O candomblé que virou cidade
Sobre Anastácia e seu candomblé em Estreito D’ Água quero informar ao leitor que foi
devido aquela casa de feiticeiros que ali se aglomeravam grande número de
pessoas, uns para procurar remédio para si, ou pessoas suas, outros para saber
de sua sorte e ainda fazer e desmanchar feitiço, casamentos e separações de
corpos. Anastácia precisou fazer um enorme barracão dentro da mata para os
casos de esconderijo de moças roubadas, mulheres casadas, etc. o volume de
negócios e lucros cresceu a ponto de haver quem se lembrasse de construir
casinha à beira da estrada perto daquele candomblé, para aluguel, para abrigar
centenas de pessoas que para ali afluíam pela fama do candomblé. Para tanto,
foi preciso que o capitão Caboclo cedesse a beira do rio, terreno de sua
propriedade. Não tardou para o terreno se encher de casas, começando o arraial
de Estreito D’ Água
Foi também
edificado um casarão aberto para pouso de quem subia ou descia com tropas, com
o nome de rancharia. Surgiu o comércio local de madeira tal que os produtos
vindos do sertão eram ali vendidos em larga escala, como carne-de-sol,
toucinho, farinha, feijão, requeijão, manteiga, por ser um centro de grande
população. Não tardou para os poderes constituídos instalarem suas cobranças de
impostos dos transeuntes comerciais através de coletoria estadual e das
subprefeituras municipais.
Em 1927, o
Cel. Henrique Alves, intendente de Itabuna, teve notícias de fatos deprimentes
praticados pelo candomblé de Anastácia e mandou acabar com aquele feiticismo.
Anastácia, para não ser presa, teve que fugir para Salvador, de onde jamais
voltou. Entretanto, Estreito D’ Água não parou o seu crescimento e
desenvolvimento. Após a retirada de Anastácia, Temístocles Lisboa, mais
conhecido como capitão, tomou a si o
desejo de tornar aquele arraial numa próspera cidade. Para isto facilitava
terras e material de construção a todo aquele que quisesse construir, e aproveitando uma Santa Missão que ali foi
realizada, em 1928. Caboclo e demais representantes daquele arraial mudaram seu
nome para Vila de Itaúna.
Vila de
Itaúna, lendária, foi no passado o maior
centro de malfeitores e assassinos de todas as espécies. Foi ali que Edwirgem
Kanassu instalou o seu último quartel-general onde foi assassinado por
Thedorinho. Local, onde Quintino Marques, general-em-chefe das forças armadas
do Dr. Gileno Amado, residia e distribuía ordens. Ali o Ferreira e sua mulher
matara Joãozinho, seu maior amigo para roubarem dele 15 contos de réis e depois
o enterram dentro de um quarto da casa. Mais tarde, aquele mau cheiro tomou
conta da casa e eles tiveram que arrancar aquele corpo já putrefeito, e foram
enterrá-lo novamente na beiro do rio. Nesta oportunidade, um pé do morto largou
com sapato, e pela manhã foi encontrado
por um menino e daí a pista para se encontrar Joãozinho há 15 dias
desaparecido. Descobertos os criminosos,
mulher e marido foram interrogados e confessaram que mataram Joãozinho para lhe
roubarem 15 contos de réis que ele tinha amarrado na cintura em uma lona. Com
aquele dinheiro eles comprariam material para fazer dinheiro. Perguntado: “Que
dinheiro vocês fabricam?”. “Nós
fabricamos os cinco mil réis da asas do avião de santos Dumont”. “existem
alguns prontos?”. “Temos já prontos para passar cem moedas”. “Onde estão?”.
“Estão guardados em casa”. A esta altura a polícia leva-os em casa, e ali
estavam cem moedas prontas, ipsis verbis, que “junto às verdadeiras não havia
nenhuma diferença”. Presos e processados pela Justiça de Itabuna, vão a júri e
ele pega 30 anos de prisão celular e ela é absolvida porque seu amigo dissera
que ela não tinha ajudado a matar Joãozinho, apenas sabia do plano e ajudou a
sepultá-lo. Dizem que após certos tempos, aquele sentenciado especializou-se
tanto em inventos que foi comutada a sua pena e retirado para trabalhar em
setores industrializados.
Falando
ainda sobre a vila lendária de Itaúna, quero dizer aos leitores de minha
história que os fatos acontecidos ali, não foram somente os aqui citados. Temos
mais os de Antônio Mineiro, Pedro Dantas e Bigode de Ouro e a registrar a vinda
para aquela sinistra vila da Chapada de Dimas, aquele que roubava para dar aos
pobres e que ressuscitou em Itaúna. Nomeado coletor estadual, Dimas de Itaúna,
continuou naquela vila que passou para cidadania de Itapé e por duas vezes foi
às urnas livres de Itaúna, sendo eleito prefeito, não obstante sua lenda
através do seu passado. Com a morte do seu parceiro que a eternidade precisava
de sua presença, lá se foi Dimas atrás do amigo para formar sua diretriz
política na eternidade, traçando um plano para subirem até o céu ou voltaram à
terra com as honrarias do passado. (É tarde, lá eu quero vê-lo carregando
macadame* para encher caminhões).
De
referência ainda a Itapé, continua sem solução o crime do Atola Tamanco, do
vendião de pão. Em Itapé, em dias de matança de gado, primeiro sai a vaca ou o
boi laçado e na rua lhe são furados os dois olhos de ferrão. Depois cortam-se
as orelhas, os beiços e até a língua da rês. Certo dia estava ali o fiscal da
Lei de Proteção ao Animal que vendo aquilo, perguntou a um vaqueiro: “Por que
fazem assim com o animal?”. Responderam: “É cinema para os pobres assistir, já
que eles não pode ir assistir o cinema, vê aqui de graça”. Aquele fiscal
indignado, voltou a Itabuna, esteve com o Dr. Fontes, o juiz da Comarca e lhe
narrou aquele fato, tendo aquele juiz, mandado tomar todo o ferrão daqueles
indesejáveis magarefes, em número de 10 e detê-los.
Um certo
prefeito de Itapé ao assumir o cargo ordenou a seus fiscais: “Todo animal que
vocês encontrarem solto na rua, prenda-o a minha ordem, e ponha-o no curral do
Conselho, quando aparecer o dono cobre-se 50 cruzeiros, e os que não forem
procurados por invalidez deixe-o por lá morrer”. Aquele fiscal da Lei de
Proteção do Animal teve notícia da
ordem, foi ao curral, e lá o funcionário lhe confirmou: “Ontem morrerem seis
jegues e uma jega com o jeguinho, de fome e sede”. O fiscal procurou o prefeito
e lhe perguntou se sabia que os animais presos à sua ordem, o Curral do
Conselho estavam morrendo de fome e
sede. Respondeu: “Sei”. “E o senhor ignora a Lei de Proteção ao Animal?”.
Respondeu: “Venha em termos”, e deu as costas ao fiscal. O fiscal foi a Itabuna
tomar providências para por termo naquela injustiça, quando é procurado por um
vereador que se propôs resolver o despotismo do prefeito e acabar com o
suplício aos animais. “Vejam só, quando é que Itapé toma o caminho da
civilização?”. Desse modo, Deus, vendo que aquele lugar não devia continuar,
mandou que o rio Cachoeira o destruísse, e assim, em 67, foi mais da metade da
cidade destruída, com outra enchente igual a de 68 e 69. Porque aquilo foi
começado mal e será acabado pelo mal!
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*Macadame - mistura de areia e cimento usada para pavimentar ruas.
(TERRA, SUOR E SANGUE – LEMBRANÇA DO PASSADO – HISTÓRIA DA
REGIÃO CACAUEIRA - Cap. XIV)
José Pereira da Costa
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