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quarta-feira, 23 de agosto de 2017

TEVE MEDO DA DESPEDIDA - Ariston Caldas



Teve Medo da Despedida


A data não saía de sua cabeça – próximo dia 16.

Olhava a folhinha na parede aos pés da cama quase encabulado e sentia vontade de rasgá-la; número preto, meio de semana. Como ia preparar-se para a despedida? Tinha medo de lacrimejar na hora das emoções, não seria bem para um sujeito adulto beirando os quarenta, no meio de gente, todo mundo vendo.

Despediu-se poucas vezes vida a fora; lembrava, por exemplo, quando abraçara um amigo de infância que mudou-se para o Ceará; de outras despedidas, simples: “boa viagem, lembre da gente”. Agora, próximo dia 16, quem ia embora era Leni. Nem adiantaram as ponderações; “preciso sair daqui”, ela dizia decisiva, passagem comprada, cadeira 10, dia 16; malas arrumadas. “Destino”.

Nunca mais ia afagar as mãos de Leni, abraçá-la nos encontros, discutir assuntos com ela, vislumbrar o beijo ardente de sua boca que teria gosto único. Tentaria esquecer tudo logo depois do dia 16, procuraria outras, buscando esquecer o cheiro do corpo de Leni, inolvidável, sutil, envenenando seus sentidos.

Contava os dias pelos dedos – segunda, terça, quarta... Pouca coisa para a data definida, pela manhã, logo depois do sair do sol, rodoviária movimentada, pessoas comprando passagens, embarcando, desembarcando; outras, sentadas esperando, assistindo televisão com imagens tremidas, estridente. E se fosse uma manhã chuvosa? A tristeza seria maior, Leni chegaria embrulhada numa capa de matéria plástica verde, cheia de bolsos, um capuz cobrindo-lhe o cabelo claro, somente o rosto de fora, borrifado; ela panharia o porta-espelho portátil, um lenço e passaria a olhar-se, retocando o batom, retirando o capuz, jogando-o para trás, ajeitando o cabelo. O ônibus já na plataforma ligado para sair; lia a placa na frente, estava escrito o destino. Leni sorria nervosa, duas valises. Ela teria esquecido alguma coisa? Certamente não. A arrumação vinha sendo feita cuidadosamente – roupas, objetos de maquilagem, sapatos, sutiãs, adereços; ela não teria esquecido nada; ele sabia, na ponta da língua, todos os pertences de Leni – sandálias, bermudas, vestidos; tudo estaria arrumado nas duas valises de couro com atracadeiras fortes; na bolsa tiracolo, escova de pentear, perfume, batom, grampos e pó-de-arroz. Leni estaria sorridente, mas nervosa, vislumbrando a viagem longa, as novidades pela frente, a paisagem. “Destino”.

Se ela quisesse, continuaria por aqui mesmo, seria sua noiva, sua esposa. Por que entendera mudar-se para longe? Indagava-se sem entender a vida, sem compreender as ideias de Leni. E se ela não gostasse da mudança! Torcia para que isso acontecesse. E se tudo fosse ao contrário e ela arranjasse um sujeito bom situado na vida e casasse com ele! Adeus Agapito. Nunca mais daria um presente a Leni. A partida estava próxima, definida, inapelável; a cada encontro com ela o silêncio o dominava de fora a fora, inchando por dentro.

Não construiria mais a casa para morar com Leni; o juízo dela esquentou, vai-se embora definitivamente. Nunca havia prometido a Leni, somente intenções. Seria necessário prometer? Amassava as mãos dela, afagava o cabelo, beijava-lhe o rosto; tudo isso não era uma declaração de amor? A definição só viria com o noivado. Agora, quando pensava construir a casa para morar com ela, lá vinha Leni com a ideia de mudança, para os confins do mundo. “Destino. O homem põe e Deus dispõe”, pensava constrangido. Leni ia conhecer outro mundo, outras pessoas. E se ela encontrasse outro sujeito bem situado na vida! Depois do dia 16 ela estará entre multidões desconhecida, entre olhares sem nenhum afeto, alheios aos seus lábios carnudos, ao seu sorriso de encanto. Certo, porém, é que Leni vai embora, dia 16, logo depois do próximo domingo.

Chegou domingo, chegou segunda-feira e à noite ele começou a encher o juízo de cachaça, e dormiu bêbado; acordou no outro dia, sol alto; olhou para a folhinha, para o número 16, preto bem no meio; para o relógio na parede, meio-dia. O ônibus que levava Leni devia ir rodando a uns duzentos quilômetros da cidade; levantou-se ainda zonzo, esfregou os olhos sentindo-se frustrado dos pés à cabeça, mais ainda por não ter ido ao embarque de Leni; sabia lá, podia encher os olhos de lágrimas todo mundo vendo.


(LINHAS INTERCALADAS)
Ariston Caldas

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