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segunda-feira, 10 de julho de 2017

VILA DE TABOCAS – Jorge Amado

Vila de Tabocas


            Com seus longos chicotes que estalavam ao tocar o solo, os tropeiros atravessaram as ruas enlameadas de Tabocas. Gritavam para os burros entrarem pelos becos e pelas ruas novas que se abriam.

            - Eh! Dinamite! Dianho! Pra frente burro da desgraça...

            Na frente da tropa, chocalhando de guizos, com um peitoral enfeitado, ia o burro que melhor conhecia o caminho, a “madrinha da tropa”. Os coronéis requintavam no enfeite dos peitorais das “madrinhas das tropas”, era uma prova da sua fortuna e do seu poderio.

            O grito dos tropeiros atravessava dia e noite o povoado de Tabocas, se elevando sobre todas as vozes e todos os ruídos.

            - Chô, Piranha! Toca pra frente, Borboleta! Mula empacadeira dos diabos...

            E os longos chicotes estalavam no ar e no solo, enquanto as tropas de burros revolviam a lama das ruas no seu passo seguro e tardio. De uma porta qualquer um desconhecido pilheriava com o tropeiro na pilhéria mais gasta de Tabocas:

            - Como vai, mulher de tropeiro?

            - Vou ver tua mãe daqui a pouquinho...

            Por vezes entravam boiadas que vinham do sertão e que, ou paravam em Tabocas, vendidas aos abatedores, ou seguiam no caminho de Ilhéus. Os bois mugiam nas ruas, os vaqueiros vestidos de couro, nos seus pequenos cavalos de tanta agilidade, se misturavam aos tropeiros nas vendas onde bebiam cachaça ou nas casas das rameiras onde buscavam um carinho de mulher. Cavaleiros atravessavam a rua no galope dos cavalos, o revólver no cinto. As crianças que brincavam na lama das ruas se afastavam rápidas abrindo o caminho. E mil vezes por dia a lama era revolvida, cacau e mais cacau se depositava nos armazéns enormes. Assim era Tabocas.

            Primeiro não teve nome, quatro ou cinco casas apenas à margem do rio. Depois foi o povoado de Tabocas, as casas se construindo uma atrás das outras, as ruas se abrindo sem simetria ao passo das tropas de burro que traziam cacau seco. A estrada de ferro avançou de Ilhéus até ali e, em torno dela, nasceram novas casas. E eis que não eram só casas de barro batido, sem pintura, de janelas de tábua, casas levantadas às pressas, casas mais para pouso que mesmo para moradia como as de Ferradas, Palestina e Mutuns. Em Tabocas se levantavam casas de tijolos e também casas de pedra e cal, com telhados vermelhos, com janelas de vidro, uma parte da rua central tinha sido calçada de pedras. É verdade que as outras eram um puro lamaçal, revolvido diariamente pelas patas dos burros que chegavam de toda a zona do cacau, carregados com sacos de quatro arrobas. As ruas se abriam em armazéns e armazéns onde o cacau era depositado. Algumas casas exportadoras já tinham filial em Tabocas e ali compravam o cacau aos fazendeiros. E se bem não tivesse sido ainda instalada uma filial do Banco do Brasil, havia um representante bancário que evitava a muitos coronéis fazerem a viagem de trem a Ilhéus para depositar e retirar dinheiro. No meio de uma larga praça plantada de capim, havia sido construída a igreja de São José, padroeiro da localidade. Quase em frente, num dos poucos sobrados de Tabocas, estava a Loja Maçônica que reunia ao seu seio a maioria dos fazendeiros e que dava bailes e mantinha uma escola.

            Do outro lado do rio já se levantavam várias casas e começava-se a falar em construir  uma ponte que ligasse os dois pedaços da cidade. Os habitantes de Tabocas tinham uma grande reivindicação: que o povoado fosse elevado à categoria de cidade e fosse sede de governo e de justiça, com seu prefeito, seu juiz, seu promotor, seu delegado de polícia. Alguém já propusera até o nome que devia ter o novo município e a nova cidade: Itabuna, que em língua guarani quer dizer “pedra preta”. Era uma homenagem às grandes pedras que surgiam nas margens e no meio do rio e sobre as quais as lavadeiras passavamm o dia no seu trabalho. Mas como Tabocas respondia politicamente a Horácio, sendo ele o maior fazendeiro das proximidades, o governo do Estado não atendia ao apelo dos moradores. Os Badarós diziam que era um plano político de Horácio para dominar ainda mais aquela zona. Tabocas continuava um povoado do município de São Jorge dos Ilhéus. Mas já muita gente quando escrevia cartas, não as datava mais de Tabocas e, sim, de Itabuna. E quando perguntavam a um morador dali, que estivesse de passeio em Ilhéus, de onde ele era, o homem respondia cheio de orgulho:

            - Sou da cidade de Itabuna...

(“TERRAS DO SEM FIM”)
Jorge Amado
Antologia ITABUNA, CHÃO DE MINHAS RAÍZES

Seleção, Prefácio e Notas de Cyro de Mattos

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