27 de dezembro de 2017
Santiago Fernandez
Nos países católicos há uma imensa variedade de pratos e
bolos que se preparam somente para o Natal. Nesse ponto os italianos acabaram
passando na frente de todos os outros ao criarem o universalmente conhecido e
cobiçado “panettone”.
De onde ele vem?
Discute-se fortemente na Itália sobre a sua origem. Todos
concordam que nasceu na região de Milão.
Segundo uma versão, o panettone apareceu pelo fim do
século XV num banquete oferecido pelo tempestuoso duque Ludovico Sforza,
dito “o Mouro”. O ajudante de cozinha, de nome Toni, encarregado de vigiar o
forno durante a preparação da sobremesa, teria dormido. E quando acordou ela
estava queimada!
Para se salvar da ira do colérico duque, ele apanhou então
tudo o que sobrara na cozinha e misturou, para produzir um pão “enriquecido”
que fez as delícias de todos. Essa obra-prima passou para a posteridade como o
“pão de Toni”, que acabou dando em “panettone”.
Mas há outra versão: o jovem nobre Ughetto degli Atellani,
que desejava casar-se com Algisa, filha do padeiro Toni, teria conseguido ser
contratado pela padaria, onde concebeu o famoso pão de Natal para conquistar a
moça.
Outra versão ainda é aquela segundo a qual Sóror Ughetta —
cujo nome significa passa — teria comprado com suas últimas moedas
algumas passas e frutas cristalizadas para acrescentar a seu pão de Natal,
levando assim um sorriso às irmãs de seu convento.
O fato histórico incontestável é que, entre outras coisas,
na Idade Média nasceu o costume de comemorar o Natal com um pão que fosse
melhor do que o quotidiano. Até 1395 os fornos de Milão só podiam assar
esse pão no período natalino, e ele era marcado com frequência com uma cruz.
“Pandoro” de Verona
“Panforte” de Siena
Em Veneza, o “panettone” vem acompanhado de um creme de
frutas cristalizadas. Há ainda o “pandolce” de Gênova, um pouco mais compacto,
bem como o “panforte” de Siena, feito com especiarias e sem farinha, com a
massa consolidada com mel, pimenta e canela.
O sul da Itália aplicou sua inspiração ao “panettone”, que
vinha do Norte, acrescentando-lhe delícias que são inéditas nas regiões frias:
laranja, limão, pistache, bergamota e o licor limoncello.
O “panettone” de Nápoles é feito com laranjas cristalizadas
de Amalfi e limoncello. Em Siracusa, ele vem com chocolate, pistaches,
laranjas cristalizadas da Sicília e passas de Pantelleria. Todos eles em geral
têm preços acessíveis.
“Christmas pudding” inglês
Deixando agora a Itália e passando a outros países, os
britânicos preparam o tradicional “pudding”, oriundo da Idade Média. Segundo
instrução da Igreja Católica, ele “deve ser feito no domingo após a festa
da Santíssima Trindade, que neste ano de 2017 foi celebrado em 18 de junho. É
preparado com 13 ingredientes para representar Cristo e os 12 Apóstolos, e
todos os membros da família devem dar uma mexida em sua massa durante a
preparação, um de cada vez, de leste a oeste, a fim de homenagear os Reis Magos
e sua suposta jornada nessa direção”.
Por sua vez, os belgas degustam os chamados “cougnoles” ou
“cougnous”, pães do tipo brioche cujo tamanho varia entre 15 e 80 cm, com
a forma de um presépio que acolhe uma imagenzinha do Menino Jesus.
“Christstollen” alemão
Os alemães preparam o “Christstollen”, bolo muito denso
perfumado com especiarias e recheado com frutos cristalizados e passas, assado
numa forma especial.
Os espanhóis no Natal preferem o “turrón”, uma massa feita
com amêndoas e mel. Ele tem muitas variantes: com chocolate, nozes, frutas
secas etc.
Os franceses comemoram com a “bûche”, literalmente pedaço de
lenha, que suscita todo ano um verdadeiro concurso para ver quem é o
“pâtissier” que concebe a variante mais criativa.
“Büche de Noël”
Durante séculos, as famílias francesas acendiam na noite de
Natal um pedaço de lenha de árvores frutíferas como cerejeira, ameixeira,
macieira ou oliveira, ou de madeiras nobres ou comuns. Ficou conhecida como a
“bûche de Noël”.
A família aquecida por esse fogo se reunia para a Ceia de
Natal entoando canções. Com o tempo entraram novos sistemas de aquecimento e as
velhas lareiras foram se apagando.
Mas eis que a “bûche de Noël” se transformou em uma
obra-prima da pâtisserie francesa, a sobremesa indispensável nos
lares da França nos dias abençoados do Natal. É difícil conhecer o autor do
prodígio, embora talvez tenham sido muitos, guiados em diversas partes pelo
instinto católico, pela tradição e pelo bom gosto.
Fala-se que um aprendiz de Paris, que trabalhava numa
chocolataria do aristocrático bairro de Saint Germain des Prés, teria sido o
autor da ideia. Os palacetes do bairro eram habitados por nobres ligados a seus
castelos, erigidos muitas vezes em bosques e em contínuo contato com a
agricultura e as tradições locais.
Como esses nobres não encontravam suas rústicas, mas
abençoadas “bûches de Noël” na refinada Paris, então o aprendiz concebeu um
doce em forma de lenha para lhes aplacar a saudade inspirada pela fé.
Segundo outros, o famoso bolo foi inventado em Lyon por
volta de 1860. Há os que defendem que Pierre Lacam, pasteleiro e sorveteiro do
príncipe Carlos III de Mônaco, teria concebido a primeira requintada “bûche” em
1898.
Quem quer que seja o seu inventor, nas proximidades do Natal
a “bûche de Noël” aparece nas pâtisseries da França em forma de
sorvete ou bolo, sendo avidamente procurada pelos espíritos amantes da família,
da tradição e da Cristandade.
Na Córsega ela é forçosamente feita à base de castanhas,
embora as fórmulas e apresentações sejam inumeráveis, de acordo com a
preferência das famílias, dos padeiros, dos confeiteiros de cada região,
cidade, rua ou loja.
“Galettes des rois” da França
Já no início de janeiro as vitrines das pâtisseriesde
Paris se enchem de “galettes de rois”, conta “Le Petit Journal”. O nome — como
o de tantos produtos culinários franceses — não tem tradução, mas alguns
tentaram “bolo dos reis”. Ele é vendido com uma coroa especial. Em 2014, entre
85% e 97% dos franceses diziam comê-lo na festa da Epifania, ou Reis. As
receitas, acompanhamentos e formas são incontáveis, em geral redondas. Quando o
“bolo dos reis” contém o apreciado marzipã, é chamado de “parisiense”; com
frutas abrilhantadas é o bordalês.
Em Portugal, ele é feito de um modo especial e recebe o nome
de “Bolo Rei”, designação que sublevou sem sucesso muitos revolucionários
igualitários e republicanos. Existem receitas semelhantes na cidade
norte-americana de Nova Orleans, na Bélgica, no México (“rosca”), na Grécia
(“vassilopita”) e na Bulgária (“pitka”), para só citar algumas.
Voltando à França, o mais típico é que a criança mais nova
sentada à mesa se encarregue de cortar a “galette des rois” e distribua um
pedaço para cada um. Em alguma parte do bolo há uma fava, também chamada
“rei”, que faz a alegria da mesa.
A fava respeita a forma de sua humilde semente original, mas
depois passa a ser substituída por pequenos objetos simbólicos imaginosos, como
lâmpadas douradas e outros. O fato é que quem recebe o pedaço com a “fava” é
chamado de “rei”, ganha a coroa que veio com o bolo e deve beber em uma taça
especial, enquanto os demais cantam “o rei bebe, o rei bebe”, em meio ao gáudio
geral.
Aliás, nos bons tempos partia-se a “galette” de acordo com o
número dos presentes mais um. Esse pedaço excedente era chamado “a parte do Bom
Deus”, ou “a parte da Virgem”, ou “a parte do pobre”, e era destinado ao
primeiro pobre que fosse bater à porta do lar.
O costume comemora a festa da Adoração do Menino Jesus pelos
Reis Magos, ou Epifania, celebrada em 6 de janeiro. A Epifania comemora
precisamente a chegada de Melchior, Gaspar e Balthazar, conduzidos pela
milagrosa estrela.
Na Espanha, os Reis Magos são muito mais importantes para as
crianças do que Papai Noel. São eles que trazem os presentes na noite de 5 para
6 do janeiro, depositando-os sobre os sapatinhos infantis deixados na sacada ou
na lareira.
É normal que o fato seja comemorado com um bolo. É o
denominado “Roscón de Reyes” em forma de coroa, o qual introduz uma variedade
grande em relação à “galette des rois” francesa.
Foi só no mundo católico que a ação multiforme da graça do
Espírito Santo inspirou uma tão larga variedade de pães simples, mas
deliciosos, próprios a elevar os espíritos e a fortalecer o corpo nos gaudiosos
dias do nascimento do Redentor.
Procure-se entre os protestantes ou nos decaídos países
pagãos e veja se eles criaram uma variedade análoga de uma iguaria saborosa e
inocente, tão de acordo com o espírito sobrenatural do Natal católico.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário