Esse texto, conforme a autora, foi escrito em dezembro de
2016
“Sempre que o STF profere alguma decisão bizarra, o povo
logo se apressa para sentenciar: “a Justiça no Brasil é uma piada”. Nem se
passa pela cabeça da galera que os outros juízes – sim, os OUTROS – se
contorcem de vergonha com certas decisões da Suprema Corte, e não se sentem nem
um pouco representados por ela.
O que muitos juízes sentem é que existem duas Justiças no
Brasil. E essas Justiças não se misturam uma com a outra. Uma é a dos juízes
por indicação política. A outra é a dos juízes concursados. A Justiça do STF e
a Justiça de primeiro grau revelam a existência de duas categorias de juízes
que não se misturam. São como água e azeite. São dois mundos completamente
isolados um do outro. Um não tem contato nenhum com o outro e um não se
assemelha em nada com o outro. Um, muitas vezes, parece atuar contra o outro.
Faz declarações contra o outro. E o outro, por muitas vezes, morre de vergonha
do um.
Geralmente, o outro prefere que os “juízes” do STF sejam
mesmo chamados de Ministros – para não confundir com os demais, os verdadeiros
juízes. A atual composição do STF revela que, dentre os 11 Ministros (sim,
M-I-N-I-S-T-R-O-S!), apenas dois são magistrados de carreira: Rosa Weber e Luiz
Fux. Ou seja: nove deles não têm a mais vaga ideia do que é gerir uma unidade
judiciária a quilômetros de distância de sua família, em cidades pequenas de interior,
com falta de mão-de-obra e de infra-estrutura, com uma demanda acachapante e
praticamente inadministrável.
Julgam grandes causas – as mais importantes do Brasil – sem
terem nunca sequer julgado um inventariozinho da dona Maria que morreu. Nem uma
pensão alimentícia simplória. Nem uma medida para um menor infrator, nem um
remédio para um doente, nem uma internação para um idoso, nem uma autorização
para menor em eventos e viagens, nem uma partilhazinha de bens, nem uma
aposentadoriazinha rural. Nada. NADA.
Certamente não fazem a menor ideia de como é visitar a casa
humilde da senhorinha acamada que não se mexe, para propiciar-lhe a interdição.
Nem imaginam como é desgastante a visita periódica ao presídio – e o percorrer
por entre as celas. Nem sonham com as correições nos cartórios extrajudiciais.
Nem supõem o que seja passar um dia inteiro ouvindo testemunhas e interrogando
réus. Nunca presidiram uma sessão do Tribunal do Júri. Não conhecem as agruras,
as dificuldades do interior. Não conhecem nada do que é ser juiz de primeiro
grau. Nada. Do alto de seus carros com motorista pagos com dinheiro público,
não devem fazer a menor ideia de que ser juiz de verdade é não ter motorista
nenhum. Ser juiz é andar com seu próprio carro – por sua conta e risco – nas
estradas de terra do interior do Brasil. Talvez os Ministros nem saibam o que é
uma estrada de terra – ou nem se lembrem mais o que é isso. Às vezes, nem a
gasolina ganhamos, tirando muitas vezes do nosso próprio bolso para sustentar o
Estado, sem saber se um dia seremos reembolsados – muitas vezes não somos.
Será que os juízes, digo, Ministros do STF sabem o que é
passar por isso? Por que será que os réus lutam tanto para serem julgados pelo
STF (o famoso “foro privilegiado”) – fugindo dos juízes de primeiro grau como o
diabo foge da cruz? Por que será que eles preferem ser julgados pelos “juízes”
indicados politicamente, e não pelos juízes concursados?
É por essas e outras que, sem constrangimento algum,
rogo-lhes: não me coloquem no mesmo balaio do STF. Faço parte da outra Justiça:
a de VERDADE.”
Juíza Ludmila Lins Graça
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