Sonho dourado
Mas meu sonho, como tantos outros, fracassou. O Jardim
Botânico está cheio de plaquinhas em português e inglês, explicando quase tudo.
E, como se não bastasse, é dirigido por Sérgio Besserman Vianna, que é muito
culto, sabe esclarecer os visitantes sobre os babados da chegada de Dom João VI
ao Rio, fugindo das tropas de Napoleão.
Só me restaria explorar alguns detalhes, como o merecido
prestígio da Caesalpinia echinata — ou pau-brasil, para os íntimos. Dizem que o
pau-brasil tinha uma resina da qual se extraía uma tinta de cor avermelhada,
muito em moda na Europa. Por isso portugueses e franceses — que sempre foram
fashionistas — vieram saquear nossa Mata Atlântica. Segundo os estudiosos,
havia cerca de 70 milhões dessas árvores na costa do Brasil. Hoje é raro
encontrar uma única por aí, a não ser na poesia de Oswald de Andrade. Com o
perdão do trocadilho, é uma árvore ex-tinta.
Se eu fosse guia, indicaria para refúgio dos namorados o
Mirante da Imprensa — até o nome é sugestivo —, espécie de coreto construído
diante do Lago Frei Leandro, de onde se pode enxergar as vitórias-régias, o
Cristo Redentor e, conforme a voltagem da paixão, uma boa parte do infinito.
De volta às maravilhas do mundo real, o visitante achará a
Fonte de Eco e Narciso, cuja história completa não consta da plaquinha. As duas
figuras, inspiradas num personagem da mitologia grega que se apaixona por si
mesmo — o que é muito comum hoje —, foram esculpidas para o Passeio Público,
por Mestre Valentim, no fim do século XVIII. Depois removidas para o Jardim
Botânico, mas mantidas uma distante da outra. Só mais tarde foram reunidas, por
campanha promovida pelo admirável Antonio Callado, glória da literatura brasileira,
que está completando cem anos de nascimento.
O ponto alto de minha visita guiada, no entanto, seria a
fachada da Escola Imperial de Belas Artes. Quando eu era menino, pensava que
aquilo fosse um palácio fantasma. Depois descobri que aquele misterioso portal
fora desenhado pelo arquiteto Grandjean de Montigny. Ele veio ao Brasil com a
Missão Francesa, para ensinar nossos artistas a imitar o estilo mais moderninho
da época, o neoclassicismo. Com a demolição da escola, sua fachada foi
transferida para o JB.
Segundo cronistas, Grandjean de Montigny acabou por
radicar-se no Rio e adotar os costumes locais. Botou pra quebrar durante o
entrudo de 1850, em que os foliões arremessavam uns nos outros baldes d’água,
limões de cheiro, ovos, lama, o diabo. Graças à brincadeira, o francês contraiu
uma infecção e faleceu pouco depois, no início de março. Em suma, Grandjean
tornou-se tão carioca que morreu de carnaval.
O Globo, 13/08/2017
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Geraldo Carneiro - Sexto ocupante da Cadeira 24 da ABL,
eleito em 27 de outubro de 2016, na sucessão de Sábato Magaldi e recebido em 31
de março de 2017 pelo Acadêmico Antonio Carlos Secchin.
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