Vila de Tabocas
Com seus
longos chicotes que estalavam ao tocar o solo, os tropeiros atravessaram as
ruas enlameadas de Tabocas. Gritavam para os burros entrarem pelos becos e
pelas ruas novas que se abriam.
- Eh!
Dinamite! Dianho! Pra frente burro da desgraça...
Na frente
da tropa, chocalhando de guizos, com um peitoral enfeitado, ia o burro que
melhor conhecia o caminho, a “madrinha da tropa”. Os coronéis requintavam no
enfeite dos peitorais das “madrinhas das tropas”, era uma prova da sua fortuna
e do seu poderio.
O grito
dos tropeiros atravessava dia e noite o povoado de Tabocas, se elevando sobre
todas as vozes e todos os ruídos.
- Chô,
Piranha! Toca pra frente, Borboleta! Mula empacadeira dos diabos...
E os
longos chicotes estalavam no ar e no solo, enquanto as tropas de burros
revolviam a lama das ruas no seu passo seguro e tardio. De uma porta qualquer
um desconhecido pilheriava com o tropeiro na pilhéria mais gasta de Tabocas:
- Como
vai, mulher de tropeiro?
- Vou ver
tua mãe daqui a pouquinho...
Por vezes
entravam boiadas que vinham do sertão e que, ou paravam em Tabocas, vendidas
aos abatedores, ou seguiam no caminho de Ilhéus. Os bois mugiam nas ruas, os
vaqueiros vestidos de couro, nos seus pequenos cavalos de tanta agilidade, se
misturavam aos tropeiros nas vendas onde bebiam cachaça ou nas casas das
rameiras onde buscavam um carinho de mulher. Cavaleiros atravessavam a rua no
galope dos cavalos, o revólver no cinto. As crianças que brincavam na lama das
ruas se afastavam rápidas abrindo o caminho. E mil vezes por dia a lama era
revolvida, cacau e mais cacau se depositava nos armazéns enormes. Assim era
Tabocas.
Primeiro
não teve nome, quatro ou cinco casas apenas à margem do rio. Depois foi o
povoado de Tabocas, as casas se construindo uma atrás das outras, as ruas se
abrindo sem simetria ao passo das tropas de burro que traziam cacau seco. A
estrada de ferro avançou de Ilhéus até ali e, em torno dela, nasceram novas
casas. E eis que não eram só casas de barro batido, sem pintura, de janelas de
tábua, casas levantadas às pressas, casas mais para pouso que mesmo para
moradia como as de Ferradas, Palestina e Mutuns. Em Tabocas se levantavam casas
de tijolos e também casas de pedra e cal, com telhados vermelhos, com janelas
de vidro, uma parte da rua central tinha sido calçada de pedras. É verdade que
as outras eram um puro lamaçal, revolvido diariamente pelas patas dos burros
que chegavam de toda a zona do cacau, carregados com sacos de quatro arrobas.
As ruas se abriam em armazéns e armazéns onde o cacau era depositado. Algumas
casas exportadoras já tinham filial em Tabocas e ali compravam o cacau aos
fazendeiros. E se bem não tivesse sido ainda instalada uma filial do Banco do
Brasil, havia um representante bancário que evitava a muitos coronéis fazerem a
viagem de trem a Ilhéus para depositar e retirar dinheiro. No meio de uma larga
praça plantada de capim, havia sido construída a igreja de São José, padroeiro
da localidade. Quase em frente, num dos poucos sobrados de Tabocas, estava a
Loja Maçônica que reunia ao seu seio a maioria dos fazendeiros e que dava
bailes e mantinha uma escola.
Do outro lado do rio já se levantavam
várias casas e começava-se a falar em construir
uma ponte que ligasse os dois pedaços da cidade. Os habitantes de
Tabocas tinham uma grande reivindicação: que o povoado fosse elevado à
categoria de cidade e fosse sede de governo e de justiça, com seu prefeito, seu
juiz, seu promotor, seu delegado de polícia. Alguém já propusera até o nome que
devia ter o novo município e a nova cidade: Itabuna, que em língua guarani quer
dizer “pedra preta”. Era uma homenagem às grandes pedras que surgiam nas
margens e no meio do rio e sobre as quais as lavadeiras passavamm o dia no seu
trabalho. Mas como Tabocas respondia politicamente a Horácio, sendo ele o maior
fazendeiro das proximidades, o governo do Estado não atendia ao apelo dos
moradores. Os Badarós diziam que era um plano político de Horácio para dominar
ainda mais aquela zona. Tabocas continuava um povoado do município de São Jorge
dos Ilhéus. Mas já muita gente quando escrevia cartas, não as datava mais de
Tabocas e, sim, de Itabuna. E quando perguntavam a um morador dali, que
estivesse de passeio em Ilhéus, de onde ele era, o homem respondia cheio de
orgulho:
- Sou da
cidade de Itabuna...
(“TERRAS DO SEM FIM”)
Jorge Amado
Antologia ITABUNA, CHÃO DE MINHAS RAÍZES
Seleção, Prefácio e Notas de Cyro de Mattos
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