
Deus! 11h e 45min. Tenho que ir”. Foi uma dificuldade para conseguir tirá-los
Dalí. Se o Ricardo não queria, os visitantes muito menos...
- Vamos! Sua mãe deve estar preocupada.
- Ela não é nossa mãe, mora perto da gente.
Depois que conseguiu convencê-los, saiu apressada e preocupada. As crianças olhavam com muita pena de tudo que estava a sua frente. Parecia que estavam dando adeus. Sabiam que tão cedo não teriam um dia igual àquele.
- Deus lhe pague dona, a senhora foi tão boa!
Lígia deu risada e segurando a mão de cada um seguiu em frente. Andava muito apressada, as horas pareciam voar. Olhou de longe, não conseguiu ver a Antonia. Apressou mais o passo.
Chegou em frente à
igreja e lá não estava Antonia. As crianças começaram a chorar.
- Dona, não leva a gente para o juiz – disse o Sérgio.
- Dona, não leva a gente para o juiz – disse o Sérgio.
- Não se preocupem se não encontrarmos a Antonia eu levarei vocês até sua casa. Vocês sabem o nome da rua onde moram?
- No Jacarezinho. Não sabemos ir sozinhos.
Lígia só pensava em Therezinha. Realmente. Ela estava esclerosada. Pensou: ”E agora, o que vou fazer?”.
As crianças começaram a chorar. Apesar de muito pobres, não saíam sem a mãe. Tudo que faziam era em volta de sua casa.
- Dona, pelo amor de Deus não bota a gente no orfanato – disse Marina, que parecia bem mais nova do que Sérgio.
Lígia, já nervosa e impaciente, respondeu:
- Já disse que levo vocês em casa. Não é preciso chorar.
Sérgio chamou a atenção de Marina:
- Deixa de besteira, menina. A muié não disse que leva nós?
Resolveram ir para a praça. Olharam por todos os cantos, de um lado e do outro da praça. Não viram nem sombra de Antonia. Lígia aflita pensava: “Eu não tenho jeito. Procurei sarna para me coçar”.
Mas de qualquer forma, valeu. Vou até em casa, ligo para o escritório do Arnaldo. Ele vai ficar danado comigo. Não importa, o motorista vai levar as crianças no Jacarezinho. E se elas não conseguirem orientar o motorista? Meu Deus! Em que fui me meter. Atravessaram a rua e mais uma vez constataram que Antonia não estava no lugar combinado. A igreja ainda estava aberta. Entraram. Estava terminando a missa das onze horas. Havia muita gente. Ficaram esperando que as pessoas saíssem. Entraram. Lígia ajoelhou-se para rezar. As crianças, sentadas, olhavam para todos os lados, na esperança de encontrar Antonia.
- Ói dona Antonia ali com o Marcelinho – disse o Sérgio.
Lígia levantou-se e olhou na direção para onde o menino apontava. De fato, Antonia estava sentada num canto da igreja, com o filho no colo. Ambos dormiam a sono solto. Radiantes, Lígia e as crianças aproximaram-se de Antonia. Ao mesmo tempo o rapaz encarregado de fechar a porta chegou e foi dizendo:
- Vamos saindo. Preciso fechar a igreja.
Os meninos acordaram Antonia. Ela acordou rindo muito.
- Dormi. Foi tão bom! Esta noite quase não dormi, porque José estava de porre. Estava sonhando que tinha um carro. Neste momento, ia entrar no carro. Que azar! Pra que chegaram agora?
- Sinto muito, mas a senhora terá que levá-los daqui – disse o rapaz já impaciente.
- Não precisa se aborrecer, moço. Nós ‘já vai’.
Ao chegar em casa Lígia foi recebida com muita censura.
- Mãe! Isso é coisa que você faça? Sabe que horas são? Uma
hora! Você saiu antes das doze. Já ia telefonar para papai. Ainda por cima
recebi um telefonema da costureira. Não vai poder dar o vestido para o
coquetel. Vou precisar sair para comprar um vestido. O Ricardo adorou os
pivetes. Sabe o que me disse? Que gostaria de ser amigo deles. Hoje já perdeu a
aula de inglês e vai chegar atrasado no colégio. Eu mesma vou ter que levá-lo.
O motorista está com papai.
A empregada veio chamá-las para o almoço. Sentaram-se os três à mesa. Lígia não estava com fome. Os acontecimentos do dia a abalaram.
A empregada veio chamá-las para o almoço. Sentaram-se os três à mesa. Lígia não estava com fome. Os acontecimentos do dia a abalaram.
Vovó, quando você vai trazer novamente Sérgio e Marina? Eles são legais. São pobres, mas são bacanas. Eles só vão à escola uma vez, à tarde. Não são que nem eu. Tenho o dia todo ocupado.
- Viu o resultado da sua brincadeira? Será que não aprende? Você se lembra daquilo que vovó dizia: “cada macaco no seu galho”?
Lígia não respondia nada. Os argumentos da filha eram tão distantes dos dela. O silêncio era a melhor maneira de defender-se. No final do dia, resolveu ir à praia. Ia assistir ao pôr-do-sol. Ver o mar. Era o seu Valium. Olhando o mar, o céu, o sol, seus companheiros inseparáveis, refletia: “Marina e Sérgio têm razão”. A vida é uma brincadeira. A cada momento, dizemos: minha casa, meu carro, meu marido, meu filho. Até às coisas que pertencem à comunidade empregamos o possessivo: meu banco, minha igreja. O homem vive numa brincadeira, num jogo. Até quando? “É bom enquanto dura”. Na volta resolveu passar na padaria. Já estava bem melhor.
- Dona, me dá um cruzado. – Lígia, contente porque podia satisfazer aquele pobre, abriu a carteira e lhe deu o dinheiro.
- Deus lhe dê o troco, - disse o pedinte.
Lígia sorriu. Era o que precisava ouvir naquele exato momento:
“Deus lhe dê o troco”.
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