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quarta-feira, 11 de outubro de 2017

O CANDOMBLÉ QUE VIROU CIDADE - José Pereira da Costa


O candomblé que virou cidade 

            Sobre Anastácia e seu candomblé em Estreito D’ Água quero informar ao leitor que foi devido aquela casa de feiticeiros que ali se aglomeravam grande número de pessoas, uns para procurar remédio para si, ou pessoas suas, outros para saber de sua sorte e ainda fazer e desmanchar feitiço, casamentos e separações de corpos. Anastácia precisou fazer um enorme barracão dentro da mata para os casos de esconderijo de moças roubadas, mulheres casadas, etc. o volume de negócios e lucros cresceu a ponto de haver quem se lembrasse de construir casinha à beira da estrada perto daquele candomblé, para aluguel, para abrigar centenas de pessoas que para ali afluíam pela fama do candomblé. Para tanto, foi preciso que o capitão Caboclo cedesse a beira do rio, terreno de sua propriedade. Não tardou para o terreno se encher de casas, começando o arraial de Estreito D’ Água

            Foi também edificado um casarão aberto para pouso de quem subia ou descia com tropas, com o nome de rancharia. Surgiu o comércio local de madeira tal que os produtos vindos do sertão eram ali vendidos em larga escala, como carne-de-sol, toucinho, farinha, feijão, requeijão, manteiga, por ser um centro de grande população. Não tardou para os poderes constituídos instalarem suas cobranças de impostos dos transeuntes comerciais através de coletoria estadual e das subprefeituras municipais.

            Em 1927, o Cel. Henrique Alves, intendente de Itabuna, teve notícias de fatos deprimentes praticados pelo candomblé de Anastácia e mandou acabar com aquele feiticismo. Anastácia, para não ser presa, teve que fugir para Salvador, de onde jamais voltou. Entretanto, Estreito D’ Água não parou o seu crescimento e desenvolvimento. Após a retirada de Anastácia, Temístocles Lisboa, mais conhecido como capitão, tomou a si  o desejo de tornar aquele arraial numa próspera cidade. Para isto facilitava terras e material de construção a todo aquele que quisesse construir,  e aproveitando uma Santa Missão que ali foi realizada, em 1928. Caboclo e demais representantes daquele arraial mudaram seu nome para Vila de Itaúna.

            Vila de Itaúna, lendária,  foi no passado o maior centro de malfeitores e assassinos de todas as espécies. Foi ali que Edwirgem Kanassu instalou o seu último quartel-general onde foi assassinado por Thedorinho. Local, onde Quintino Marques, general-em-chefe das forças armadas do Dr. Gileno Amado, residia e distribuía ordens. Ali o Ferreira e sua mulher matara Joãozinho, seu maior amigo para roubarem dele 15 contos de réis e depois o enterram dentro de um quarto da casa. Mais tarde, aquele mau cheiro tomou conta da casa e eles tiveram que arrancar aquele corpo já putrefeito, e foram enterrá-lo novamente na beiro do rio. Nesta oportunidade, um pé do morto largou com  sapato, e pela manhã foi encontrado por um menino e daí a pista para se encontrar Joãozinho há 15 dias desaparecido.  Descobertos os criminosos, mulher e marido foram interrogados e confessaram que mataram Joãozinho para lhe roubarem 15 contos de réis que ele tinha amarrado na cintura em uma lona. Com aquele dinheiro eles comprariam material para fazer dinheiro. Perguntado: “Que dinheiro vocês fabricam?”.  “Nós fabricamos os cinco mil réis da asas do avião de santos Dumont”. “existem alguns prontos?”. “Temos já prontos para passar cem moedas”. “Onde estão?”. “Estão guardados em casa”. A esta altura a polícia leva-os em casa, e ali estavam cem moedas prontas, ipsis verbis, que “junto às verdadeiras não havia nenhuma diferença”. Presos e processados pela Justiça de Itabuna, vão a júri e ele pega 30 anos de prisão celular e ela é absolvida porque seu amigo dissera que ela não tinha ajudado a matar Joãozinho, apenas sabia do plano e ajudou a sepultá-lo. Dizem que após certos tempos, aquele sentenciado especializou-se tanto em inventos que foi comutada a sua pena e retirado para trabalhar em setores industrializados.

            Falando ainda sobre a vila lendária de Itaúna, quero dizer aos leitores de minha história que os fatos acontecidos ali, não foram somente os aqui citados. Temos mais os de Antônio Mineiro, Pedro Dantas e Bigode de Ouro e a registrar a vinda para aquela sinistra vila da Chapada de Dimas, aquele que roubava para dar aos pobres e que ressuscitou em Itaúna. Nomeado coletor estadual, Dimas de Itaúna, continuou naquela vila que passou para cidadania de Itapé e por duas vezes foi às urnas livres de Itaúna, sendo eleito prefeito, não obstante sua lenda através do seu passado. Com a morte do seu parceiro que a eternidade precisava de sua presença, lá se foi Dimas atrás do amigo para formar sua diretriz política na eternidade, traçando um plano para subirem até o céu ou voltaram à terra com as honrarias do passado. (É tarde, lá eu quero vê-lo carregando macadame* para encher caminhões).

            De referência ainda a Itapé, continua sem solução o crime do Atola Tamanco, do vendião de pão. Em Itapé, em dias de matança de gado, primeiro sai a vaca ou o boi laçado e na rua lhe são furados os dois olhos de ferrão. Depois cortam-se as orelhas, os beiços e até a língua da rês. Certo dia estava ali o fiscal da Lei de Proteção ao Animal que vendo aquilo, perguntou a um vaqueiro: “Por que fazem assim com o animal?”. Responderam: “É cinema para os pobres assistir, já que eles não pode ir assistir o cinema, vê aqui de graça”. Aquele fiscal indignado, voltou a Itabuna, esteve com o Dr. Fontes, o juiz da Comarca e lhe narrou aquele fato, tendo aquele juiz, mandado tomar todo o ferrão daqueles indesejáveis magarefes, em número de 10 e detê-los.

            Um certo prefeito de Itapé ao assumir o cargo ordenou a seus fiscais: “Todo animal que vocês encontrarem solto na rua, prenda-o a minha ordem, e ponha-o no curral do Conselho, quando aparecer o dono cobre-se 50 cruzeiros, e os que não forem procurados por invalidez deixe-o por lá morrer”. Aquele fiscal da Lei de Proteção  do Animal teve notícia da ordem, foi ao curral, e lá o funcionário lhe confirmou: “Ontem morrerem seis jegues e uma jega com o jeguinho, de fome e sede”. O fiscal procurou o prefeito e lhe perguntou se sabia que os animais presos à sua ordem, o Curral do Conselho estavam morrendo de fome  e sede. Respondeu: “Sei”. “E o senhor ignora a Lei de Proteção ao Animal?”. Respondeu: “Venha em termos”, e deu as costas ao fiscal. O fiscal foi a Itabuna tomar providências para por termo naquela injustiça, quando é procurado por um vereador que se propôs resolver o despotismo do prefeito e acabar com o suplício aos animais. “Vejam só, quando é que Itapé toma o caminho da civilização?”. Desse modo, Deus, vendo que aquele lugar não devia continuar, mandou que o rio Cachoeira o destruísse, e assim, em 67, foi mais da metade da cidade destruída, com outra enchente igual a de 68 e 69. Porque aquilo foi começado mal e será acabado pelo mal!
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*Macadame - mistura de areia e cimento usada para pavimentar ruas.


(TERRA, SUOR E SANGUE – LEMBRANÇA DO PASSADO – HISTÓRIA DA REGIÃO CACAUEIRA - Cap. XIV)

José Pereira da Costa

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