06/03/2017
Arma-se no Tribunal Superior Eleitoral uma grande encenação.
Envolve o processo sobre a reeleição de Dilma Rousseff e Michel Temer. Suas
páginas estão apinhadas de provas do uso de recursos ilícitos na campanha
vitoriosa de 2014. As evidências tocam fogo na Presidência-tampão de Temer.
Para ocultar as manobras que visam salvar o mandato do subsituto de Dilma,
ninguém grita incêndio dentro do teatro. Mas a inclusão dos depoimentos de
delatores da Odebrecht no processo mostra que, às vezes, torna-se inevitável
gritar teatro dentro do incêndio.
Nesta segunda-feira, o ministro Herman Benjamin, relator do
processo, interrogará mais dois ex-executivos da Odebrecht: Cláudio Melo
Filho e Alexandrino de Salles Ramos de Alencar. Com isso, Benjamin fecha a
série de cinco oitivas de colaboradores da empreiteira. Os depoimentos
forneceram dados que complicam a vida da turma do deixa-disso. Agora, quem
quiser se fingir de cego para livrar Temer da cassação terá de fechar os olhos
para as propinas que ajudaram a reelegê-lo.
Ao julgar o processo, o TSE não decidirá somente contra ou a
favor da interrupção do governo Temer ou da inelegibilidade de Dilma. Os
ministros votarão para saber de que matéria-prima é feita a Justiça Eleitoral.
Prevalecendo o conchavo, os colegas de Benjamin terão de fazer contorcionismo
retórico para justificar um incômodo paradoxo: depois de transformar a
auditoria nas contas da chapa Dilma—Temer num marco histórico, o TSE jogará o
trabalho no lixo. Em nome da estabilidade da República, manterá a tradição de
cassar apenas vereadores, prefeitos e governadores de Estados periféricos.
Inicialmente, tramava-se a separação das contas de Dilma e
Temer, sob o pretexto de que apenas as arcas da campanha de madame receberam
verbas sujas. Como os votos que o eleitorado deu para Dilma são os mesmos que
fizeram de Temer seu substituto constitucional, aceitar a tese da segregação das
contas poderia levar à desmoralização. Ficaria claro que, sob o exterior meio
idiota de um magistrado disposto a engolir esse lero-lero, se esconde um débil
mental completo.
Dentro e fora do TSE, os operadores de Temer agarraram-se a
um novo lema: “Nunca deixe para amanhã o que você pode deixar hoje.”
Trabalha-se agora para enviar o julgamento às calendas. Algo que talvez leve a
plateia a se perguntar: para que serve a Justiça Eleitoral? Se o TSE chegar a
esse ponto, como parece provável, potencializará a impressão de ter perdido a
sua função.
Os partidários do resgate de Temer alegam que o TSE não pode
ficar alheio à conjuntura política e econômica. O risco de mergulhar o país
numa turbulência que ameaçaria a tímida recuperação da economia justificaria um
olhar atenuatório sobre as culpas e as omissõers de Temer.
Recorda-se, de resto, que a cassação de Temer desaguaria
numa eleição indireta para a escolha do seu substituto. Como prevê a
Constituição, caberia ao Congresso, abarrotado de parlamentares enrolados no
petrolão, apontar o nome do próximo presidente. Paradoxo supremo: para fugir da
lama congressual, finge-se que a podridão da campanha não existiu.
Se a sensibilidade auditiva fosse transportada para o nariz,
as pessoas, ao ouvir o burburinho por trás das portas de certos gabinetes
brasilienses, sentiria um mau cheiro insuportável. É um odor típico dos
processos de decomposição. Para salvar Michel Temer, o Tribunal Superior
Eleitoral terá de se matar.
http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2017/03/06/para-salvar-michel-temer-tse-tera-de-se-matar/
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